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O direito à vida e à saúde previstos na Constituição Federal

Diante de situações em que juízes de primeira instância têm condicionado o dever do Estado de garantir o direito à vida e à saúde de acordo com a questão financeira do cidadão, o advogado reitera o que prevê a Constituição.

20/12/2011

William Carmona Maya

O direito à vida e à saúde previstos na Constituição Federal

Infelizmente, os direitos à vida e à saúde, os quais estão garantidos pela Constituição Federal Brasileira (clique aqui) em seus artigos 6º e 196 estão sendo interpretados de forma subjetiva por alguns magistrados desta Capital.

Consoante recente estudo sobre o tema, nos deparamos com o infeliz tratamento que alguns Juízes de primeira instância estão tratando o maior bem do cidadão. Ao julgar demandas onde se discute o direito à saúde, à vida e ao dever do Estado em zelar por tal bem - a vida - os magistrados estão condicionando o dever do Estado à questão econômica e financeira do cidadão.

Essa realidade nos deixa perplexo com o tratamento destinado à saúde e a vida. Isso porque, a Constituição Federal em seu artigo 196 define com exatidão o direito à saúde como (1) "direito de todos" e (2) "dever do Estado" (3) "garantido mediante políticas sociais e econômicas" (4) "que visem à redução do risco de doença e de outros agravos" (5) "regido pelo princípio do acesso universal e igualitário" (6) "às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

Como se vê no dispositivo constitucional, não há e não deve existir nenhuma distinção entre os cidadãos Brasileiros no que tange o direito à saúde e o dever do Estado em fornecer medicamentos, por exemplo, independente da condição social do indivíduo.

Esse inclusive é o entendimento uníssono dos julgados sobre o tema, já tendo sido, inclusive, decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

"Como se vê, os serviços de saúde são de relevância pública e de responsabilidade do Poder Público, integrado em uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços federais, estaduais e municipais, o chamado Sistema Único de Saúde, que tem no pólo ativo qualquer pessoa e por objeto o ATENDIMENTO INTEGRAL. De tal sorte, o Poder Público - federal, estadual ou municipal - é responsável pelas ações e serviços de saúde, não podendo, cada um e todos, esquivar-se do dever de prestá-los de forma integral e incondicional. A compensação que ocorrerá internamente entre os entes é questão que somente a eles diz respeito, não podendo atingir a pessoa que necessita do serviço de saúde, devendo o ente, acionado judicialmente prestar o serviço e após, resolver essa inter-regulação. O acesso às ações e serviços de saúde é universal e igualitário (CF - art. 196), do que deriva a responsabilidade solidária e linear dos entes federativos, como já assentou o Supremo Tribunal Federal."

(STF, RE 195.192/RS, Rel. Min. Marco Aurélio)

Os demais Tribunais pátrios acenam no mesmo sentido:

"Duplo grau. Apelação cível em mandado de segurança. Secretário municipal de saúde. Substituição processual. Legitimidade. Prova pré-constituída. Hipossuficiência. Comprovação. Desnecessidade. Carência de ação. Ministério público. Requisição. Fornecimento de medicamento. Reserva do possível. Direito à saúde. Dever do município. Omissão do poder público. É pacífico o entendimento de que o Ministério Público possui legitimidade ad causam para atuar como substituto processual na defesa dos interesses individuais indisponíveis, ex vi do art. 129, inc. II, da CF, da lei 8.625/93 (clique aqui) e da Lei Complementar Estadual nº 25/98. Para receber atendimento médico do Poder Público é desnecessário a comprovação de que a substituída é carente de recursos financeiros, eis que o direito à vida se sobrepõe a qualquer outro. É dever do Poder Público disponibilizar a compra de remédios que auxiliem no tratamento da paciente, pois é um direito fundamental do ser humano ter acesso à assistência médica. A omissão deste viola direito líquido e certo do necessitado. A expedição de ofícios ao Município não extrapola as funções do Ministério Público ao requisitar medicamento de que necessite a substituída. O ente público municipal não pode valer-se da reserva do possível para se eximir de um dever constitucional que lhe compete, visto que a saúde é um direito de todos e dever do Estado. É conjunta e solidária a responsabilidade da União, Estados e Municípios e Distrito Federal de propiciarem a todos os cidadãos o direito e acesso à saúde. Remessa e apelação conhecidas, mas improvidas."

