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Sustentabilidade: os acordos setoriais na Política Nacional De Resíduos Sólidos

Sobre o tema, a advogada pontua que o objetivo principal é propagar a responsabilidade compartilhada por fabricantes, distribuidores e comerciantes pelo ciclo de vida do produto.

28/10/2011

Ana Carolina F. de Melo Brito

Sustentabilidade: os acordos setoriais na Política Nacional De Resíduos Sólidos

Os resíduos sólidos representam um dos grandes desafios de nosso tempo, haja vista a sua complexa origem e variáveis envolvidas, tais como a maior concentração de pessoas em espaços urbanos, a cultura do consumismo, com o aumento da demanda por produtos de curta vida útil e, consequentemente, o incremento do volume de resíduos gerados. Além desses aspectos, fatores culturais e educacionais que denotam, em uma generalização vulgar, a falta de consciência e interesse sobre o que é feito com aquilo que não nos serve mais, colocam-nos no nosso atual estágio de desenvolvimento no trato dessa questão.

Publicada em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)1 trouxe as linhas diretivas que regerão a gestão integrada dos resíduos, legalmente considerados bem de valor econômico e social. Por delinear uma norma geral, a nova lei 12.305/10 (clique aqui) dispõe sobre os princípios, objetivos e instrumentos aplicáveis à gestão dos resíduos sólidos e versa sobre a responsabilidade dos geradores e do poder público.

Nessa toada, sublinhamos a atribuição de responsabilidade compartilhada pela gestão dos resíduos como um dos avanços a destacar na referida lei. A responsabilidade compartilhada diz respeito ao conjunto de atividades individualizadas e encadeadas em todo o ciclo de vida do produto, com o objetivo de minimizar o volume de resíduos sólidos.

Esse conceito de responsabilidade toca cada elo da cadeia de vida do produto, desde a concepção até a destinação final. Assim, todos os que participam dessa cadeia – produtor, consumidor e poder público - possuem obrigações individualizadas, mas compartilham a responsabilidade comum pela destinação final adequada dos resíduos. Esta destinação pode significar, nos termos da PNRS, reutilização, reciclagem, compostagem, recuperação, aproveitamento energético, disposição final dos rejeitos em aterros ou outras destinações admitidas pelo órgão competente.

Outro ponto de destaque, entendido como instrumento viabilizador da responsabilidade compartilhada, é a instituição da logística reversa, que é obrigatória para alguns produtos listados na PNRS.2-3 Trata a lei comentada de determinar que certos produtos sejam submetidos a um processo pelo qual os materiais neles incorporados retornem ao início do ciclo produtivo.

De fato, o que a lei estabelece é a obrigação compartilhada de disponibilizar o produto à última pessoa que o transferiu. Desse modo, o consumidor disponibiliza o resíduo para o comerciante, que o devolve ao distribuidor, que o encaminha para o fabricante ou importador, que providencia a destinação final ambientalmente adequada. Contudo, como essa logística envolve o recolhimento, desmontagem, processamento de parte dos produtos e outras ações, o fluxo de retorno de cada segmento deve ser pensado de acordo com as peculiaridades de cada atividade e produto.

A logística reversa poderá ser implantada4, ou estendida a outros produtos que não constam do rol legal, por meio de leis estaduais que suplementem a PNRS; regulamentos; acordos setoriais ou termos de compromisso, que podem ser individuais, locais, regionais, ou nacionais. A título de exemplo, citamos os Estados de São Paulo e de Minas gerais, e o município de João Pessoa/PB, entes federativos que já tomaram a iniciativa de efetivação da logística reversa.

Consoante definição legal, os acordos setoriais são atos de natureza contratual, firmados entre o Poder Público e os fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, com o escopo de implantar a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto. O procedimento para a implantação da logística reversa por meio do acordo setorial pode ser iniciado pelo setor público, com a publicação de editais de chamamento, ou pelos particulares, mediante a apresentação de proposta formal ao Ministério do Meio Ambiente.5

Em quaisquer das hipóteses acima referidas, a participação do Comitê Orientador6 é indispensável à validação do processo, porque é o órgão competente para aprovar o estudo de viabilidade técnica e econômica da implantação da logística reversa, sem o qual o Poder público não pode publicar o edital de chamamento para o acordo. De outro lado, se a iniciativa do acordo parte da esfera privada, o Comitê Orientador terá a atribuição de definir a forma pela qual ocorrerá a consulta pública e, após análise do Ministério do Meio Ambiente, aceitar, pedir complementação ou arquivar o pedido de acordo setorial.

