Eudes Quintino de Oliveira Júnior
Estupro no Big Brother Brasil 12 ?
O decreto-lei 2.848, de 7 de setembro de 1940, que instituiu o Código Penal, sofreu profundas alterações introduzidas recentemente pela lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, principalmente nos crimes contra a dignidade sexual. Novas figuras típicas foram inseridas na formatação penal, dentre elas a junção dos delitos de estupro e atentado violento ao pudor. Pela nova lei incriminadora o núcleo do tipo vem revelado pelo verbo constranger, como era anteriormente, porém, "alguém" e não mais a mulher. Ficou definido da seguinte forma: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso". O "alguém" passa a ser o homem ou a mulher.
Ao lado do estupro convencional, o legislador criou outro, denominado "estupro de vulnerável". Consiste na prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos ou contra pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
A inovação penal avançou e atingiu a legitimidade para intentar a ação. No regime anterior, o crime de estupro via, de regra, era perquirido mediante ação penal exclusivamente privada. Deslocava-se para a pública condicionada à representação se a vítima ou seus pais não puderem prover as despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família. Finalmente, seria intentada mediante ação penal pública incondicionada, com legitimidade exclusiva do Ministério Público, se o crime fosse cometido com abuso do poder familiar, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador.
Na lei atual, a regra é ação penal pública condicionada à representação. Quer dizer, somente a vítima ou seu representante legal terão legitimidade para apresentar a condição de procedibilidade para se iniciar a ação penal. A representação, no entanto, como sendo uma conditio sine qua non para o exercício do direito de ação poderá ser retratada até antes do oferecimento da denúncia pelo órgão ministerial. O prazo para o oferecimento da representação é de seis meses, a contar da data em que se tomou conhecimento da autoria do ilícito. Se escoar in albis o semestre, ocorrerá a decadência do direito de representação, que é causa de extinção de punibilidade do estuprador. Apresentada e recebida a denúncia, que é a peça inicial da persecutio criminis in juditio pelo Parquet, aplica-se a regra da pública incondicionada.'
E qual o conceito de vulnerabilidade para o Código Penal?
A palavra vulnerabilidade vai ganhando espaço nas ordenações brasileiras. A lente do legislador voltou seu foco para a perspectiva do fraco, aquele que, por razões das mais diferenciadas matizes, não reúne condições iguais à do cidadão comum, tendo como fonte de referência a figura do homo medius. As relações entre os homens envolvem juízos de valor, exigindo uma exata postura garantidora de direitos iguais para aqueles que necessitam uma proteção diferenciada. Sem essa garantia, não há que se falar em preservação da igualdade. O equilíbrio só é possível em razão da compensação provocada. Por isso que alcançou a mulher no âmbito doméstico, o usuário de drogas e agora aquele que for vítima de conjunção carnal ou outro ato libidinoso, desde que seja menor de 14 (catorze) anos ou, nas exatas palavras do Código Penal, "alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência" (§ 1º do art. 217-A).
Com a sabedoria costumeira, Reale ensina:
"Não vivemos no mundo de maneira indiferente, sem rumos ou sem fins. Ao contrário, a vida humana é sempre uma procura de valores. Viver é indiscutivelmente optar diariamente, permanentemente, entre dois ou mais valores. A existência é uma constante tomada de posição segundo valores. Se suprimirmos a ideia de valor perderemos a substância da própria existência humana. Viver é, por conseguinte, uma realização de fins. O mais humilde dos homens tem objetivos a atingir, e os realiza, muitas vezes, sem ter plena consciência de que há algo condicionando os seus atos" 1.
Vulnerável, termo de origem latina, vulnerabilis, em sua origem vem a significar a lesão, corte ou ferida exposta, sem cicatrização, feridas sangrentas com sérios riscos de infecção 2. Houaiss 3, por sua vez, assim define: "que pode ser fisicamente ferido; sujeito a ser atacado, derrotado, prejudicado ou ofendido". Demonstra sempre a incapacidade ou a fragilidade de alguém, motivada por circunstâncias especiais. A mitologia grega relata que Tétis, mãe de Aquiles, untou o corpo do filho com ambrosia e manteve-o sobre o fogo. Após, mergulhou-o no rio Estige com a intenção de fazê-lo invulnerável. Segurou-o, porém, por um calcanhar que não foi tocado pela água, e, dessa forma, ficou desprotegido. Foi morto por Páris, que o atingiu com uma flechada no calcanhar vulnerável.
