Antonio Cláudio Ferreira Netto
A confusão como estratégia
Estou entre os que acreditam que medidas desta natureza são positivas, porque defendem todos os profissionais que se dedicam a criação e a produção de obras artísticas — milhares em todo o mundo, inclusive aqui no Brasil. Vejo a internet como um poderoso instrumento de comunicação, mas acredito que ela não deve estar acima da lei. Se ha alguma redução da liberdade na internet, ela não é diferente da redução de liberdade a que todo cidadão está submetido no mundo real para se adequar a vida em sociedade. Afinal, aprendemos desde pequenos que nosso direito termina onde começa o direito alheio.
Apesar de minhas convicções, reconheço que há argumentos plausíveis em sentido contrário, e que muitas pessoas esclarecidas e bem-intencionadas os defendem — e fico feliz que seja assim, pois acredito nas liberdades de pensamento e expressão como valores fundamentais.
No entanto, tenho lido em diversas publicações dois argumentos que não me parecem apresentados com honestidade intelectual. O primeiro é o de que as medidas do Sopa restringiriam a liberdade de informação. Acredito que o projeto não contém qualquer medida neste sentido. Suas regras se destinam a proteger obras artísticas. As informações não pertencem a ninguém. São de todos e devem circular livremente, bastando para tanto que sejam expressas de forma compreensível pelo talento humano. Qualquer pessoa é livre para divulgar as informações que desejar, ficando é claro responsável por danos que vier a causar a terceiros. Já obras (livros, fotos, filmes) são criações protegidas pelo direito autoral. Somente podem ser utilizadas com a permissão de seus autores. O projeto em discussão no Congresso americano apenas dificulta a utilização não autorizada de filmes, músicas ou livros. Seja o leitor contrário ou favorável a este objetivo, há de reconhecer que ele em nada afeta a livre circulação de informações na rede.
Outro argumento que não parece ter respaldo nos fatos é que o Sopa permitiria o bloqueio de acesso a sites piratas e outras medidas de igual gravidade sem autorização judicial, por mera notificação enviada aos sites pelos ofendidos. O projeto de lei, no entanto, não confere tal poder a qualquer notificação. Somente decisões judiciais podem determinar medidas desta natureza. O argumento parece lançado com o proposito de provocar confusão. Na verdade, o que determina o Sopa e que o site que hospede um conteúdo pirata não é responsável pela violação de direitos autorais até que seja notificado da existência da violação. Uma vez notificado, pode escolher entre retirar o conteúdo apontado como pirata, ou mantê-lo, respondendo legalmente pelas consequências de sua escolha.
Curiosamente, fora da internet, a situação é de menor tolerância com a violação da lei. Veículos de qualquer natureza que divulguem conteúdos piratas são responsáveis por seus atos desde o momento da divulgação. Não podem esperar segura e confortavelmente até que uma notificação os alerte do ilícito. Acredito que não é pedir demais que sites sejam responsáveis pelo que hospedam, especialmente depois de alertados para a natureza ilegal de um determinado conteúdo. É o que prevê o Sopa.
É bom lembrar que aqui no Brasil medidas como as previstas no Sopa já poderiam ser adotadas pelo Judiciário em casos concretos submetidos a sua apreciação, para garantir efetividade as decisões e assegurar o cumprimento da lei autoral. Assim, entre nós, não se trata de novidade tão grande.
Espero que estas reflexões contribuam de alguma maneira para o debate, e que este se dê da forma mais ampla, livre e honesta possível. A liberdade na internet e a proteção às criações artísticas são temas importantes demais para que sua discussão seja guiada por maniqueísmos e meias verdades.
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* Artigo publicado originalmente no jornal O Globo do dia 31/1/2012
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