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Anuência da ANEEL para mudança de controle – Proposta de regulamentação

Para os advogados, a iniciativa da ANEEL de regulamentar o procedimento de anuência prévia para mudança de controle dos agentes do setor elétrico é muito positiva pois a nova regulamentação proposta deverá trazer segurança jurídica às operações empresariais no setor.

2/2/2012

Marcello Portes da Silveira Lobo

Anna Carolina Paschoal Soares Bermudes

Anuência da ANEEL para mudança de controle – Proposta de regulamentação

O setor elétrico brasileiro tem sido bastante movimentado por operações de fusões e aquisições e a expectativa do mercado é que esse processo de consolidação, ou troca de mãos, continue por mais um bom tempo. Deve ser comemorada, portanto, a proposta de regulamentação colocada em audiência pública recentemente pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, já comentada por alguns agentes do setor.

É certo que o conceito de controle já foi há tempos estabelecido pela legislação societária. Todavia, a questão continua sendo objeto de amplo debate na doutrina e de controvérsia no dia a dia das operações empresariais, especialmente no relacionamento com os entes reguladores.

A Comissão de Valores Mobiliários, por exemplo, já discutiu e ampliou esse conceito em diferentes normativos, pareceres e decisões, sempre levando em conta a situação específica em análise (abuso de poder, conflito de interesses, oferta pública para aquisição de ações, elaboração e divulgação das demonstrações contábeis consolidadas, entre outras). Não é de se estranhar que existam diversas classificações de controle, incluindo o controle direto, indireto, majoritário, minoritário, compartilhado, pulverizado, externo, entre outros, conforme as circunstâncias envolvidas da operação em questão.

As discussões no âmbito societário e do mercado de capitais geralmente ocorrem sob a ótica da proteção ao investidor, mais precisamente do acionista minoritário não pertencente ao bloco de controle. Mas no campo regulatório a questão também deve ser analisada sob outros pontos de vista: a isonomia e demais princípios das licitações públicas, bem como a continuidade e adequada prestação do serviço público.

De forma geral, a legislação exige a anuência do poder concedente para a transferência da concessão ou do controle do concessionário. Para tanto, o pretendente deverá atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal, e, ainda, comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor.

A nova regulamentação proposta pela ANEEL busca exatamente esclarecer o conceito de mudança de controle e sua relevância na área de atuação da Agência. Além de dar maior segurança jurídica, a regulamentação deverá também desafogar o órgão regulador.

Em resumo, a questão seria tratada da seguinte forma na regulamentação proposta pela ANEEL:

(a) dependeria de anuência prévia a transferência de controle societário direto e indireto, inclusive as decorrentes de operações de reestruturação societária, no caso de (i) concessionária e permissionária de serviço público de energia elétrica, (ii) concessionária de uso de bem público; (iii) autorizada para geração de energia elétrica por aproveitamento de potencial hidráulico;

(b) não dependeria de anuência prévia a transferência de controle societário intermediário dos agentes mencionados na letra (a) acima, desde que ocorrida no âmbito do próprio grupo societário, não importando modificação de controle indireto da delegatária; e

(c) ficaria previamente anuída – devendo ser comunicada à ANEEL no prazo de até 30 (trinta) dias - a transferência de controle societário direto, indireto e intermediário de autorizadas para geração de energia elétrica por fonte (i) termelétrica, exceto nuclear, e (ii) eólica e de outras fontes alternativas de energia, exceto hídrica. No caso de transferência de controle societário direto, a autorizada teria a obrigação de constituir dossiê, ao tempo da transferência, demonstrando a regularidade da operação e qualificação do novo controlador com base nos requisitos legais e regulatórios, para eventual fiscalização da ANEEL.

O controle direto seguiria a conceituação hoje amplamente aceita e utilizada, qual seja, o exercido pelo detentor das quotas/ações ou direitos de voto. Por outro lado, a regulamentação proposta inova ao restringir o controle indireto ao ápice da estrutura societária do grupo, bem como ao definir o controle intermediário como aquele exercido por uma ou mais pessoas que não detêm poder de controle direto nem indireto.

