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Mandato eletivo de parlamentar e mandato eletivo de magistrado: pontos de dessemelhança

As diferenças entre o mandato eletivo de parlamentar e de magistrado são esclarecidas pelo desembargador do TRT da 3ª região.

27/9/2011

Julio Bernardo do Carmo

Mandato eletivo de parlamentar e mandato eletivo de magistrado: pontos de dessemelhança

Há diferença entre o mandato eletivo de parlamentar e o mandato eletivo de magistrado?

Explica-se.

Se houver impugnação de mandato de parlamentar por suposta inelegibilidade prevista na lei eleitoral, com concessão de liminar judicial pelo tribunal eleitoral para que o suplente tome posse e inicie o cumprimento do mandato do parlamentar afastado, se e quando houver reversão da medida judicial, o parlamentar eleito cumprirá integralmente o seu mandato ou apenas cumprirá o restante do mandato, após o afastamento do suplente precariamente diplomado?

Se houver impugnação de mandato eletivo de magistrado para cargo de direção dos tribunais, com espeque igualmente em suposta inelegibilidade prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN – clique aqui), com concessão de liminar pelo Poder Judiciário competente para obstar a posse do magistrado eleito e investir o magistrado segundo mais votado na presidência temporária da Corte, como ficaria a situação se, resolvida a pendência judicial um ano e meio depois, favoravelmente ao magistrado eleito em primeiro lugar, relativamente ao cumprimento de seu mandato?

Haveria direito do magistrado de cumprir integralmente o mandato de dois anos regimentalmente previsto ou deveria ele apenas exercer o mandato pelo restante de meses aptos à complementação do biênio?

A situação retratada não é tão sibilina assim porque corriqueiramente os tribunais do país, inclusive a excelsa Corte de Justiça, são instados a se pronunciar sobre a legitimidade de mandato de parlamentares e de juízes, esses últimos, logicamente, eleitos por seus pares para cargos de direção dos tribunais.

A resolução do impasse é extremamente singela.

Para resolver a pendência basta colocar a seguinte pergunta: quem é o legítimo representante do povo, o juiz ou o parlamentar?

A Constituição da República (clique aqui), em seu Título I, ao tratar dos princípios fundamentais, estabelece em seu artigo 1º, parágrafo único, que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Já os juízes, esses não, eles não são representantes do povo, uma vez que não são eleitos como os parlamentares, e sim aprovados em concurso público de provas e títulos para o exercício vitalício do cargo, a não ser que o perca por motivo de processo disciplinar, onde reste assegurado o direito à ampla defesa.

Como o parlamentar é um representante do povo, seu mandato flui inexoravelmente dentro daqueles períodos previstos pela lei eleitoral para a realização de eleições de cunho municipal, estadual ou nacional, ou seja, do processo eleitoral destinado a eleger vereadores, deputados estaduais e deputados Federais.

O senador, embora não seja o representante direto do povo e sim dos Estados Federados, indiretamente o é, porque representa também o povo que compõe o Estado da Federação que o elegeu, até porque o Estado da Federação é sustentado pelo povo que nele habita.

Basta citar a situação de um senador que, para bem representar o Estado da Federação que representa, negligenciasse os direitos do povo que ali habita.

O mesmo até poderia ter bem representado, no Senado, seu Estado da Federação, mas traído e negligenciado em seus direitos e expectativas, o povo jamais o elegeria novamente.

Pois bem, dito isso temos que quando surge alguma pendência judicial a respeito do mandato do parlamentar, é a pessoa do parlamentar que é colocada em xeque, e não o seu mandato, que flui inexorável, mesmo com a investidura precária de seu suplente, porque deve ser complementado dentro do período previsto na lei eleitoral, isto para que se possibilite a inafastável alternância dos mandatos, quando novos representantes do povo são eleitos para novas legislaturas e assim sucessivamente, tudo no afã de se cumprir o ideário democrático de se conceder ao povo o direito de, nas urnas, aferir se o parlamentar está fielmente cumprindo suas promessas partidárias, pois poderá o povo exercer o direito de veto ao parlamentar indigno, corrupto ou não cumpridor de seus deveres.

