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A farsa consentida no enfrentamento da corrupção: o papel do Banco Mundial neste contexto

O advogado aborda a farsa consentida no enfrentamento da corrupção e pondera sobre o papel do Banco Mundial neste contexto.

7/10/2011

Jayme Vita Roso

A farsa consentida no enfrentamento da corrupção: o papel do Banco Mundial neste contexto

"Não há virtude quando os atos

desmentem as palavras e não cabe nobreza

onde a intenção se arrasta.

Por isso, a mediocridade moral é mais nociva

nos homens conspícuos e nas classes privilegiadas"

José Ingenieros1

Encerramos a anterior publicação de nossa autoria, em MercadoComum com um lembrete: no próximo artigo abordar a corrupção sob a ótica do Banco Mundial. A conhecida instituição alardeia que é tenaz opositora de práticas que induzem à corrupção, em suas variantes, algumas conhecidas outras não.

I

1 - A palavra corrupção precisa ser bem entendida pois é, com sua confusão com a fraude, quiçá dela um derivativo. O próprio Banco Mundial comete este deslize no seu site FAQs, colocando que a fraude se equivale à corrupção em linhas gerais. Mas, que é corrupção?

Etimologicamente, a corrupção (substantivo) advém da língua latina corruptio do supino do verbo corrumpere que significa corromper.

No sentido didático, já secular, empregada como alteração por decomposição, como também putrefação. Nessa linha, já Molière a usou na clássica peça "O Doente Imaginário".

Também se emprega corrupção no sentido figurado e literário, como alteração (de um julgamento, do gosto da língua), dando ideia genérica de deformação. Renomados franceses a usavam de forma adequada aos textos que construíram, utilizando-a dentre eles, Rabelais e La Bruyère. Bem a propósito, eles a escreviam, supondo um sistema de valores onde a estabilidade é mais apreciada que a mudança notadamente em evoluções espontâneas das palavras. Ao contrário, o uso moderno da palavra prefere os termos mais neutros, como mudança, modificação, ou ainda menos pejorativos como alteração.

Na idade contemporânea a corrupção tem forte apelo ao que é corrompido moralmente, ao estado daquele que é corrompido, destacando-se o aviltamento, a desmoralização, a depravação, a perversão, o vício.

Quem não vê, diariamente, aparecer nas publicações ou na televisão a expressão "corrupção da sociedade" como delinquência, desregramento e dissolução desse núcleo importante.

Mais fundo ainda, já no século XIX se empregavam as locuções "costumes corrompidos", como o fez o memorável romancista Balzac no clássico "Esplendores e Misérias das Cortesãs".

A corrupção tem duas facetas: a primeira a ação de corromper (corrupção ativa) e a segunda o fato de se deixar corromper (corrupção passiva). São meios empregados, genericamente, para fazer agir qualquer pessoa contra o seu dever, contra a sua consciência.

2 – Os melhores dicionaristas brasileiros deram o mesmo tom aos enunciados acima, estes oriundos de pesquisas em trabalhos em língua francesa e não por menos, não só naqueles explicitados como também avançaram muito na busca da etimologia da palavra no seu emprego literário. E, dentre eles, destaca-se o romancista português Almeida Garrett quando a utilizou no sentido de depravação, perversão: "se desorganizou o Estado, se corrompeu a moral do cidadão...". A corrupção é também suborno, peita, depravação e perversão.

Em cima disso, da quebra de paradigmas éticos e morais, é que navegamos na modernidade.

3 – E o Banco Mundial vem procurando através de métodos pedagógicos, investir contra a corrupção e combatê-la, pois a identifica "entre os maiores obstáculos para o desenvolvimento social e econômico". Ela salopa o desenvolvimento, distorcendo o "rule of law" e enfraquecem os fundamentos institucionais dos quais o crescimento econômico depende. Tem focalizado suas atuações em atividades frontalmente anticorrupção e de governança das empresas. Não enrubrece em dizer que monitora seus próprios funcionários, sobretudo na tentativa de minimizá-la nos projetos que financia e procura ajudar países a adotar medidas no setor público com esta finalidade bem como controlá-la, dentro do possível.

4 – Adota, o Banco Mundial, meios de prevenção, sobretudo para evitar o incremento da fraude e da corrupção, providenciando meios e condições como treinamento, diálogos dos seus funcionários com os interessados e pesquisas de condutas, sobretudo para apurar lições resultantes das investigações frutuosas ou não, que possam ser ou não incorporadas em projetos futuros.

Daqui para frente, este articulista passa a desenvolver o resultado de suas pesquisas dentro de todas as publicações que lhe chegaram às mãos do Banco Mundial, apontando ao final o que lhe parece ser a conclusão dos esforços.

Já de primeiro lance, as maiores autoridades administrativas do Banco Mundial reconhecem que ele não é imune as práticas de corrupção. E, além de não ser imune, adota medidas a meu ver hipócritas, quando constatada a corrupção.

4.1 – Que acontece com as companhias ou pessoas flagradas em fraude ou corrupção com o dinheiro do Banco?

