"Invasões" de escritório de advocacia
Mandado de Busca e Apreensão: requisitos e ausência de generalidade
“As idéias da classe dominante são, em qualquer época, as idéias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante na sociedade é, ao mesmo tempo, sua força intelectual dominante. A classe que dispõe dos meios de produção material tem controle sobre os meios da produção intelectual1.”
Rodrigo Carneiro Gomes*
I – CONTEXTUALIZANDO A POLÍCIA FEDERAL
Nesse aparente estado de caos urbano, surgem credenciados institutos de pesquisa com seus dados, que informam estar o Brasil entre os países com pior distribuição de renda no mundo, superado apenas por Serra Leoa. De acordo com a pesquisa do IPEA, 1% dos brasileiros mais ricos, ou seja, 1 milhão e 700 mil pessoas, detém uma renda equivalente a da parcela formada pelos 50% mais pobres (86 milhões e 500 mil pessoas).
Neste ano, a Controladoria-Geral da União - CGU divulgou um estudo em que se constata que dos R$ 35 bilhões (trinta e cinco bilhões de reais) repassados por ano aos 5.560 municípios, pelo menos 20% não chegam ao destino.
Ainda no ano de 2005, seria de R$ 400 milhões (quatrocentos milhões de reais) o investimento em segurança pública, mas tais recursos foram reduzidos para R$ 169 milhões (cento e sessenta e nove milhões de reais), após o contingenciamento anunciado pelo Governo, no mês de abril de 2005, insuficiência de verbas já constatada por auditores do TCU.
II – TIPO PENAL DA “INVASÃO” E SEMÂNTICA DO VOCABULÁRIO
O que é “Invasão”?
Para o art. 202 do Código Penal, há a figura típica da “Invasão de estabelecimento comercial”:
“Art. 202 - Invadir ou ocupar estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho, ou com o mesmo fim danificar o estabelecimento ou as coisas nele existentes ou delas dispor:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.”
E para o dicionário eletrônico HOUASSIS:
- substantivo feminino
ato ou efeito de invadir
1. ato de penetrar (em local, espaço etc.), ocupando-o pela força
1.1. migração acompanhada de violência e devastações
2. ato de alastrar-se e difundir-se maciça e rapidamente
3. difusão de largo alcance, propagação de alguma coisa de cunho abstrato
4. desrespeito, desconsideração, esp. em relação à vida pessoal de outrem; usurpação
5. Regionalismo: Brasil.
terreno, área ilegalmente ocupada por moradias populares
6. dir.int.pub entrada, sem prévia autorização, de forças armadas estrangeiras em território de um Estado
7. Rubrica: direito penal.
crime que consiste na entrada, sem autorização, em estabelecimento de trabalho com o objetivo de prejudicar as atividades normais ou danificar o próprio estabelecimento.”
Ao que parece, a conduta imputada seria o adentrar em escritórios de advocacia com violação de prerrogativas e com mandados de busca e apreensão tidos como ilegais.
A realidade contada, no entanto, é muito diferente da cotidiana do trabalho policial.
A Polícia Federal, embora vinculada ao Poder Executivo, goza de ampla autonomia nas investigações policiais. Não há nenhuma incursão policial baseada em ideologia, crença ou raça.
Na Polícia Federal da Constituição Federal de 1988, não existe polícia-capacho ou polícia comprometida com interesses políticos.
A POLÍCIA FEDERAL não distingue, como dito alhures, crença, raça, religião, partido, riqueza ou pobreza. Havendo indícios de autoria e materialidade é deflagrada a ação policial pela instauração de inquérito. A partir da instauração toda a ação da Polícia Federal é controlada por membros do Poder Judiciário, do Ministério Público Federal, que detém o controle externo, e mesmo pelas ONGs, associações, sociedade civil e, com muito profissionalismo, pela imprensa escrita e falada. Das ações ainda participam, simultaneamente, diversos órgãos como a Receita Federal, o INSS, Banco Central, por exemplo.
