A monogamia e seus confrontos e seus desafios
Jayme Vita Roso*
Para Ferrarotti, o instituto da monogamia revela-se fundamentado em a natureza do matrimônio, donde a define "como a fervura típica do matrimônio". Conseqüência, a família é o instrumento de difusão e perpetuação dessa cultura, como "uma unidade fundamentalmente bilateral". Se assim considerada, a monogamia é umbilicalmente ligada às condições vitais da família humana, por isso considerada como protótipo do matrimônio, ao revés da poligamia e da poliandria que não podem, ainda segundo Ferrarotti, estar ligadas à matriz originária, ou seja, a monogamia. Daí, alguns estudos sociológicos das épocas (anos 40/60) considerarem aquelas formas de união como matrimônios monogâmicos compostos. Cada uma constituiria um tipo de união monogâmica e, com ousadia, "também a coabitação poligâmica vem a ser concebida como uma monogamia sucessiva e não como uma (convivência) doméstica comum". Encerra Ferrarotti o texto, com uma sugestão de pesquisa, que motivou este artigo: a constatação de que a poligamia é uma forma recente, usualmente condenada, na história ocidental e, in verbis, "tal constatação pode sugerir a existência de uma correlação, que mereceria ser verificada, entre a monogamia compreendida no sentido antes entendido e o desenvolvimento da industrialização".
Propositadamente, assentamos a contribuição do sociólogo romano, como fundamento da brevíssima digressão que se pretende desenvolver, a respeito da proposta. Parte-se do pressuposto de que há uma correlação entre a diferenciação evolutiva da poligamia para a monogamia, em face da sociedade, em geral, e a busca da industrialização no Ocidente.
Se, antes, usamos a contribuição da sociologia, mesclada de pesquisas históricas, elaborada por Ferrarotti, agora, o campo é vasculhado por três economistas israelenses, Eric D. Gould, Omer Moav e Avi Simhon2.
A tese dos autores é sustentada numa pesquisa elaborada na Costa do Marfim, evitando, pela obviedade, os países árabes, que pode resumir-se no fato de que a poligamia faz sentido para muitos milionários em países mais pobres, mas é ruim para a economia. E essa assertiva advém não só do campo escolhido, que é um país africano paupérrimo, mas também em outros, em que é adotada, tais como países localizados na região do Saara, sub-africano, no Egito e na Tailândia.
O cerne da questão, focalizado sob o aspecto econômico, e, acrescentando o escriba, com cinismo, a relação custo-benefício da poligamia é prejudicada mesmo para homens ricos, porque gerando muitos filhos, eles gastam somas enormes nas despesas referentes à subsistência, deixando de investir na qualidade de seus filhos, como seres humanos ou como cidadãos. E ousam os professores da Universidade Hebraica de Jerusalém afirmar que, sentindo o custo da poligamia, ela diminui, sobretudo na classe média, que não encontrou mais sentido nessa forma de arranjar a vida pessoal.
Prefiro sintetizar algumas idéias dos professores, sem entrar no mérito ou valorá-las, sob aspectos não jurídicos.
Há homens ricos que procuram ter mais esposas. Mas, se tiverem sólida educação ou ganharem dinheiro com seu trabalho, tendem a ter menos esposas, ao contrário daqueles que obtêm renda de fontes como a especulação imobiliária ou a corrupção.
Há vários argumentos muito bem elaborados com apoio na mais moderna lógica, aplicada à matemática, que expõem raciocínios sofisticados para os advogados, talvez não habituados àquela ferramenta. Alguns: a) homens educados têm propensão a encontrar esposas com mais qualidade em boa educação, uma vez que, isso conseguindo, terão a oportunidade de gerar filhos com mais habilidades ou dotes e com melhor educação. Sem ofender as mulheres, mas dizem os autores, como economistas, que esposas de qualidade, como qualquer serviço de qualidade, custa mais caro, assim um homem de classe média não pode alargar o seu desejo ou cultivas a idéia de ter mais mulheres; b) homens ricos cujo sucesso não é dirigido à educação têm menos oportunidade de gerar ou transformar um filho bem educado e, por conseqüência, tem menos interesse em ter uma esposa educada. Para esses homens ricos a melhor forma de utilizar sua renda de seus filhos é concentrada na "produção" de maior número de filhos bem educados a custo menor, do que seria ter mais de uma esposa; c) finalmente, nos países ricos, onde, em tese, a riqueza é gerada em maior proporção pela educação, a vantagem (que, em finanças, se costuma chamar prêmio ou algo que se paga a mais para se obter um maior benefício) é ter uma mulher mais educada. O preço que esse tipo de mulher vale no que os economistas chamam de "mercado de casamento" tornou-se tão elevado que mesmo os homens mais ricos são capazes de conseguir apenas uma mulher.
Como os economistas que escrevem esse paper são totalmente indiferentes aos conceitos morais e à ética dos assuntos tratados no estudo, reduzem tudo à terminologia econômica, despida de valores e sentimentos, não titubeando em concluir, textualmente, dizendo:
"Finally, we conclude by discussing the policy implications of our results. The most obvious policy instrument is a ban on polygyny, which we argue could help lead to more growth and development if it is enforced. However, it will be difficult to enforce if the demand for polygynous behavior is strong, in particular because polygyny is typically beneficial for rich men who tend to wield disproportionate political and social power. If, however, the demand for polygyny by rich men is naturally weak because of the high value of human capital, then laws and norns against polygyny are more likely to evolve because they are reinforced by economic incentives. A second policy instrument is a simple subsidization of education. The subsidy will not only have a direct effect of encouragingincreasing investments in education, but will also have an indirect effect of encouraging monogamy - since the higher net value of education will increase the payoff of investing in quality women and cliildren. ln turn, increasing monogamy can help create or reinforce a monogamous norm, which then leads to more investments in child quality and more growth and development to follow"3.
É uma obra polêmica quanto ao tema, inodora quanto aos valores humanos do casamento, indiferente aos valores espirituais do homem/mulher, sem rumo para a relação pai/filho ou pai/filho/mãe, ou pai/mãe/filho ou pai/mães/filhos ou pai/filhos/mães.
Este escriba, que ao longo de anos sem conta, tenta mostrar que uma das causas dos males da sociedade contemporânea é levar tudo ao marketplace, sente-se à vontade, diante do que escreve em solicitar dos jovens advogados uma revolta, de fundo e de forma, contra a precificação das relações e sentimentos humanos, que deságua num direito alienado do seu destinatário final: o homem, ser vivo, criado à imagem e à semelhança de Deus. Não nego, todavia, o valor intrínseco do paper como instigador do homem a se repensar, se quiser sobreviver, civilizadamente, sobretudo se abdicar do insustentável desejo de possuir bens para gozar e poder para dominar seu semelhante. Afinal, casamento, ainda para o escriba, é sacramento.
__________________
Notas bibliográficas
1 AZARA, Antonio; EULA, Ernesto Eula (Dir.). Novíssimo Digesto Italiano. Tomo X. Unione Tipografico – Editrice Torinere, 1964. p. 866.
2 GOULD, Eric D.; MOAV, Omer; SIMHON, Avi. The mistery of monogamy. Discussion Paper Series. nº 4803. Londres: Centre for Economic Policy Research, dez.2004. 50 p.
3 Ibidem, p. 29-30.
__________________
* Advogado do escritório Jayme Vita Roso Advogados e Consultores Jurídicos