O Banco organizou uma série de penalidades, dependendo da natureza do evento, que podem ser impostas. Partem de uma carta de repreensão para prevenir futuros incidentes ou mais ainda quando o fato é concretizado e demonstrado tornar os fraudadores ou corruptores como proibidos de participar, temporária ou permanentemente, em qualquer projeto que ele financie. Também publica no seu site os nomes das pessoas e das companhias apenadas (foram mais de 350 até 2008). Não suficientes estas apenações. O Banco Mundial notifica os países onde as empresas ou as pessoas físicas têm residência ou sede para algumas providências dentro do âmbito da legislação interna de cada jurisdição (foram 28 processos criminais e 243 investigações até o ano de 2008). E o que fazem com as que têm sede em off-shore? Nada.

Como todo mastodonte, o Banco Mundial é muito burocrático, que causa surpresa e até suspeita, pois os procedimentos são lentos demais para não só detectar como punir, dentro das suas regras atos considerados como fraude ou corrupção.

4.2 – Por incrível que possa parecer, o Banco ainda não fez, até a versão publicada em junho de 2009, nenhuma avaliação de quanto perdeu em virtude de fraude e corrupção constatada em projetos que financiou e considera impossível quantificar o prejuízo, jogando a culpa nos países, que não lhe fornecem os dados relativos às práticas ilícitas, dificultando-lhe coletá-las.

Essa desculpa é inadmissível e até ridícula. O Banco Mundial não faz milhões de financiamentos de projetos como qualquer banco comercial ou financeiro ou de desenvolvimento regional ou nacional. Ele tem um pessoal bastante treinado e meios e ferramentas tecnológicas a seu alcance que lhe põe a própria estrutura por ele mesmo criada e acessível também na ONU, na UNESCO, na OCDE e em outros organismos internacionais. O problema é que qualquer valor perdido em virtude de corrupção ou fraude é expressivo, considerando-se que a corrupção desvirtua o projeto, aumenta o seu custo e, quer queiram ou não queiram, ela induz à insuficiência na redução da pobreza.

Tem sistema interno no site de prevenção à corrupção e à fraude. O acesso é fácil, aberto 24h por dia, 7 dias por semana, aceitando até denuncia anônima, mas as informações que transmite no seu próprio site a esse respeito são absolutamente insuficientes. Suspeitas, até!

De outro lado, aceitando até denúncias anônimas ou não, exige tantas especificações dos atos ilícitos que não permite qualquer pessoa, que esteja em plena sanidade mental assumir este risco. Exemplos: quais os atos reportados como fraudulentos. Datas e horário, locais; pessoas físicas ou jurídicas que fizeram as práticas ilícitas; apreciação subjetiva de que o ato é fraudulento; possíveis evidências físicas ou documentais para corroborar com as alegações; pessoas que podem testemunhar os fatos e onde a pessoa pode ser procurada para dar mais informação. É jocoso. Se aceita queixa anônima, essa última solicitação é ridícula. E, onde tem sede, ocorre a maioria das grandes negociatas.

5 – Há um verdadeiro arco-íris de irregularidades e violações que o Banco Mundial lista. Acordo em concorrências públicas; concorrências fraudulentas; fraude nas performances dos contratos; contrato fraudulento; fraude na auditoria; substituição do produto listado no projeto por um outro de qualidade inferior; inflação de preços ou componentes; custo inflado e trabalhadores inexistentes empregados no projeto; suborno e gorjetas; solicitação de "é dando que se recebe"; fraude em viagens; desvio de fundos do banco ou alocações para outras atividades e perdas programadas de fundos recebidos.

6 – O Banco procura incentivar, através da mobilização de jovens, o combate à corrupção, entendendo que eles são agentes influentes para mudança e inovação "quando encontram espaço onde possam exprimir-se, desenvolver sua capacidade de liderança e criativamente interagir com outros". Para isso criou um Fórum da Juventude no ano de 2010.

Além disso, internamente, criou um espaço razoável, através de uma biblioteca física e outra através de um site, com uma equipe para não só permitir acesso às publicações a apresentações como prover fácil acesso aos documentos aos interessados em utilizá-los livremente. Na mesma linha, através de links correlatos, propicia diferentes tecnologias que podem desempenhar um papel diferente nas atividades anticorrupção em diferentes áreas, em diferentes locais, em diferentes jurisdições. Aos leitores ávidos em utilizarem estas ferramentas para pesquisas ou para suas atividades, aqui são apresentados seis links de possível interesse:

7 – No mês de dezembro de 2009, o Banco Mundial publicou um relatório (nº WPS5157), conhecido como Estudo de Pesquisa Mundial com subtópicos diversos: Corrupção do setor público e Medidas anticorrupção; Monitorando e analisando a pobreza; Direito que cuida da corrupção e da ante corrupção; Diagnóstico Governamental sobre a capacidade de construir meios legais de combate à corrupção e Contabilidade Social.