Além de não haver “invasão”, na concepção do Código Penal, ou semântica, não se pode perder de vista que as diligências policiais são precedidas de ordem judicial, conjugada ao parecer do Ministério Público Federal, além de, em nome da transparência do serviço público policial, haver prévia comunicação à Comissão de Prerrogativas da OAB, apesar do DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL estar isento de tal obrigação por força de decisão liminar, em Ação Direta de Inconstitucionalidade, que suspendeu a eficácia do art. 7º, II, parte final da Lei nº. 8.906/94.
III – DA TEMERIDADE DE AFIRMAÇÕES GENÉRICAS E ABSTRATAS, SEM SUBSTRATO FÁTICO
A atividade pública e privada, nessa se enquadrando o exercício da advocacia, devem ser pautadas pela análise imparcial dos fatos e notícias, sem tomar nenhum partido, ao menos antes da bilateralidade da audiência.
Na forma preceituada, sempre se pautou a Polícia Federal, pois é ínsito aos princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, e eu acresço da transparência.
Essa é a posição da Polícia Federal e que esperaria, por isonomia, a igualdade no tratamento.
A perniciosidade e a potencialidade de dano à imagem de uma instituição do vulto da Polícia Federal é imensurável. O poder de convencimento de uma crítica genérica é muito próximo daquele fundada em dados concretos e palpáveis.
A nossa preocupação é que "Uma mentira dita mil vezes, torna-se uma verdade", frase que é atribuída a Joseph Paul Goebbels, ministro da Propaganda Nazista, no ano de 1933, que não a escreveu sem razão.
Em nenhum dos 110 outdoors colocados em São Paulo ou manifestos do “Movimento pela LEGALIDADE E CONTRA O ARBÍTRIO E A CORRUPÇÃO”, ou inúmeras opiniões colocadas no “site” Consultor Jurídico na “Internet”, não se viu o nome de um advogado que foi injustiçado. Ou o endereço objeto da ação arbitrária.
Apenas uma representação foi formulada perante o Ministério da Justiça e pelo que, internamente, até agora se apurou, não houve nenhuma ilegalidade no cumprimento das ordens judiciais. Eu disse apenas UMA REPRESENTAÇÃO e que, de plano, por determinação do Exmo. Ministro de Estado de Justiça originou uma Sindicância, iniciando-se a devida apuração.
As alegações genéricas e sem fundamentação partem da crença geral que o Estado de Direito vale para os pobres e não para os ricos, em sua grande parte industriais e empresários com efetivo trânsito entre as altas autoridades brasileiras, que pensam estar imunes ao paquiderme que é o nosso Estado, seja pela sua lentidão, seja pelo arcaico arcabouço jurídico recursal, judicial e administrativo-tributário.
As acusações genéricas são levianas e denigrem a imagem institucional e dos profissionais de alta qualificação e comprometimento pessoal que fazem do risco de vida diário a sua maior contribuição para um Estado mais justo e igualitário, e nunca para um Estado em busca de manutenção do poder político.
Num País como o Brasil, que, ao lado de Serra Leoa, tem a pior distribuição de renda do mundo, com um índice de corrupção semelhante ao que tinha há 7 anos atrás, grassa a impunidade e, assim, mesmo ainda querem amordaçar a Polícia Federal.
Repudia-se, assim, qualquer texto genérico sem apontamentos de erros específicos e técnicos da Polícia Federal e do nome dos profissionais prejudicados, que devem recorrer não apenas ao Ministério da Justiça, mas também ao Ministério Público e à Corregedoria-Geral da Polícia Federal.
IV – A PROBLEMÁTICA DO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO
IV.1 - REQUISITOS E BASE LEGAL
Já dizia PIERO CALAMANDREI2 que a parcialidade do advogado é a garantia da imparcialidade do Juiz.
