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A nefasta criminalização da advocacia

Em defesa da profissão, o causídico apresenta relatos de casos históricos e afirma que está havendo uma criminalização do ofício. A defesa é em resposta ao PL que pretende obrigar advogados a comunicarem operações de natureza suspeita por envolverem dinheiro supostamente ilícito.

16/12/2011

Fábio Tofic Simantob

A nefasta criminalização da advocacia

A história da advocacia criminal é a história da perseguição aos advogados e das tentativas de acovardar a profissão. Sacerdócio árduo e sofrido, como dizia Henri Robert, a coragem se tornou o atributo mais importante do advogado criminal.

Durante o chamado período do terror da revolução francesa, os advogados compareciam aos julgamentos da convenção mesmo sob a ameaça expressa de serem guilhotinados com seus clientes. É célebre a frase com a qual Nicolas Berryer costumava iniciar suas defesas no tribunal revolucionário: "Trago à convenção a verdade e a minha cabeça; poderão dispor da segunda, mas só depois de ouvirem a primeira".

Mal falado, achincalhado e colocado na mesma vala comum de seus clientes, vítima de agressões em razão do mero ofício, o advogado foi um dos poucos que, ao longo da história, saiu em defesa dos oprimidos e perseguidos. Mal vistos aos olhos de cortesãos por defenderem apaixonadamente homens do povo, seriam no instante histórico seguinte os únicos a saírem em socorro de reis e rainhas, cujas cabeças eram postas à beira do cadafalso do terror revolucionário.

Quando a opinião pública se voltou contra os judeus na França, foi um advogado – sem falar em Émile Zola com o J'accuse – que saiu em defesa de Dreyfus para provar que o borderô usado contra ele era falso. Graças à atuação de advogados, muitas vezes sem ganhar qualquer tostão, milhares de presos políticos escaparam das masmorras brasileiras durante a ditadura militar, mesmo correndo o risco de serem confundidos com a militância política de seus clientes.

Quando as ideologias tomavam conta do mundo, Rui Barbosa responde a uma consulta, formulada pelo amigo Evaristo de Moraes, e em uma carta intitulada "O dever do advogado", aconselha o famoso rábula, seu correligionário, a aceitar a defesa criminal de Mendes Tavares, então antogonista do civilismo liderado por Rui, por considerar que o munus do advogado criminal está acima das disputas políticas.

Nesta famosa missiva, o mestre Rui Barbosa assim dizia ao amigo Evaristo: "Recuar ante a objeção de que o acusado é 'indigno de defesa', era o que não poderia fazer o meu douto colega, sem ignorar as leis do seu ofício, ou traí-las. Tratando-se de um acusado em matéria criminal, não há causa em absoluto indigna de defesa. Ainda quando o crime seja de todos o mais nefando, resta verificar a prova; e ainda quando a prova inicial seja decisiva, falta, não só apurá-la no cadinho dos debates judiciais, senão também vigiar pela regularidade estrita do processo nas suas mínimas formas..."

Partidário da mesma opinião, após o levante comunista de 1935, Sobral Pinto, conhecido por suas convicções católicas e anti-comunistas, aceita defender Luiz Carlos Prestes, inimigo número 1 de Vargas. Não importa se bem pagos ou não, os advogados nunca arredaram pé de seu mister de sair na defesa intransigente dos direitos do réu.

Adormecido por alguns anos – a sociedade logo se esquece das contribuições de suas Genis – o ódio contra o advogado ressuscita agora com nova roupagem, desta vez sob o pretexto de se combater os crimes econômicos, em especial, a lavagem de dinheiro. O objetivo é mal disfarçado: agrilhoar o regular exercício da defesa criminal, trocando-se a gilhotina pela gatunagem, metendo-se a mão no bolso do advogado.

Já aprovado na Câmara dos Deputados, o PL 3.443/08 (clique aqui) pretende obrigar os advogados a comunicarem operações de natureza suspeita por envolverem dinheiro supostamente oriundo de crime. Tal proposta implica duas coisas: uma é proibir o advogado de receber honorários dos clientes acusados de enriquecerem ilicitamente, e a outra é aniquilar, no exercício da advocacia empesarial, pressuposto deontológico da profissão, que é o dever de guardar sigilo sobre o que lhe é confidenciado a quatro paredes.

Como toda proposta totalitária esta também se apóia em generalizações grotescas. Sim, pois é claro que o advogado que auxilia o cliente a ocultar ou dissimular a origem de bens ou valores provenientes de crime poderá responder pelo crime de lavagem e, para isto, a lei não precisa ser mudada, dado não existir qualquer imunidade para os advogados neste sentido.

Assim, pode responder por lavagem o advogado que simula contrato de honorários apenas para permitir a colocação do produto do crime em local seguro, devolvendo-o depois pouco a pouco de acordo com as pequenas necessidades do cliente. Se receber os honorários e não declarar o valor ao fisco, estará sonegando e também poderá responder por prática de crime.

Agora, existem vozes pedindo mais. Querem acoimar de ilícitos também os honorários pagos por um serviço prestado, com o devido recolhimento de impostos. Ora, receber pelo serviço é direito do advogado, independentemente de quem seja o réu!

Ou então o Estado teria que pedir de volta o dinheiro ilícito pago ao médico, ao arquiteto, ao alfaiate, ao restaurante, ao próprio Estado, quando do pagamento de impostos, das taxas municipais, às concessionários de automóveis, afinal ou o dinheiro é sujo para todo mundo ou não é para ninguém.

Afinal, o que se pretende com tal projeto é impedir o advogado de trabalhar, tornar a advocacia uma profissão de risco, almejando com isto uma única coisa: restringir a atividade do advogado e cercear o direito de defesa dos acusados.

O maior equívoco de todos é na verdade não conhecer a natureza da advocacia; o pior de tudo é acharem que pondo peias à nossa profissão, deixaremos de exercer o nosso sacerdócio.

Se a ideia é acovardar a advocacia, é importante que saibam estes ingênuos formuladores de panaceias legislativas: se nos tirarem os honorários, defenderemos de graça; se nos cortarem as mãos, escreveremos com o sangue; se nos calarem a boca, defenderemos com a alma; e se quiserem cortar fora nossas cabeças, terão primeiro que ouvir a nossa verdade.

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* Fábio Tofic Simantob é advogado criminalista do escritório Tofic e Fingermann Advogados

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