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Uma República provincial

Citando o livro de Francisco de Paula Sena Rebouças, desembargador aposentado do TJ-SP, o ex-promotor de Justiça, critica o descompasso do Brasil na harmonia entre o sucesso econômico e a política. "Não conseguimos superar nosso obscurantismo político e cultural que nos isola no mais atrasado dos provincianismos, e imprime ao élan modernizante da nossa República, desde que foi proclamada, a feição caricata de uma ´República provincial´, inimiga da abertura do espírito e do cosmopolitismo enriquecedor", afirma.

27/1/2012

Gilberto de Mello Kujawski

Uma República provincial

Francisco de Paula Sena Rebouças, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, surpreende todos os que se preocupam com o destino do Brasil com a publicação de um livro de superior estatura, um estudo nutrido, de pulso, sobre nossa formação social, política e cultural – "Uma República Provincial" (Minha Editora, 2011, 390 páginas).

Não se trata de nenhum trabalho de feitio acadêmico, frio e impessoal, masde obra inflamada de ponta a ponta pela preocupação ao mesmo tempo arrebatada e responsável pelo nosso ser e vir a ser coletivo. Revelando sua capa-cidade enciclopédica de leitura, repassa bibliografia de extensão desmedida, rica, variada e fidedigna (com exceção de um autor sobre o qual tenho muitas dúvidas, cujo nome não vou divulgar).

A tecla preferencial do ensaísta é uma só e a mesma: se nosso sucesso econômico é incontestável e nosso futuro promissor, pesa sobre nossa formação histórica a herança de um nacionalismo jurássico a par de uma burocracia anacrônica, dominada por uma elite corporativa e autocrática que está longe de acompanhar nossa pretensão modernizante em matéria de globalização econômica.

Não conseguimos superar nosso obscurantismo político e cultural que nos isola no mais atrasado dos provincianismos, e imprime ao élan modernizante da nossa República, desde que foi proclamada, a feição caricata de uma República provincial, inimiga da abertura do espírito e do cosmopolitismo enriquecedor.

Não que o provincianismo não tenha seus encantos e não deva ser preservado em muitos aspectos, por exemplo, na culinária típica das diversas regiões brasileiras. Nossos símbolos culturais, divulgados no exterior, é a nossa forma de participar da globalização.

O cosmopolitismo não pode ser mostrado de maneira deturpada, como se não passasse de esnobismo e de simplório mimetismo. Como dizem autores citados por Rebouças, precisamos cultivar "um cosmopolitismo enraizado nacionalmente" (Ulrich Beck e Edgar Grande). O verdadeiro cosmopolitismo significa "considerar e acolher o mundo nele fazendo-se presente". Em outras palavras, consiste no intercâmbio criador de valores culturais recíprocos.

Preservar a identidade nacional, segundo Rebouças, consiste em "participar do mundo global, no campo econômico, alimentando o cosmopolitismo cultural". Valores que não se excluem, mas se completam.

O desafio é grande. A consolidação do Brasil como República cosmopolita, estruturalmente madura, enfrenta um mundo em crise, no qual está ameaçado aquele patrimônio comum da humanidade, abalando a agenda internacional, conforme acentua Celso Lafer, entre muitos outros. A volta dos nacionalismos, a guerra e a violência, a globalização das desigualdades e o desafio ecológico, "envolvendo a limitação das soberanias" são alguns prismas do "complicado teorema" que somos forçados a articular. Detendo-se no impasse ecológico, escreve Sena Rebouças: "Ainda não se registram grandes avanços nesse foco das mudanças climáticas e da proteção do planeta".

Neste ponto tomo a liberdade de observar que não será a política que vai trazer a proteção do planeta não só em relação ao dilema ecológico, como aos outros problemas de convivência entre o universal e o particular em meio aos quais nos debatemos. O mais provável é o contrário: será a própria pressão e a urgência da salvação do planeta e da humanidade que forçará a mudança da mentalidade e consequentemente da política de sobrevivência universal, com a indispensável limitação das soberanias nacionais. Esta foi caracterizada por Julián Marías como "soberania compartilhada" entre as nações, que seguiriam seu curso dentro do quadro maior da globalização do poder.

De forma sintética e elegante, Francisco de Paula Sena Rebouças, propõe a superação das balizas provinciais e nossa inserção na globalização do século XXI, a exemplo da Europa comunitária (sólida, apesar da crise do euro), como abertura do caminho "de cultivar a província respirando o universo". Palavras que não poderiam ser mais adequadas, agudas e maduras sob todos os pontos de vista. Pois disso se trata. Cultivemos a província, que integra nossa mais profunda identidade, mas "respirando o universo".

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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista

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