Contudo, essa parcialidade guarda limites na Constituição Federal e na Lei nº. 8.906/94, e, especialmente, nas prerrogativas funcionais de magistrados, promotores e procuradores da república, delegados de polícia e servidores públicos em geral. Devendo-se pois coibir abusos como a temerária imputação de invasões em escritórios de advocacia, irreal e fantasiosa, em 110 outdoors pelas ruas de São Paulo/SP, por exemplo, sem sequer conferir a bilateralidade de audiência ao DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL.
O sigilo profissional dos advogados é uma manifestação do direito de defesa, e não é esse o objeto das investigações e operações policiais e nem dos mandados de busca e apreensão. A incursão no inviolável local de exercício de atos da profissão nada interessa à Polícia Federal, enquanto ligado umbilicalmente à sua atividade-fim, qual seja a defesa de interesses de terceiros, face ao Estado.
É de clareza solar que a legislação processual penal admite a busca em escritório de advocacia, especialmente, se o advogado estiver na posse do corpo de delito (artigo 243, § 2º do CPP) ou se o próprio advogado for suspeito da prática de algum ilícito. Nesse aspecto, os Tribunais Regionais Federais têm consignado, à exaustão, a legalidade do procedimento policial, que há décadas ocorre com fulcro na legislação citada:
“Art. 243.
§ 2º. Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito.”
E o art. 244 do CPP:
“Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.”
A Instrução Normativa nº. 11-01/DG-DPF-MJ da Direção-Geral do Departamento de Polícia Federal, publicada no Boletim de Serviço nº. 129, de 9-7-01, e no DOU nº. 126, Seção 1, de 2.7.2001, assegura, em compasso com o art. 245, § 7º do CPP, o acompanhamento de toda a diligência de busca e apreensão por duas testemunhas, preferencialmente não policiais, ficando uma cópia do termo de diligências (auto circunstanciado) com o proprietário, morador ou preposto, com comunicação imediata do resultado à autoridade judiciária. Veja-se:
“70. Após a realização da busca, mesmo quando resultar negativa, será lavrado auto circunstanciado, assinado por duas testemunhas presenciais.
70.1 O resultado da diligência será imediatamente comunicado à autoridade judiciária.
70.2 Cópia do auto de apreensão será fornecida ao detentor do material apreendido.”
Anteriormente vigia a Instrução Normativa nº 01/92-DPF, de 30.10.1992, que assegurava as mesmas garantias de lisura ao procedimento policial.
MIRABETE, no seu “Código de Processo Penal Interpretado”3, leciona:
“240.1 A fim de que não desapareçam as provas do crime, a autoridade policial deve apreender os instrumentos e todos os objetos que tiverem relação com o delito (art. 6º, II). O art. 240 relaciona ainda objetos e pessoas que podem ser objeto da busca e apreensão tanto pela autoridade policial como pelo juiz, quando fundadas razões a autorizarem. Embora a busca e a apreensão estejam insertas no capítulo das provas, a doutrina as considera mais como medida acautelatória, liminar, destinada a evitar o perecimento das coisas e das pessoas.
...
243.1 É de se notar que não se permite a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, em restrição advinda da necessidade de se manter o sigilo profissional e, mais ainda, do amplo direito de defesa. A proibição é restrita ao ‘documento’, não se estendendo a outras coisas, como armas, instrumentos ou produto do crime etc.” Idem, p. 539. (Negritou-se).
Contudo, mais adiante, o autor doutrina que embora não seja permitida a apreensão de documento confiado ao advogado, essa apreensão torna-se legal, permitida, aceitável, quando o documento se consubstancie em “corpo de delito”. Veja-se:
“Além disso, a apreensão do documento é permitida quando se trata de elemento de corpo de delito, como, por exemplo, falsidade documental, estelionato por meio de contrato etc. Também é permitida quando o advogado não é patrono do acusado, é co-autor do ilícito ou possui papéis não em razão de suas funções.”