Aliás, como é dito com bastante sabedoria, a expressividade de um parlamentar mede-se pelo seu prestígio nas urnas, pois quanto mais votado mais milita em seu favor a presunção de que legitimamente e de forma competente e inteligente representa, com ardor, o povo que o elegeu.

Pelos motivos expostos, quando o parlamentar é impugnado em seu direito de ser investido no cargo eletivo, por malferimento da lei eleitoral, o período em que fica afastado do exercício do mandato por decisão judicial eleitoral, não se recupera nunca, e, se e quando mostrar-se vitorioso na impetração de alguma medida judicial, só retomará o cargo para cumprir o restante do mandato que ainda lhe resta, pois não fosse assim, estaria o povo, que é o legítimo titular do poder, obstado de, nas datas aprazadas na legislação eleitoral, escolher de forma escorreita e democrática, os seus representantes.

O alargamento do mandato do parlamentar, para se computar os períodos em que esteve afastado por motivo de decisão judicial, feriria a regra democrática de alternância dos mandatos eletivos e ainda, o que é pior, feriria o direito soberano do povo de, na data aprazada, renovar o quadro de seus representantes nas casas legislativas, tudo de acordo com o direito inalienável que o mesmo ostenta de, na urna, conservar ou mudar os seus representantes, de acordo com o trabalho que os parlamentares apresentam durante as respectivas legislaturas.

Com os juízes as coisas se dão de forma bem diferente.

Não sendo os juízes, como dito, representantes do povo, e sim agentes políticos, uma vez que não são eleitos e sim investidos no cargo através de concurso público de provas e títulos, quando alçados a cargos de direção dos tribunais, surge sim uma peculiaridade relativamente ao exercício de seus respectivos mandatos eletivos.

Se o juiz é legitimamente investido no cargo eletivo, sem qualquer mácula ou impugnação de terceiros, tal como acontece com o parlamentar, o seu mandato flui inexorável até que se complemente o tempo legalmente previsto para o seu exercício.

Se o juiz, em que pese legitimamente investido no cargo eletivo, vier a ser impugnado por outro magistrado da mesma Corte de Justiça, que se diz preterido em seus direitos, seja porque o juiz eleito era supostamente inelegível, seja porque foram malferidos preceitos legais ou constitucionais que desabonem a sua investidura no cargo, sendo que neste último caso o juízo de valoração pertence igualmente ao Ministério Público, que é o legítimo fiscal da lei e fiel protetor do Estado Democrático de Direito, e em havendo decisão judicial, geralmente a concessão de liminar em mandado de segurança, que obste a sua posse, aí, não sendo o juiz, como dito, representante do povo, jamais se pode falar, de forma até leviana, em inexorável fluência de seu mandato, se e quando o candidato dito preterido for investido temporariamente nas funções que competiriam à presidência da Corte de Justiça.

Como primeiro argumento, não há se falar em fluência inexorável de mandato em detrimento do juiz impedido de tomar posse por ordem judicial porque sem posse inexiste a investidura no cargo de juiz presidente do Tribunal.

Como iniciar a contagem do prazo do mandato de juiz presidente de Tribunal se o mesmo foi judicialmente obstado de tomar posse?

Como segundo argumento, se o juiz legitimamente eleito foi obstado de tomar posse, a consequência a que se chega é a de que o cargo no qual deveria o mesmo ser investido continuará em aberto, até a decisão final do Tribunal Superior que concedeu a liminar obstativa.

Tal exegese mostra-se ainda mais óbvia quando o Tribunal Superior que concede a liminar obstativa, igualmente obsta a posse do juiz preterido, deferindo-lhe apenas o exercício precário e temporário das funções que seriam desempenhadas pelo presidente eleito.

Ora, com clareza solar se vê que inexiste ainda, seja em favor do juiz preterido, seja em favor do juiz legitimamente eleito, o exercício de qualquer cargo de direção, um porque legitimamente eleito foi obstado em sua posse, e o outro porque, muito embora tenha logrado a seu favor uma liminar judicial, foi investido apenas, não no cargo, até porque não lhe foi autorizada a posse, e sim o exercício precário, temporário e revogável das funções que seriam acometidas ao juiz legitimamente eleito.

Nessa situação singular, o juiz legitimamente eleito não tem mandato porque foi obstado de exercer o cargo por decisão judicial, e o juiz preterido, embora possua mandato, porque a administração do Tribunal não pode ficar acéfala, o possui, não em cargo, mas em funções precárias e temporárias nas quais foi judicialmente investido, e que em nada interferem com o mandato efetivo do juiz legitimamente eleito.