É verdadeira a premissa de que toda pessoa humana é vulnerável, daí a existência da própria lei para realizar a tutela necessária. A proteção legal passa a ser a lente pela qual possa ser visualizado aquele que se apresenta como o mais frágil, necessitando de cuidados especiais. Pode-se dizer genericamente que todo indivíduo tem sua vulnerabilidade intrínseca, originária, criada pela sua própria insegurança ou pelos conflitos sociais geradores de tantos problemas que afetam a mente, em razão da evolução natural das pessoas. Além dessa, outras pessoas são afetadas por vulnerabilidades circunstanciais, abrangendo pobreza, doenças crônicas e endêmicas, falta de acesso à educação, alijamento dos mais comezinhos direitos de cidadania, embriaguez e outras situações que as tornam susceptíveis a sofrer danos. As diversas causas de estresses, de fobias, de depressões são enfermidades produzidas pela sociedade moderna e, na medida em que vão sendo contidas pelos homens, outras assumem as posturas de novas agressões comportamentais.
A causa ora discutida abriga-se no § 1º do art. 217-A do Código Penal, que é abrangente e indeterminada, fazendo com que o legislador se valesse da expressão "qualquer outra causa". A indeterminação é proposital. Exclui-se do rol do menor de 14 anos, do enfermo ou do deficiente mental e qualquer que seja a causa que impeça a vítima de oferecer resistência irá transformá-la em vulnerável. Com a aplicação da hermenêutica observa-se que, enquanto nas hipóteses anteriores o legislador especializou, agora com uma abertura ilimitada, generalizou. Ubi lex non distinguet, nemo distinguere potest (quando o legislador não distinguiu, não é lícito ao intérprete distinguir). A conjunção alternativa "ou", por minúscula que seja, amplia o alcance do texto legal e aceita qualquer outra causa, desde que, é claro, com a comprovação probatória. Como observa Maximiliano, "se a letra não é contraditada por nenhum elemento exterior, não há motivo para hesitação: deve ser observada" 4. Mirabete, por sua vez, citando Hungria, aponta as seguintes causas: enfermidade, paralisia dos membros, idade avançada, excepcional esgotamento, certos defeitos teratológicos, síncopes, desmaios, estado de embriaguez alcoólica, delírios, estado de ebriedade ou inconsciência decorrente de ingestão ou ministração de entorpecentes, soporíferos ou anestésicos, hipnose etc". 5
Assim, se evidenciada a prova de ebriedade, trata-se de notório e demonstrado caso de estupro de vulnerável, que exige a atuação imediata e de ofício da autoridade policial para a realização das diligências necessárias no delito de ação penal pública incondicionada.
Do contrário, sem referida causa, fica-se aguardando a manifestação da vítima pela representação, se assim julgar conveniente. E, se não apresentada, nada poderá ser feito para a elucidação do caso.
De qualquer forma, testemunhas não irão faltar. E a audiência do programa será incrementada pelos comentários posteriores que irão aquecer ainda mais debaixo dos edredons.
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1 REALE, MIGUEL. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 2005, p.26.
2 De acordo com o Dicionário Morfológico da Língua Portuguesa, organizado pelos Professores Evaldo Hecker, Sebald Back e Egon Massing. Editora Unisinos, 1984.
3 HOUAISS, ANTONIO. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetivo Ltda, 2001, verbete vulnerável.
4 MAXIMILIANO, CARLOS. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 91.
5 MIRABETE, JÚLIO FABRINI; RENATO N. FABRINI. Direito penal. São Paulo: Atlas, 2009, p. 415.
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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado e reitor da Unorp
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