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O "estupro" no BBB 12 e a perda de uma chance

A expulsão do modelo Daniel do BBB 12 "não é da minha conta", afirma o desembargador. O que, segundo ele, convida a pensar no imbróglio é a situação jurídica do caso, na qual houve a perda da chance de abocanhar um gorducho prêmio.

2/2/2012

José Geraldo da Fonseca

O "estupro" no BBB 12 e a perda de uma chance

De uns tempos para cá não assisto ao "BBB". Não faço parte da turba xiita que desanca o programa urrando que presta desserviço à cultura do país. Tem coisa pior. Vi a primeira versão, pela novidade, depois enjoei. Quem quiser saber a origem do BBB leia "1984", do jornalista inglês Eric Arthur Blair, conhecido como George Orwell. Orwell morreu aos 46 anos, em Londres, vítima de tuberculose, depois de ter sido ferido gravemente no pescoço na Guerra Civil Espanhola, onde lutara como voluntário numa milícia trotskista contra Franco, Mussolini e Hitler. A Endemol holandesa sacou o negócio primeiro e ganha rios de dinheiro com isso. Orwell morreu pobre.

Tenho acompanhado pelos jornais o famoso "estupro" de Monique pelo modelo Daniel Echaniz. Para mim não houve estupro coisa nenhuma. Estupro é outra coisa. Houve uma pitada de hipocrisia e muito marketing. Como ninguém estupra sozinho, se era caso de expulsão, que expulsassem os dois. Do jeito como foi feito, parece perseguição e oportunismo. Nada como um babado desses para levantar a audiência. A Globo, claro, não toca na palavra "estupro", mas em "comportamento inadequado" do casal. Outra bobagem. Se aquilo era "comportamento inadequado", todos os outros casais dos BBB anteriores deveriam ter sido expulsos.

A cor da pele do moço parece estar pesando nos julgamentos.

O que me faz tocar nesse assunto passa longe da ideia de saber se Monique “deu mole” para Daniel ou se Daniel "forçou a barra" debaixo do edredon. Dizer que a moça "deu mole" para justificar o "estupro" é o mesmo que dizer que o sujeito tinha o direito de estuprá-la apenas porque a moça "se oferecera" a ele estimulada por um punhado de doses de cachaça. Não pode haver discurso mais hipócrita. Também não sei se Daniel passou dos limites e fez sexo com alguém quase em coma alcoólico, nos limites daquilo que os penalistas chamam de "estupro de vulnerável". Isso não é da minha conta. O que me convida a pensar nesse imbroglio é a situação jurídica que a decisão de expulsar o modelo pode vir a causar. Falo da perda de uma chance de Daniel embolsar a bolada que o programa oferece e do risco que a Globo corre tomando a decisão que tomou. Não duvido nada se o modelo ajuizar uma ação de indenização reivindicando o prêmio. Já tivemos caso assim com um programa de perguntas e respostas do Silvio Santos.

"Chance" deriva do francês e significa "oportunidade". A expressão "indenização pela perda de uma chance" significa exatamente isso: "reparação pela perda de uma oportunidade".

Em matéria de responsabilidade civil, o Código Civil brasileiro consagra três regras: (1º) ninguém deve prejudicar ninguém; (2º) todo aquele que causar prejuízo a outrem tem o dever de indenizá-lo e (3º) a indenização mede-se pela extensão do dano.

É relativamente nova entre nós a cultura de que a perda de uma chance pode e deve ser indenizada. Em regra, o direito procura indenizar aquilo que se perdeu, e não aquilo que deixou de ocorrer por ato de uma das partes. O argumento surrado para não indenizar a perda de uma chance é que aquilo que efetivamente ainda não ocorreu não pode gerar certeza de que de fato ocorreria, ou ocorreria do modo afirmado por quem o afirma. A mera conjectura, que vive no campo anímico, não poderia tarifar uma indenização.

O que se deve indenizar na perda de uma chance não é a vantagem propriamente dita, porque de fato não há certeza de que o sedizente prejudicado obteria tal vantagem. O que se deve indenizar é a perda da oportunidade de obter aquela vantagem. Isso sim é facilmente aferível.

No caso de Daniel, é provável que ele não vencesse as provas seguintes do programa e fosse eliminado daí a uma semana ou duas, mas a perda da sua chance de botar a mão na bolada não está nisso. O que a expulsão do programa lhe negou foi a oportunidade de obter a vantagem, isto é, a chance de disputar ombro a ombro com os outros o prêmio tão cobiçado.

No sentido jurídico, chance não é o direito ao prêmio, mas a possibilidade de tentar. O que se deve aferir para verificar se houve prejuízo não é se o modelo podia ou não ganhar o prêmio, mas se tinha ou não a possibilidade de obter essa vantagem. Isso, é óbvio, tinha, mas apenas estando no programa. Como a têm, em tese, todos os que ali estão confinados e expostos à visitação pública como miquinhos numa gaiola de aluguel.

Na minha opinião, se são três os participantes que podem chegar à final, e somente um deles sairá vencedor, é possível afirmar que, em tese, Daniel tinha 33,33% de chances de chegar à final. Ainda que não se possa assegurar que ganharia o prêmio, porque a decisão não depende dele, mas de um conjunto de variáveis decididas pelo público, no mínimo é possível dizer que receberia 1/3 da bolada.

Mas, se eu fosse o Boninho, chamava o Daniel de volta e multiplicava por mil a audiência do programa.

Sem correr qualquer risco.

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* José Geraldo da Fonseca é desembargador, presidente da 2ª turma do TRT do RJ

 

 

 

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