O tempo que o juiz preterido vier a exercer, por força de liminar judicial, as funções inerentes à presidência do Tribunal, jamais interferirá no integral cumprimento do mandato do juiz legitimamente eleito, se, a final, vier a ser denegada a segurança impetrada, quando o juiz dito preterido será desinvestido das funções precárias inerentes à presidência da Corte de Justiça, surgindo, a partir daí, ou seja, da denegação da segurança e consequente cassação da liminar, o direito líquido e certo do juiz legitimamente eleito ser empossado no cargo de presidente da Corte de Justiça, com integral cumprimento do mandato de dois anos, legalmente previsto.

O mandato temporário exercido pelo juiz dito preterido nas funções inerentes à presidência do Tribunal simplesmente será apagado do mundo jurídico, eis que existiu apenas para possibilitar a continuidade do serviço público, caso contrário, o Tribunal ficaria acéfalo e sem representação provisória, com grave prejuízo para suas funções essencialmente institucionais.

Então vem a pergunta: não existiria caso em que o juiz legitimamente eleito poderia ter parte de seu mandato exercido pelo juiz dito preterido, de forma que o mandato de ambos não poderia ultrapassar dois anos?

A resposta é positiva.

Desde que os dois juízes tenham efetivamente tomado posse e sido investido no exercício do cargo de juiz presidente do tribunal, em caso de impugnação judicial, superveniente à posse, o exercício temporário do mandato de um juiz interferiria tranquilamente no exercício do mandato do outro.

O exemplo é claro.

O juiz legitimamente eleito toma posse no cargo de presidente do Tribunal.

O juiz preterido ingressa com medida judicial, após a posse mencionada, e logra liminar onde se anula temporariamente a posse do juiz legitimamente eleito até a decisão final, por exemplo, de um mandado de segurança.

Julgado o mandado de segurança, a ordem, por fas ou nefas, vem a ser denegada, com consequente cassação da liminar, quando ressurge o direito do juiz legitimamente eleito de novamente tomar posse no cargo de juiz do tribunal, deduzindo-se o período de mandato exercido pelo juiz preterido predecessor, isto porque ambos tomaram posse e foram investidos no cargo de juiz presidente do tribunal, cujo mandato não é legalmente superior a dois anos.

Fora dessa situação, ou seja, a de posse conjunta, embora dissociada no tempo, e em havendo apenas investidura, por força de liminar judicial, no exercício, não de cargo, porque obstada a posse, e sim nas funções precárias e revogáveis inerentes à presidência da Corte de Justiça, a denegação da segurança e revogação da liminar importará irremediavelmente na posse do juiz legitimamente eleito no cargo de juiz presidente do Tribunal, sendo que seu mandato será indubitavelmente o integral de dois anos, legalmente previsto, sob pena de instaurar-se na Corte de Justiça uma verdadeira balbúrdia legal, pois, mesmo sem posse, o juiz preterido estaria usurpando o cargo do juiz legitimamente eleito, ainda que de forma implícita, através do esvaziamento inconstitucional de seu mandato eletivo.

Se o mandato do juiz legitimamente eleito, por força de decisão judicial que lhe obstara a posse, a tempo e modo, vier a "descoincidir" com o ano civil, ao término de seu mandato deverá o Tribunal deliberar se o respectivo mandato será prorrogado para lograr a referida coincidência (por exemplo, término do mandato em agosto de 2013, podendo o mandato ser prorrogado até dezembro do referido ano, de forma que o próximo presidente venha a tomar posse em janeiro de 2014) ou designar, por votação, que determinado juiz do tribunal exerça um mandato tampão, no caso dado em exemplo, de agosto de 2013 a dezembro de 2013).

Assim, a conclusão a que se chega é a de que, não sendo o juiz um representante do povo, como o é o parlamentar, porque não é eleito, e sim aprovado em concurso público de provas e títulos para o exercício de cargo vitalício (ressalvado seu afastamento por motivo disciplinar), se for obstado, por decisão judicial, de tomar posse no exercício do cargo de presidente do Tribunal, o tempo de mandato exercido por outro juiz investido, por força de liminar concedida em mandado de segurança, sem direito a posse, nas funções inerentes à presidência da Corte de Justiça, não prejudicará o exercício integral de seu mandato de 2 (dois) anos, se e quando denegada a ordem e cassada a liminar.