E traz à colação o seguinte excerto de jurisprudência:
“Busca domiciliar e apreensão de outros objetos – TARS:
“A determinação do juiz, autorizando a busca domiciliar e a apreensão de objetos vinculados a fato criminoso, afasta a garantia constitucional da inviolabilidade, autorizando o ingresso e a busca independentemente do consentimento do morador. Mesmo que a coisa buscada seja determinada, e os executores devam limitar-se ao estritamente necessário para que a diligência se efetue, não há proibição legal de que sejam apreendidos outros objetos que constituem corpo de delito de infração penal, pois o desaparecimento de provas precisa ser evitado. O que não se pode tolerar é a apreensão desnecessária, caracterizadora do abuso (JTAERGS 95/42).” Idem, pp. 536/537. (Negritou-se).
Portanto, o que não é corpo de delito, instrumento ou produto do crime e diga respeito exclusivamente ao exercício ético da advocacia não é objeto de apreensão. São excluídos:
“- I. documentos relativos a outros clientes do advogado ou da sociedade de advogados, que não tenham relação com os fatos investigados;
- II. documentos preparados com o concurso do advogado ou da sociedade de advogados, no exercício regular de sua atividade profissional, ainda que para o investigado ou réu;
- III. contratos, inclusive na forma epistolar, celebrados entre o cliente e o advogado ou sociedade de advogados, relativos à atuação profissional destes;
- IV. objetos, dados ou documentos em poder de outros profissionais que não o(s) indicado(s) no mandado de busca e apreensão, exceto quando se referirem diretamente ao objeto da diligência;
-V. cartas, fac-símiles, correspondência eletrônica (e-mail) ou outras formas de comunicação entre advogado e cliente protegidas pelo sigilo profissional”. (Art. 4º da Portaria nº. 1288/05-MJ).
A fim de corroborar a lisura dos procedimentos do DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL, trago à colação outros dispositivos da IN nº. 11/01-DG/DPF/MJ, que regem a nossa instituição desde o ano de 2001, e que antes mesmo dessa data recebiam o mesmo tratamento:
“SEÇÃO VI
DA BUSCA DOMICILIAR
65. A busca domiciliar será feita mediante mandado judicial, precedida de investigação sobre o morador do local onde será realizada, visando colher elementos sobre sua pessoa (atividades, periculosidade e contatos), sempre que possível com a presença da autoridade policial e de testemunhas não policiais, observando-se as regras estabelecidas nos arts. 240 a 250 do CPP.
...
67. Ao representar perante a autoridade judiciária pela expedição de mandado de busca, a autoridade policial deverá fazê-lo de forma fundamentada, indicando o local onde será cumprido e, sempre que possível, o nome do morador ou sua alcunha e os fins da diligência.
68. No curso da busca domiciliar, os executores adotarão providências para resguardar os bens, valores e numerários existentes no local, preservar a dignidade e evitar constrangimentos desnecessários aos moradores.
68.1 Os executores da busca providenciarão para que o morador e as testemunhas acompanhem a diligência em todas as dependências do domicílio.
69. Ocorrendo entrada forçada em virtude da ausência dos moradores, os executores adotarão medidas para que o imóvel seja fechado e lacrado após a realização da busca, que será assistida por duas testemunhas não policiais.
70. Após a realização da busca, mesmo quando resultar negativa, será lavrado auto circunstanciado, assinado por duas testemunhas presenciais.
70.1 O resultado da diligência será imediatamente comunicado à autoridade judiciária.
70.2 Cópia do auto de apreensão será fornecida ao detentor do material apreendido.
71. A busca em repartições públicas, quando necessária, será antecedida de contato com o dirigente do órgão onde será realizada.”
O Diário Oficial da União, Seção I, nº 125, p. 50, de 1-7-2005, publicou as Portaria nº. 1.287, e 1288, ambas de 30 de junho de 2005. Destaco os principais pontos da Portaria nº. 1288, relacionado ao cumprimento de mandados de busca em escritórios de advocacia:
a. participação de advogado na prática delituosa sob investigação;
b. instrumento ou produto do crime ou que constitua elemento do corpo de delito em poder de advogado;
c. documentos ou dados imprescindíveis à elucidação do fato em apuração (art 2º, Portaria nº. 1288).
