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A polêmica constituição da EIRELI por pessoa jurídica

Sobre a polêmica questão da possibilidade ou não de pessoa jurídica constituir EIRELI, o advogado aponta que a mudança repentina nas diretrizes do Manual de Atos de Registro, proibindo a titularidade de pessoas jurídicas, "no mínimo, demonstra a ambiguidade da norma". O causídico aponta as imprecisões e elenca motivos que julga serem suficientes a favor da constituição de EIRELI por pessoa jurídica.

25/1/2012

Henrique Rivas

A polêmica constituição da EIRELI por pessoa jurídica

Dando sequência ao artigo anterior em que foram abordados dois pontos que vinham sendo discutidos em relação à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), trataremos a seguir de aspecto já comentado, que teve, em princípio, parcial definição: a possibilidade ou não de pessoa jurídica constituir EIRELI.

Para tanto, não se pode deixar de comentar a recente entrada em vigor da lei 12.441/11, que criou a EIRELI, no dia 9 deste mês de janeiro de 2012. Durante seu período de vacância, foi preparada, pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC) – órgão que estabelece as diretrizes a serem seguidas pelas Juntas Comerciais dos Estados –, Instrução Normativa regulamentadora dessa figura jurídica. Tal Instrução, de nº 117/11, aprovou o "Manual de Atos de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada".

Essa tão aguardada Instrução, publicada no dia 30/11/2011, dava fim às discussões acerca do ponto polêmico e finalmente apresentava o entendimento do DNRC sobre a possibilidade de constituição ou não de EIRELI por pessoa jurídica. E o entendimento, veiculado há menos de dois meses da entrada em vigor da lei, admitia a constituição, tanto por pessoa jurídica nacional como por estrangeira.

Porém, em 22/12/2011, a Instrução foi "republicada por ter saído, no DOU 229, de 30/11/2011, Seção I, págs. 148/260, com incorreção no original do seu anexo" (mensagem do próprio DNRC, grifo nosso), tendo o Manual, desta vez, expressamente proibido as pessoas jurídicas de constituírem EIRELI. Ou seja, em menos de um mês, e faltando apenas dezoito dias para a lei entrar em vigor, o DNRC mudou completamente de opinião, o que, no mínimo, demonstra a ambiguidade da norma.

De qualquer forma, com a republicação do Manual, ficou definido, pelo menos para o DNRC, que pessoas jurídicas (nacionais ou estrangeiras) não podem ser titulares de EIRELI.

Aparentemente, entendeu o órgão, após ter publicado o primeiro Manual, que, na verdade, a intenção do legislador era a de permitir apenas às pessoas físicas a constituição dessa nova modalidade de pessoa jurídica.

Lembramos, como comentado no artigo anterior, que o primeiro texto do projeto de lei 4.605/09, que deu origem à mencionada lei 12.441/11, realmente afirmava que a Empresa Individual seria constituída por uma única pessoa física ("pessoa natural"). Porém, não havia, na "Justificativa" do projeto de lei, nenhuma explicação sobre o porquê dessa restrição.

Entretanto, posteriormente, o projeto foi alterado, eliminando-se a palavra "natural". A nosso ver, com o fim de que as pessoas jurídicas também pudessem constituí-la. Explica-se. A primeira redação do projeto de lei 4.605/09 dispunha:

"Art. 985-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por um único sócio, pessoa natural, que é o titular da totalidade do capital social e que somente poderá figurar numa única empresa dessa modalidade."

Quando tramitava na Comissão de Constituição e Justiça, a redação do artigo (transformado em 980-A) já trazia:

"Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

(...)

§ 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar numa única empresa dessa modalidade."

Ora, como se vê, a primeira redação foi desmembrada, propositalmente, para dispor que a EIRELI será constituída por uma única pessoa (abandonou-se o "natural"), e que a pessoa natural só poderá constituir uma única EIRELI.

Tivesse a intenção sido a de manter a pessoa física como a única apta a constituir EIRELI, a redação não teria sido desmembrada, e mais, o caput faria distinção sobre o tipo de pessoa que pode constituí-la (física ou jurídica) e o §2º não se limitaria apenas às pessoas físicas.

Se, como afirma o brocardo, "a lei não contém palavras inúteis" - e entender que o caput do art. 980-A só se aplica às pessoas naturais, apesar de não especificar, torna inútil a palavra "natural" constante do §2º - é forçoso entender que as pessoas jurídicas também podem constituir EIRELI.

Entendemos, portanto, que a intenção tenha sido a de fazer justamente o que transparece pela modificação do artigo: possibilitar a qualquer pessoa constituir a EIRELI e, no caso específico da pessoa física, limitá-la a constituir apenas uma.

E por que o legislador entendeu que essa limitação imposta às pessoas físicas não deveria se aplicar às pessoas jurídicas e, por isso, adicionou a palavra "natural" ao §2º do art. 980-A? Porque, como sabemos, já há previsão legal permitindo que uma pessoa jurídica possa constituir ilimitado número de outras pessoas jurídicas sendo a única sócia/titular destas. Trata-se da subsidiária integral, figura prevista em nosso ordenamento desde 1976, no art. 251 da Lei das S.A., que possibilita que uma única sociedade constitua outra(s) sociedade(s) - chamada(s) de subsidiária integral - sendo a única sócia/titular.

Dito isso, elencamos os motivos que nos parecem ser suficientes à constituição de EIRELI por pessoa jurídica. São eles:

(i) a lei não proíbe a constituição por pessoa jurídica;

(ii) é permitida a constituição de EIRELI por qualquer pessoa, natural ou jurídica, já que não há especificação no caput do art. 980-A e que o §2º traz regra limitadora apenas às pessoas físicas, que, como visto, não seria aplicável às jurídicas, demonstrando a intenção abrangente da norma;

(iii) as regras da sociedade limitada se aplicam subsidiariamente às EIRELI – o que, por não haver disposição contrária na lei 12.441/11, naturalmente permite que elas sejam constituídas, assim como as limitadas, por pessoas jurídicas;

(iv) a edição da lei se baseou também na experiência de outros países que já adotaram essa figura com êxito (tais como França, Portugal e Espanha, que admitem a constituição por pessoa jurídica); e

(v) o direito brasileiro já permite a criação de uma pessoa jurídica tendo como único sócio/titular outra pessoa jurídica, caso da subsidiária integral, que muito se assemelha a uma EIRELI constituída por pessoa jurídica (sociedade brasileira) – a diferença é que a subsidiária integral deve ser sociedade anônima.

Contrariamente a esse entendimento, o DNRC, com a republicação do Manual, proibiu, no âmbito do Registro Mercantil, a constituição de EIRELI por pessoas jurídicas. A questão, porém, parece estar longe de ser pacificada, já que há notícia de que várias empresas cogitam contestar a decisão do órgão em juízo. Em assim ocorrendo, fazemos votos de que, com base nos argumentos apresentados, e em outros que poderão ser aduzidos, defina-se a questão, possibilitando a constituição de EIRELI também por pessoas jurídicas!

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* Henrique Rivas é advogado da área empresarial do escritório Martorelli Advogados

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