Resta analisar a situação do juiz dito preterido e que denegada a segurança impetrada poderia sentir-se no direito líquido e certo de, novamente, disputar eleição para cargo diretivo do tribunal, uma vez escoado o mandato do juiz legitimamente eleito.

Teria o juiz preterido, vencido no mandado de segurança, direito a ser eleito para o cargo de Presidente do Tribunal?

A mim me parece que não, isto por uma questão de ética, de justiça e de paridade de tratamento com os demais juízes desimpedidos da Corte de Justiça que, pacientemente, aguardam sua vez de ser investido no cargo de Presidente do Tribunal.

Ou seja, bem ou mal, teve o juiz preterido a sua oportunidade, ainda que por força de decisão judicial de exercer funções inerentes à presidência do Tribunal, o que fez, no caso ora analisado, por período nada mais nada menos igual a um ano e oito meses de mandato, não se mostrando jurídico, nem ético e nem legal, que novamente dispute a presidência do Tribunal para exercer mais 2 (dois) anos de mandato, porque isto malferiria o princípio democrático da alternância dos mandatos, relativamente aos demais juízes da Corte de Justiça que pacientemente aguardam a sua vez de ser eleito para o cargo de direção do Tribunal, como também o princípio constitucional da isonomia, porque não é justo que o magistrado legitimamente eleito para o cargo de presidente da Corte de Justiça, normalmente empossado, só exerça o mandato durante 2 (dois anos) ao passo que o juiz dito preterido, mesmo sem posse, o venha a exercer por período de 3 anos e 8 meses, ou seja, 1 (um) ano e 8 ( oito) meses por força de liminar judicial e mais 2 (dois) anos por força de regular eleição consagrada por seus pares, isto porque, a final, seu mandato total seria de 3 (três) anos e 8 (oito) meses, ao passo que o juiz legitimamente eleito, com posse consagrada e escorreita, só exerceria tal mandato por 2 (dois) anos, ferindo-se assim de morte o princípio constitucional da isonomia.

Não se pode conceder a juiz temporariamente investido em funções da presidência do Tribunal, sem qualquer direito de posse, logo em caráter precário e revogável, o direito de ostentar mandato bem superior ao constitucionalmente assegurado a juízes que, em processo legislativo escorreito e sem mácula, são investidos no cargo de presidente do Tribunal, cujo mandato é terminantemente fixado em 2 (dois) anos, sob pena de deitar por terra os alicerces jurídicos que informam o Estado Democrático de Direito.

A conclusão que se tira de tudo isso é a de que, o juiz dito preterido e que exerceu, por força de liminar judicial, funções inerentes à presidência do Tribunal, encontra-se absolutamente impedido de candidatar-se a cargos eletivos do tribunal, sob pena de lograr, por meios subreptícios e juridicamente duvidosos, exercer mandato superior ao legalmente previsto para os cargos diretivos reservados aos demais integrantes da Corte de Justiça, exegese que malfere tanto o direito natural como o direito positivo, pois não se pode conceder a qualquer juiz um direito superior ao previsto na lei ou na Constituição para os demais pares remanescentes da mesma Corte de Justiça, sob pena de se criar odiosa regra de exceção onde o juiz presidente interino, designado, sem posse, para exercer funções inerentes à presidência do Tribunal, venha a possuir mais direitos que o juiz legitimamente eleito e empossado para o mesmo cargo, situação que visivelmente fere os mais comezinhos princípios de direito constitucional.

A conclusão, pois, inafastável e consentânea com o Estado Democrático de Direito é a de que, o juiz interino que, por força de liminar judicial concedida em mandado de segurança, tenha exercido por 1 (um) ano e 8 (oito) meses funções inerentes à presidência da Corte de Justiça, encontra-se inapelavelmente impedido de concorrer a quaisquer cargos eletivos no mesmo Tribunal.

Salvo melhor juízo é como penso.

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*Julio Bernardo do Carmo é desembargador do TRT da 3ª região. Integrante da 4ª turma e da 2ª SDI



 

 

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