Destaque-se o sumário desta pesquisa acima focalizada:

O bom funcionamento das instituições é importante para o desenvolvimento econômico. Para funcionarem efetivamente as instituições públicas obrigatoriamente devem inspirar confiança àqueles a quem serve. Os autores (desta pesquisa) usam dados fornecidos pelo Galup World Poll, única e importante pesquisa mundial, para documentar uma quantidade razoável e estatisticamente significante da correlação negativa entre corrupção e confiança nas instituições públicas. Sugere o importante canal, através do qual o desenvolvimento da corrupção pode ser inibido pela erosão da confiança nas instituições públicas. Esta correlação é importante para inclusão de um vasto número de controles no país e as características correspondentes de cada um e elas mostram como isso pode, plausivelmente, ser interpretado, refletindo, pelo menos em parte, o efeito causal da corrupção para confiança. Os autores também mostram que pessoas físicas com baixa confiança nas instituições exibem poucos graus de participação política, mostrando crescente intolerância para conseguir fins políticos através de meios violentos e também ter um grande desejo de "votar com seus pés" através da imigração, ou seja, indo embora.

II

1 – O esforço do Banco Mundial para coibir que, no seu seio e nas suas operações, sejam, elas maculadas pela corrupção, adotou os procedimentos que foram colocados na exposição no item anterior.

Cabe perguntar se todas as medidas que ele implantou são frutuosas e tem servido de exemplo ao mundo dos negócios, sejam eles com a própria Instituição ou nos negócios correntes com amplas atividades.

Não será muito fácil analisarem-se os dados encontrados no site do Banco Mundial, porque não existe uma ordenação sistemática deles e, no afã de divulgar resultados ou atitudes proativas, as repetições dos mesmos temas enfadonham o pesquisador. Ao lado disso, percebe-se claramente que a política adotada pelo Banco Mundial é mais didática e menos realista (fica no muro). Repete inúmeras vezes as pautas de reuniões que ocorrem ao redor do mundo, mostrando experiências, bem ou mal sucedidas ou resultados de investigações e punições, apartando-se do essencial sob a ótica que examinamos o tema: a corrupção e a fraude nos negócios dependem de efetiva resposta da sociedade lesada. O resto é hilariante.

2 – Incrustou-se no mundo ocidental e se esparramou por todos os quadrantes do Planeta a ideia de que o combate a pobreza, as desigualdades sociais, o subdesenvolvimento e a sustentabilidade dependem do que se apelidou de rule of law. Que é rule of law? Muitos dissertam sobre esse conceito que passou a significar, erradamente, democracia ou governo democrático.

Tentemos explicar.

2.1 – Ninguém mais é enganado nem pode ser, quanto ao que está ocorrendo com a imprensa mundial na sua generalidade. Ela vem difundindo conceitos e criando paradigmas educacionais distorcidos propositadamente (Murdoch é o rei). Manipulada tão só por interesses econômicos, quando não subsidiadas por eles, o que se tem visto, lido e divulgado é que o governo democrático é o que tem como lema o rule of law. O Estado de Direito, que equivale a esta expressão em língua inglesa não tem nada a ver com ele diretamente, porque o rule of law pressupõe imprensa livre, parlamento funcionando, tribunais julgando, livre movimentação de capitais e exercício pleno de direitos civis. Mas ele só não é, rule of law, governo, pois a democracia é muito mais do que isso.

Só que isto é uma verdadeira balela. A verdadeira democracia, que representa o verdadeiro governo democrático eleito pelo povo em eleições livres e sem influências econômicas, sobrepõe-se a essa fantasiosa expressão que engana e, por mero interesse econômico e financeiro, é sustentada pelos grupos que tem o Planeta Terra em suas mãos.

2.2 – Parlamento aberto, tribunais julgando, pessoas circulando, negócios fluindo, não são os timbres do governo democrático. Se assim fosse, não seria necessário que Beijing reprimisse qualquer movimento popular, que Washington se escudasse no famigerado Patriotic Act para prender sem causa e manter indefinidamente em ambientes desumanos quaisquer pessoas que fossem apodadas de atos contra segurança do Estado e assim por diante.

Se o próprio Banco Mundial reconhece que circulam pelo mundo dos negócios anualmente mais de dois trilhões de dólares americanos considerados como "dinheiro sujo", o que ele faz, o que ele produz, o que ele representa é uma farsa consentida dentro do mundo relativizado que vivemos. A moral tem duas caras, um guarda-roupa muito vasto e um padrão de vida adequado aos costumes contemporâneos. Assim também no mundo dos negócios que procura escudar-se em chavões conhecidos como "responsabilidade social", "responsabilidade ambiental" para unicamente mascarar atitudes que são consideradas benéficas para o mercado.

O mercado comanda e o mercado desmanda, utilizando instituições como o Banco Mundial que, desvirtuados seus verdadeiros fins, são mais os clubinhos de amigos e de congressos de homens bem pagos, que visam o benefício pessoal e pouco se importam com os desastres naturais, com as drogas comandando os negócios, com os bancos servindo de anteparo para negócios ilícitos e assim por diante.

Quo vadis, Homo?

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1 INGENIEROS, José. O Homem Medíocre, pag. 128, 1ª edição, Quartier Latin, São Paulo, 2004.

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*Jayme Vita Roso é advogado e fundador do site Auditoria Jurídica

 

 

 

 

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