Outros pontos importantes:
Requisitos da representação de busca:
- instrução do pedido com todos os elementos que justifiquem a adoção da medida;
- indicação, com a maior precisão possível:
das razões da diligência do local, de forma fundamentada;
da finalidade da busca
dos objetos que se pretende apreender. (art. 1º da Portaria nº. 1287/MJ)
- MENCIONAR na representação se no local de busca funciona escritório de advocacia (art. 1º, Portaria nº. 1288).
Recomendação de execução da busca:
- comunicação à respectiva Secção da OAB, antes do início da busca, facultando o acompanhamento da execução da diligência (art. 1º, Portaria nº. 1288)
- leitura prévia do conteúdo do mandado para preposto encontrado no local da diligência;
- comando e responsabilidade de Delegado de Polícia Federal;
- discreta, com meios proporcionais, adequados e necessários;
- sem a presença de pessoas alheias ao cumprimento à diligência;
- preservação da rotina e o normal funcionamento do local da diligência;
- backup de suportes eletrônicos, computadores, discos rígidos, bases de dados, por perito criminal federal especializado (art. 3º da Portaria nº. 1287/MJ).
Medidas após a execução do mandado de busca:
- comunicação ao magistrado;
- objetos arrecadados ou apreendidos que não tiverem relação com o fato em apuração serão imediatamente restituídos a quem de direito, mediante termo nos autos. (art. 4º, § 2º da Portaria nº. 1287/MJ);
- faculdade de o interessado extrair cópia dos documentos apreendidos, inclusive dos dados eletrônicos, que não foram objeto de restituição, mediante justificativa, para evitar o uso protelatório em prejuízo da investigação.
Aqui apenas um parêntese. A comunicação à Seccional da OAB, ao advogado plantonista da Comissão de Prerrogativas, era prevista na parte final do inciso II do art. 7º da Lei nº. 8.906/94. Teve sua eficácia suspensa pela liminar deferida na ADI nº. 1127-8/PE, Rel. Min. Paulo Brossard, julgada em 6.10.94.
A revitalização do disposto legal em Portaria ministerial, em uma releitura da interpretação conforme a Constituição, só pode ser entendida, para que haja razoabilidade e proporcionalidade, com as ponderações feitas pelo Ministro Relator da ADI, “in verbis”:
“Se a busca e apreensão é determinada por Juiz competente, ela há de fazer-se sob a sua autoridade e responsabilidade e não ficar na dependência de quem não exerce poder jurisdicional, ensejando a frustração da medida. Pode haver urgência na sua execução, e é natural, a maior reserva, sob pena de tornar-se inócua; se o Juiz antes de executar sua decisão dela devesse dar ciência à OAB, algumas pessoas dela teriam prévia notícia, com as inevitáveis e óbvias conseqüências; ou o caso é de busca e apreensão ou não é; se for, tem de ser executado com presteza, exação e reserva, se não for, o Juiz não o determinará.” (Negritou-se).
IV.1.1 –MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO GENÉRICO
Tem-se discutido também a pretensa natureza genérica do mandado de busca e apreensão. Alguns propalam que gera intranqüilidade a incursão em escritórios de advocacia, porque é impossível que a autoridade policial não tome conhecimento de outros casos, de outros nomes e de outros dados, estranhos à investigação.
Tal preocupação é desarrazoada. A autoridade policial está vinculada aos fatos investigados num determinado inquérito policial e, quando no escritório de advocacia, não poderá violar o sigilo profissional entre advogado e cliente que não seja objeto da investigação.