Essas definições podem não alcançar o objetivo da Agência na prática. Melhor seria simplesmente vincular a necessidade de anuência ou não da Agência à efetiva transferência de controle. Ou seja, ocorrendo no âmbito do mesmo grupo societário, direta ou indiretamente (em qualquer nível), não haveria efetiva transferência de controle e, portanto, necessidade de anuência prévia.

Outro ponto que merece atenção é a exceção quanto à transferência decorrente de operação de natureza societária que importe em tomada de controle e cuja dinâmica fática comprovadamente impossibilite a análise prévia pela ANEEL. Nesse caso, a eficácia da operação perante a ANEEL ficaria condicionada à sua comunicação pela delegatária à ANEEL em até 5 (cinco) dias de sua efetivação. Tratando-se de exceção à regra, seria aconselhável uma melhor definição desses atos, sob pena do dispositivo trazer insegurança jurídica às operações.

A minuta de resolução contempla, ainda, a modificação da lei de concessões ocorrida em 2005, permitindo a transferência do controle da delegatária (concessionária, permissionária ou autorizada) para o financiador, com o fim de promover a reestruturação financeira da delegatária e assegurar a continuidade da prestação dos serviços de energia elétrica. Nesse caso, a ANEEL poderá autorizar a assunção do controle societário pelos financiadores, que deverão atender às exigências de regularidade e capacidade constantes na regulamentação, de acordo com a natureza da delegatária.

Além dessas questões mais relevantes sobre a necessidade ou não de anuência prévia, a Resolução regularia o procedimento em si. Ao listar a documentação que deverá ser apresentada, tanto pelo agente setorial – concessionária, permissionária ou autorizada -, quanto pelo pretenso novo controlador, inclui documentos específicos no caso de Fundo de Investimento em Participações – FIP. A participação desse tipo de veículo tem sido bastante frequente no setor.

No caso de sociedade estrangeira, haveria a necessidade de apresentação de documentos equivalentes aos listados ou, não sendo possível, declaração da entidade consular atestando a inexistência de documento equivalente. Esse procedimento pode não ser viável na prática por restrição da própria autoridade consular, que não está obrigada a entender o direito estrangeiro a fim de atestar esse tipo de situação. Vale mencionar que nos editais de leilões recentemente promovidos pela ANEEL a declaração exigida para demonstrar a inexistência de documentos equivalentes é proveniente de instituição de direito público ou de notário público da jurisdição relevante.

É importante lembrar que recentemente foi também publicada a lei 12.529 de 30 de novembro de 2011, que modifica o procedimento de notificação sobre atos de concentração ao sistema brasileiro de defesa da concorrência – SBDC. A partir da entrada em vigor da nova legislação, no final de maio deste ano, a aprovação prévia pelo SBDC será condição para a consumação das operações. Dessa forma, o prazo estabelecido na regulamentação proposta pela ANEEL para a consumação da operação deverá ser compatível com a nova sistemática no âmbito do SBDC.

Muito boa, portanto, a iniciativa da Agência de regulamentar o procedimento de anuência prévia para mudança de controle dos agentes do setor elétrico. Além de melhor detalhar o procedimento em si, a nova regulamentação deverá trazer maior segurança jurídica às operações empresariais no setor.

Espera-se que a nova regulamentação dispense da anuência prévia as operações em que não ocorre efetiva mudança de controle, ou em que a natureza da atividade exercida pelo agente não seja considerada serviço público. Estamos certos de que isso poderá ser feito sem prejuízo ao controle a posteriori de atos com vistas a preservar o interesse público nas atividades econômicas reguladas.

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* Marcello Portes da Silveira Lobo e Anna Carolina Paschoal Soares Bermudes são advogados da área Empresarial do escritório Pinheiro Neto Advogados

** Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2012. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS

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