A Lei dos Crimes Ambientais
Vladimir Passos de Freitas*
A Lei dos Crimes ambientais foi um divisor de águas. Foi atacada ao início, pela forma e conteúdo. A começar por aqueles que diziam que seus crimes deveriam estar previstos no Código Penal e não em uma lei especial. A findar pelos que lhe atribuíam o erro de desfigurar o Direito Penal convertendo as sanções em mera reparação do dano. Passados mais de 7 anos, seus resultados são animadores. É possível afirmar que ela foi e é decisiva na proteção do meio ambiente brasileiro. Vejamos.
A simples edição da lei fez com que as pessoas tomassem conhecimento da existência de crimes e se preocupassem com o dano ambiental. Com efeito, antes dela o desconhecimento era completo. Nem mesmo as autoridades policiais e judiciárias tinham ciência de todos os tipos penais, por vezes perdidos em leis de natureza administrativa como o Código de Mineração. Conhecer é o primeiro passo para a busca da eficiência.
A partir da nova realidade surgiram as especializações. A Polícia Militar, que em muitos estados já atuava sob a forma de Polícia Florestal, criou equipes especializadas. Em menor escala, também a Polícia Civil. A Polícia Federal, mais recentemente, criou Departamentos específicos em todas as superintendências. O Ministério Público, que foi o primeiro a preocupar-se com o tema, aprimorou-se. A magistratura estadual criou Varas Ambientais em Cuiabá e Manaus e, mais recentemente, a Justiça Federal semi-especializou Varas em Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre.
O empresariado conscientizou-se. Em parte pela gravidade dos danos ambientais, motivo de preocupação de toda a sociedade, independentemente de idade ou classe social. Em parte porque a nova lei tornou possível processar criminalmente as pessoas jurídicas. A sociedade civil mobilizou-se. Foram criadas ONGs de origens e propósitos diversos. O IBAMA beneficiou-se com a previsão legal de infrações administrativas (art. 70), matéria estranha ao Direito Penal ambiental que acabou sendo incluída na lei.
Além disto, a nova lei inovou em muitos aspectos. O primeiro deles foi permitindo que os crimes com pena de prisão até 1 ano (agora 2 anos) pudessem ser objeto de transação, e os sancionados com o mínimo de 1 ano, pudessem ser alvo de suspensão do processo. Estes acordos judiciais, condicionados à reparação do dano ambiental, fizeram com que milhares de acordos fossem celebrados em todo o território nacional. Não há estatísticas. Mas de sul a norte, o Ministério Público propõe formas práticas de não instaurar ou suspender a ação penal, que, aceitas, são homologadas pelos juízes. Privilegia-se a proteção e restauração do meio ambiente e não a prisão do infrator.
As pessoas jurídicas foram responsabilizadas (art. 3º). Apesar de resistência de setores mais tradicionais do Direito Penal, acabou-se a antiga prática de punir o último elo da cadeia delitiva, ou seja, o vigia da empresa ou o motorista do caminhão. Vários processos penais foram abertos, muitos terminaram por acordos, alguns resultaram em condenação. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a possibilidade da pessoa jurídica responder penalmente por seus atos (RESP 564.960-SC, Rel. Gilson Dipp, j. 02.06.2005).
As penas passaram a ter finalidade francamente direcionada à recuperação do dano ambiental (arts. 6º a 24). A pena corporal ficou restrita a casos de gravidade evidente, como formação de quadrilha para a prática de crime ambiental. Na maioria absoluta das condenações ao infrator vem sendo dada a oportunidade de prestar serviços a favor do ambiente. Para as pessoas de baixo grau de instrução e escolaridade passou a ser admitida atenuante da pena. Àquele que abate um animal para saciar sua fome ou de sua familiar a lei reconhece estado de necessidade (art. 37, I).
A nova lei definiu o crime de poluição (art. 54) e reconheceu a importância de proteger o ordenamento urbano e o patrimônio cultural (arts. 62 a 65). Da mesma forma tornou crime a conduta daqueles que atuam contra a administração ambiental (arts. 6 a 69), matéria antes atípica ou prevista em termos genéricos e ineficientes no Código Penal. Atenta à globalização, previu a Lei 9.605/98 forma de cooperação internacional para a preservação do meio ambiente (arts. 77 e 78), infelizmente ainda sem aplicação efetiva.
Em suma, muito fez e muito ainda fará a lei dos crimes ambientais a favor das presentes e futuras gerações. Ela tem defeitos, sem dúvida. Por exemplo, foi omissa na parte processual nas ações penais contra as pessoas jurídicas (arts. 26 a 28). Equivocou-se ao prever crime de dano culposo (art. 40, par. 3º). Não importa. Estas falhas não maculam o texto legal, que sem dúvida complementou a proteção ao meio ambiente no Brasil, ao lado da Constituição Federal, da Lei da Polícia Nacional do Meio Ambiente (6.938/81) e da Lei da Ação Civil Pública (7.347/85).
Passada o momento de elaboração de leis, que temos modernas e boas, temos que passar à fase mais difícil e importante: torná-las efetivas. É responsabilidade de todos nós brasileiros, fazer cumprir a legislação ambiental, em especial a Lei dos Crimes Ambientais.
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