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Avanços, recuos e esperanças: a lei 12.551/2011

Segundo o juiz do Trabalho da Bahia, a ampliação da proteção trabalhista no art.6° da CLT é um avanço, no entanto, o caminho escolhido pelo legislador foi um recuo, já que os conceitos utilizados induzem uma definição restrita e insuficiente das relações de trabalho contemporâneas. "Talvez fosse mais eficaz uma mudança de mentalidade e de olhares do que uma nova lei", afirma.

6/1/2012

Murilo C. S. Oliveira

Avanços, recuos e esperanças: a lei 12.551/2011

Quase ao apagar das luzes de 2011, precisamente em 15 de dezembro, é sancionada a lei 12.551 que, conforme seu epíteto, objetiva equiparar os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados à exercida por meios pessoais e diretos. Para tanto, acrescenta o parágrafo único ao artigo sexto da CLT, adotando o seguinte texto: "Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio".

A finalidade da inovação legislativa é indiscutivelmente afastar as dúvidas acerca da existência de relação de emprego nos "meios telemáticos e informatizados" de prestação de serviço, isto é, pretende possibilitar ao teletrabalhador o status (e os direitos decorrentes) de empregado. Daí, percebe-se o avanço da nova lei, no sentido de incluir novos trabalhadores no conceito legal de empregado, conferindo-lhes civilidade, dignidade e proteção, como ocorre com os demais empregados. O avanço reside, então, na perspectiva de ampliar a proteção trabalhista.

No entanto, os recuos logo se manifestam no caminho escolhido pelo legislador. Para o teletrabalhador, a chave de acesso para a proteção trabalhista expressada na lei foi a "subordinação jurídica", o que já significa um grande retrocesso, quando se verifica que a ideia de subordinação é apenas uma das muitas possibilidades do conceito legal que apenas remete a "sob dependência" (art. 3º CLT). Apesar da hegemonia doutrinária, infere-se que a subordinação jurídica vem passando por uma grande crise de identificação (ou até mesmo de conteúdo) nos últimos anos1. Aliás, o teletrabalho – além de outras situações como a parassubordinação – é justamente um dos principais responsáveis por esta crise, o que torna estranho transfigurar o outrora problema em solução.

Adiante, percebe-se um novo recuo ao considerar que a subordinação jurídica "desbotada" somente se caracteriza pelos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão. Ou seja, a lei induz, incorretamente, que antes da sua vigência a ideia de subordinação jurídica era apenas "controle pessoal hierárquico", o que sequer coaduna com o próprio caput do mesmo artigo sexto. Isto porque a CLT, neste artigo, sempre admitiu a relação de emprego no trabalho a domicílio, quando dificilmente se identifica controle pessoal direto, pois o "capataz" do empregador não permanecerá na residência do trabalhador. Assim, a inovação, tentando ampliar a própria ideia de subordinação, termina por induzir uma definição bastante restrita (controle pessoal e hierárquico) quando a doutrina já vem apresentando conceitos mais amplos de subordinação pautados na "integração do trabalho" sem um forte controle e comando, a exemplo da subordinação objetiva, integrativa, potencial, estrutural e estrutural-reticular2.

Nesta dialética de avanços e recuos, fomenta-se a esperança de que ampliação do conceito de empregado – atualmente limitado ao conceito manualístico e positivista de subordinação hierárquica e pessoal – é urgente diante das relações de trabalho contemporâneas. Nisto, é preciso avançar com a lei 12.551/2011. Todavia, o caminho escolhido – uma "subordinação jurídica" telemática – apresenta-se como uma aposta numa teoria que cada vez mais se mostra limitada e insuficiente, conforme a visão subjetivista hegemônica.

Por isso, revela-se menos importante enfatizar o "controle" e a "supervisão" para destacar o trecho final da lei que menciona "trabalho alheio", também compreendido como 'trabalho dependente". Quiçá não fosse a dependência econômica um caminho muito mais fácil e efetivo para, no lugar da subordinação jurídica, conduzir à ampliação do conceito de empregado, até porque a ideia da dependência sempre esteve na CLT (art. 3º), mas quase nunca é vista3. Talvez fosse mais eficaz uma mudança de mentalidade e de olhares do que uma nova lei...

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1 O debate da crise da subordinação jurídica pode ser visto em: OLIVEIRA, Murilo. Subordinação Jurídica: um conceito desbotado (https://www.eft.org.ar/pdf/eft2007n28pp37-64.pdf); ou em PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009.

2 MENDES, Marcus Barberino; CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende. Subordinação estrutural-reticular: uma perspectiva sobre a segurança jurídica. Disponível em < https://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_76/Marcus_Jose.pdf> Acesso em 01 dez. 2008.

3 Tenta-se resumidamente apresentar uma releitura da dependência no texto: OLIVEIRA, Murilo. A ressignificação da dependência econômica. Revista dos Tribunais. São Paulo, Rev. Dos Tribunais, v. 100, n. 914, Dez/2011, p. 321-350.

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* Murilo C. S. Oliveira é juiz do Trabalho na Bahia, professor Adjunto da UFBA e membro do IBDT - Instituto Baiano de Direito do Trabalho

 

 

 

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