(Duplo Grau de Jurisdição nº 14860-0/195, 1ª CÂMARA CÍVEL DO TJGO, Rel. João Ubaldo Ferreira. unânime, DJ 09.08.2007)

"Agravo de instrumento. Saúde pública. Fornecimento de medicamentos. Alegação de condição financeira. Descabimento no caso concreto. Direito de todos e dever do Estado. - ART. 196, CF.

No artigo 196, a Constituição reza que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Esta norma não há de ser vislumbrada como apenas mais uma regra jurídica inócua e sem efetividade. A saúde é direito de todos, direito inalienável e subjetivo, sendo que, em paralelo, é dever do Estado; se este não age no amparo da diretriz traçada pela regra, o direito à saúde do cidadão não será, por isto, afetado."

(TJRS, 21ª Câmara Cível, agravo de instrumento nº 70029563004, Rel. Des. Francisco José Moesch, DJ 18/02/2010)

"Constitucional. Fornecimento de medicamentos essenciais. Moléstias graves. Hipossuficiência financeira da parte. Dever do estado. Direito fundamental à vida e à saúde (CF, ARTS. 6º E 189). Precedentes do STJ e STF. CF 6º e 189º. Não merece reparo a decisão de primeiro grau de jurisdição que defere antecipação de tutela em ação ordinária, com vistas a compelir o Estado ao fornecimento de medicação essencial ao cidadão, eis que àquele incumbe assegurar a este o direito fundamental à saúde. Qualquer disposição que configure óbice à proteção à vida e à saúde deve, necessariamente, sucumbir ante à prevalência destes valores na ordem jurídica democrática.2. Precedentes do STJ e do STF.3. Recurso conhecido, mas não provido."

(TJES 12079000043 ES, Rel. Arnaldo Santos Souza, DJ 24/06/2008, 1ª Câmara Cível, Pub. 07/08/2008)

Com efeito, a Constituição da República consagra ser a Saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou por meio de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Ou seja, a saúde é direito de todos e dever do Estado.

Esta norma não há de ser vislumbrada como apenas mais uma regra jurídica inócua e sem efetividade. A saúde é direito de todos, direito inalienável e subjetivo, sendo que, em paralelo, é dever do Estado; se este não age no amparo da diretriz traçada pela regra, o direito à saúde do cidadão não será, por isto, afetado.

NOUTRAS PALAVRAS, É PRECISO QUE SE AJA VISANDO A EVITAR QUE OS PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA VIREM LETRA MORTA.

Ao contrário do triste posicionamento de alguns magistrados e parte mínima da doutrina, o Tribunal de Justiça de São Paulo em alguns julgados, de forma brilhante demonstra não caber ao Juízo a quo o poder de administrar e sim de aplicar a lei e a Constituição Federal:

"Prestação de serviço público. Fornecimento de medicamento. Tratamento de depressão severa. Direito integral à saúde dos cidadãos garantido constitucionalmente. Desnecessidade de comprovação da hipossuficiência Responsabilidade solidária dos entes federativos, que têm legitimidade para figurar no pólo passivo das demandas objetivando acesso à medicação. Juiz que não está atuando como administrador ao reconhecer o direito da autora e a obrigação do Município, pois está cumprindo sua obrigação ao fazer valer a lei e a Constituição, no exercício da jurisdição. Recurso desprovido."

(TJSP, Apelação cível 561.464.5/7-00, 8ª Câmara de Direito Público, Rel. Carvalho Viana, 10/12/2008)

"Obrigação de fazer. Fornecimento de medicamento. Tratamento de diabetes. Preliminares de ilegitimidade passiva e de cerceamento de defesa, afastadas. Solidariedade dos entes federativos. Direito universal e igualitário. Receita médica que comprova a patologia que exige tratamento. Desnecessidade de a autora se submeter a tratamento na rede pública. Direito integral à saúde dos cidadãos garantido constitucionalmente. Tratamento médico que deve ser individualizado, segundo as necessidades da paciente, não se podendo negar medicamento sob o argumento de não pertencer à lista padronizada. Juiz que não está atuando como administrador ao reconhecer o direito da autora e a obrigação do Estado, pois está cumprindo sua obrigação ao fazer valer a lei e a Constituição, no exercício da jurisdição. Multa diária. Cabimento. Prequestionamento. Desnecessidade de menção expressa de dispositivo legal para caracterizá-lo. Suficiência do enfrentamento da questão de direito debatida. Recursos desprovidos."