O conteúdo mínimo do acordo setorial está disciplinado no artigo 23 do Decreto7 regulamentador da PNRS, mas pode ser assim resumido: (i) caracterização do produto; (ii) descrição do seu ciclo de vida; (iii) forma pela qual a logística reversa será implementada; (iv) formas de participação de associações de catadores, consumidores e poder público, com (v) descrição de suas atribuições individualizadas; (vi) mecanismos de informação para educação ambiental; (vii) metas a serem alcançadas, (viii) cronograma; (ix) formas de avaliação, conforme critério evolutivo mais adequado, tais como: ampliação da cobertura geográfica ou quantitativa de produtos recolhidos e encaminhados; e (x) penalidades para o caso de descumprimento do acordo.

Além dos requisitos mínimos, por ocasião da análise do acordo setorial pelo Ministério do Meio Ambiente, será avaliada a representatividade das entidades signatárias, assim como a melhoria da gestão dos resíduos, redução dos impactos à saúde humana e ao meio ambiente e a contribuição do pacto para a inclusão social dos integrantes de associações de catadores de resíduos. Portanto, são esses aspectos que não podem ser menosprezados, uma vez que a proposta deve assegurar uma crescente taxa de coleta e reaproveitamento dos resíduos, sem descuidar de aspectos sociais.

Enquanto não houver, na mesma área de abrangência, a publicação de acordo setorial, nem regulamento, poderão ser firmados termos de compromisso com o Poder Público, visando o estabelecimento da logística reversa. Igualmente, na hipótese de existência de acordo setorial ou regulamento para a mesma área de abrangência, será possível ao particular firmar termo de compromisso, desde que seja para a fixação de metas mais rigorosas.

O fundamental é que cada participante dessa cadeia reflita sobre sua participação nesse processo, planeje e adote as medidas necessárias à sustentabilidade de suas atitudes e empreendimentos. Seguindo lição atribuída a Martin Luther King, é preciso subir o primeiro degrau com fé. Não é necessário ver toda a escada. Apenas é preciso que se dê o primeiro passo.

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1 Lei Federal 12.305/2010, publicada em 3/8/2010.

2 A Política Nacional de Resíduos Sólidos aponta cinco grupos que terão acordos setoriais: pilhas e baterias; pneus; lâmpadas fluorescentes de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; e produtos eletrônicos e seus componentes.

3 Anteriormente à PNRS, já foram editadas resoluções do CONAMA para a logística reversa de pneus; pilhas e baterias; óleos Lubrificantes e embalagens de agrotóxicos.

4 A Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA) promulgou a Resolução SMA 38, de 2 de agosto de 2011, que estabelece a relação de produtos geradores de resíduos de significativo impacto ambiental, para fins do disposto no artigo 19, do decreto estadual 54.645, de 5/8/09, que regulamenta a lei estadual 12.300, de 16/3/06. Segundo a Resolução SMA 38/2011, os fabricantes e importadores dos produtos relacionados deverão elaborar uma proposta para coleta e restituição dos resíduos pós-consumo aos ciclos produtivos. Caso o setor ou empresa já possua um programa em funcionamento que atenda a este objetivo, seja por iniciativa própria seja por exigência de outras regulamentações (Política Federal de Resíduos, Resolução CONAMA específica, etc.), basta reproduzi-lo nos termos requeridos pela Resolução SMA 38/2011, incluindo as metas de evolução.

5 A expectativa é que, em breve, o Ministério do Meio Ambiente publique os dois primeiros editais para criação de acordos setoriais, com orientações estratégicas para a implementação da logística reversa de lâmpadas fluorescentes; de embalagens e resíduos de óleos lubrificantes e outro de embalagens em geral.

6 O Comitê Orientador para Implementação de Sistemas de Logística Reversa é formado por ministros de diferentes pastas (Meio Ambiente, Saúde, Desenvolvimento, Agricultura e Fazenda) e tem sua composição e competência definidas nos artigos 33 e 34 do Decreto regulamentador.

7 Decreto Federal 7.404/10.

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*Ana Carolina F. de Melo Brito é sócia do escritório Trigueiro Fontes Advogados, em Recife/PE

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