José Geraldo da Fonseca
O "estupro" no BBB 12 e a perda de uma chance
Tenho acompanhado pelos jornais o famoso "estupro" de Monique pelo modelo Daniel Echaniz. Para mim não houve estupro coisa nenhuma. Estupro é outra coisa. Houve uma pitada de hipocrisia e muito marketing. Como ninguém estupra sozinho, se era caso de expulsão, que expulsassem os dois. Do jeito como foi feito, parece perseguição e oportunismo. Nada como um babado desses para levantar a audiência. A Globo, claro, não toca na palavra "estupro", mas em "comportamento inadequado" do casal. Outra bobagem. Se aquilo era "comportamento inadequado", todos os outros casais dos BBB anteriores deveriam ter sido expulsos.
A cor da pele do moço parece estar pesando nos julgamentos.
O que me faz tocar nesse assunto passa longe da ideia de saber se Monique “deu mole” para Daniel ou se Daniel "forçou a barra" debaixo do edredon. Dizer que a moça "deu mole" para justificar o "estupro" é o mesmo que dizer que o sujeito tinha o direito de estuprá-la apenas porque a moça "se oferecera" a ele estimulada por um punhado de doses de cachaça. Não pode haver discurso mais hipócrita. Também não sei se Daniel passou dos limites e fez sexo com alguém quase em coma alcoólico, nos limites daquilo que os penalistas chamam de "estupro de vulnerável". Isso não é da minha conta. O que me convida a pensar nesse imbroglio é a situação jurídica que a decisão de expulsar o modelo pode vir a causar. Falo da perda de uma chance de Daniel embolsar a bolada que o programa oferece e do risco que a Globo corre tomando a decisão que tomou. Não duvido nada se o modelo ajuizar uma ação de indenização reivindicando o prêmio. Já tivemos caso assim com um programa de perguntas e respostas do Silvio Santos.
"Chance" deriva do francês e significa "oportunidade". A expressão "indenização pela perda de uma chance" significa exatamente isso: "reparação pela perda de uma oportunidade".
Em matéria de responsabilidade civil, o Código Civil brasileiro consagra três regras: (1º) ninguém deve prejudicar ninguém; (2º) todo aquele que causar prejuízo a outrem tem o dever de indenizá-lo e (3º) a indenização mede-se pela extensão do dano.
É relativamente nova entre nós a cultura de que a perda de uma chance pode e deve ser indenizada. Em regra, o direito procura indenizar aquilo que se perdeu, e não aquilo que deixou de ocorrer por ato de uma das partes. O argumento surrado para não indenizar a perda de uma chance é que aquilo que efetivamente ainda não ocorreu não pode gerar certeza de que de fato ocorreria, ou ocorreria do modo afirmado por quem o afirma. A mera conjectura, que vive no campo anímico, não poderia tarifar uma indenização.
O que se deve indenizar na perda de uma chance não é a vantagem propriamente dita, porque de fato não há certeza de que o sedizente prejudicado obteria tal vantagem. O que se deve indenizar é a perda da oportunidade de obter aquela vantagem. Isso sim é facilmente aferível.
No caso de Daniel, é provável que ele não vencesse as provas seguintes do programa e fosse eliminado daí a uma semana ou duas, mas a perda da sua chance de botar a mão na bolada não está nisso. O que a expulsão do programa lhe negou foi a oportunidade de obter a vantagem, isto é, a chance de disputar ombro a ombro com os outros o prêmio tão cobiçado.
No sentido jurídico, chance não é o direito ao prêmio, mas a possibilidade de tentar. O que se deve aferir para verificar se houve prejuízo não é se o modelo podia ou não ganhar o prêmio, mas se tinha ou não a possibilidade de obter essa vantagem. Isso, é óbvio, tinha, mas apenas estando no programa. Como a têm, em tese, todos os que ali estão confinados e expostos à visitação pública como miquinhos numa gaiola de aluguel.
Na minha opinião, se são três os participantes que podem chegar à final, e somente um deles sairá vencedor, é possível afirmar que, em tese, Daniel tinha 33,33% de chances de chegar à final. Ainda que não se possa assegurar que ganharia o prêmio, porque a decisão não depende dele, mas de um conjunto de variáveis decididas pelo público, no mínimo é possível dizer que receberia 1/3 da bolada.
Mas, se eu fosse o Boninho, chamava o Daniel de volta e multiplicava por mil a audiência do programa.
Sem correr qualquer risco.
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* José Geraldo da Fonseca é desembargador, presidente da 2ª turma do TRT do RJ
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