(TJSP, Apelação cível n.º 990.10.167370-3, 8ª Câmara de Direito Público, Rel. Carvalho Viana, 03/08/2011)

Não há como interpretar o maior direito do cidadão --- A VIDA --- de maneira subjetiva, ou pior, condicionar o direito à saúde e o dever do Estado ao estado econômico de cada um.

Ora, se a própria Constituição Federal trata todos de uma forma universal, igualitária e impõe o dever intrasferível do Estado em zelar pela saúde da população por qual razão deveria existir diferença de tratamento?

Ao interpretar o direito constitucional à saúde de uma maneira econômica, o Estado deveria zelar apenas pela saúde das classes "C" e "D"?

Obviamente que não! Ao contrário, inclusive, desse triste cenário, o Tribunal de Justiça de São Paulo de forma brilhante demonstra não pelo descabimento de aplicar a lei de acordo com a condição financeira de cada um:

"Prestação de serviço público e obrigação de fazer - Determinação ao Estado para que forneça medicamentos específicos à autora - Sentença procedente - Indisponibilidade do direito à saúde - Norma constitucional que impõe ao Estado a assistência à saúde dos cidadãos, independente da burocracia estatal e condição financeira - Prova de que é portadora de moléstia grave (hepatite C) - Recursos desprovidos."

(TJSP, CR 3852315100 SP, 2ª Câmara de Direito Público, Rel. Samuel Junior, DJE 17/04/2008)

"AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA - SAÚDE PÚBLICA - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO - NÃO APRECIAÇÃO EM 1º GRAU DO PEDIDO RELATIVO À CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS, BEM COMO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE, BASTANDO A INCAPACIDADE PARA ARCAR COM OS CUSTOS DO PROCESSO, SEM PREJUÍZO DO SEU PRÓPRIO SUSTENTO E DA SUA FAMÍLIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA - SAÚDE PÚBLICA - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO - NECESSITADO QUE NÃO DISPÕE DE MEIOS PARA AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTO ESSENCIAL AO TRATAMENTO DE DOENÇA GRAVE, EM RAZÃO DO ELEVADO CUSTO – DEVER INTRANSFERÍVEL DO ESTADO EM FORNECER-LHE, GRATUITAMENTE, REMÉDIO, DE FORMA REGULAR E CONSTANTE, DURANTE TODO O PERÍODO DE TRATAMENTO - EXEGESE DO ARTIGO 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E DOS ARTIGOS 219, 220 E 223 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. RECURSO AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO. DECISÃO REFORMADA."

(TJSP, Agravo de instrumento n.º 994.09.235271-2, 1ª Câmara de Direito Público, Rel. Regina Capistrano, 24/08/2010)

"Medicação. Fornecimento gratuito pelo poder público. 1. Adriano de Cupis, no merecidamente clássico/Diritti delia Personalità, lecionou que a tutela complementar da vida, da integridade física e da saúde reclama a garantia dos meios econômicos e financeiros idôneos a prover os cuidados necessários à preservação ou reintegração desses bens da personalidade, e observou que o Estado se obriga a assegurar o fornecimento desses meios para tornar possível a gratuidade da cura dos necessitados.

2. "O art. 196 da Constituição Federal estabelece como dever do Estado a prestação de assistência à saúde e garante o acesso universal e igualitário do cidadão aos serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação. O direito à saúde, como está assegurado na Carta, não deve sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas, no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele" (STF, RE 226.835, 1ª T.,Min. Gilmar Galvão) 3. O só fato de faltar, na Anvisa, o registro de um determinado medicamento não é causa de interdição absoluta de seu uso no Brasil, porque admite a normativa o "uso experimental" "de produto novo, promissor, ainda sem registro" na agência reguladora (RDC 26/1999). Precedente cônsono do STF. Agravo interno não-provido."

(TJSP, AGRG 990.10.031301-0/50000, Rel.: Ricardo Dip, 11ª Câmara de Direito Público, DJ: 31/05/2010)

Esse pequeno texto procura abrir os olhos dos magistrados que de forma equivocada julgam o direito à vida e à saúde de uma maneira subjetiva, singela e sem nenhuma importância.

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* William Carmona Maya é sócio do escritório Carmona Maya, Martins e Medeiros Advogados

 

 

 

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