Toda documentação ficará intacta e, caso errônea ou equivocadamente arrecadada, no momento imediatamente subseqüente à diligência, será devolvida, mediante recibo. Destaca-se, ainda, a existência do incidente de restituição de coisas previsto nos art. 118 do CPP. O item 148 da Instrução Normativa nº. 11/01-DG-DPF/MJ, de 27 de junho de 2001, muito antes da edição do art. 4º, § 2º da Portaria nº. 1287/MJ já previa a restituição de bens que não interessem à investigação:
“148. Quando cabível, a restituição de coisas apreendidas será feita mediante termo próprio, observando-se o disposto no art. 120 e parágrafos do CPP”.
Inexiste no ordenamento jurídico o aludido mandado de busca e apreensão “genérico” e um outro tradicional. O que existe é uma ordem judicial na modalidade de busca e apreensão, que pode ser domiciliar ou pessoal, cujos requisitos estão no art. 243 do CPP: indicação da casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; o motivo e os fins da diligência; subscrição pelo escrivão e assinatura do magistrado; constar se houver ordem de prisão.
No julgamento do Mandado de Segurança nº. 247.735 (processo nº. 2003.03.00.017120-6), a 1ª Seção do TRF 3ª Região, em acórdão da lavra da Exma. Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE (RTRF 62/120), constatou-se que “não se poderia exigir que – a autoridade - conhecesse quais os documentos e arquivos continham, por assim dizer, as informações que interessavam à justiça”, pois era necessária a “análise de documentos fiscais envolvendo conhecimentos de finanças, de operações bancárias e de informática”.
Falhas pontuais e isoladas na representação por buscas ou na expedição de mandados não geram qualquer nulidade ou prejuízo, desde que haja a fundamentação exigida constitucionalmente pelo art. 93, inciso IX da C.F.-88, aplicando-se o princípio “pas de nullité sans grief”: é legítima e válida a diligência e provas produzidas, respeitado o sigilo e a garantia do exercício da advocacia.
V – CONCLUSÃO
Conclui-se que não existe mandado de busca e apreensão genérico, não tendo a autoridade policial quando faz a representação e a autoridade judiciária, quando a atende, noção exata das características do objeto buscado, pois podem ser indícios, provas ou documentação contábil. O mandado de busca e apreensão é medida cautelar, antecipatória para garantir a subsistência da prova, do resultado útil da investigação policial, e não juízo de certeza de culpabilidade. Exigir a antecipação do objeto buscado é desconhecer os percalços da atividade policial e pressupor que a investigação perdeu a sua razão teleológica, pois toda aquela se encerraria com cumprimentos de mandado de busca e descoberta da materialidade do delito.
Por outro lado, as supostas “invasões de escritórios de advocacia” não passam de aleivosias, maldosas como não poderiam deixar de ser, que cometem imensurável injustiça com milhares de policiais federais que suam sua camisa todo dia, sem a certeza de retornar para a casa quando dela saem de manhã.
As críticas bem fundadas e baseadas em fatos concretos e específicos são sempre bem-vindas, recebidas, analisadas e apreciadas. Imputações genéricas e abstratas são desabonadoras de cidadãos de bem e, além de nada contribuir, só denigrem a imagem de uma instituição ímpar num País que tem a segunda pior distribuição de renda do mundo.
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1BOTTOMORE, Tom (org.). “Dicionário do Pensamento Marxista”, Rio de Janeiro/RJ, Ed. Jorge Zahar, 1983, p. 76.
2CALAMANDREI, PIERO. “ELES, OS JUÍZES, VISTOS POR UM ADVOGADO (Elogio dei Giudici)”, Ed. MARTINS FONTES, São Paulo, 1ª ed., 5ª tiragem, 2000, tradução de Eduardo Brandão.
3MIRABETE, Julio Fabbrini. “Código de Processo Penal – Interpretado”, 8ª ed., São Paulo, Editora Atlas, 2001, p. 535.
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*Delegado de Polícia Federal, Pós-graduando em Defesa Social e Segurança Pública. Pós-graduado em Direito Processual Civil. Foi assessor de Ministro do STJ.
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