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Os contratos "built to suit" e a legislação aplicável

A advogada ressalta a falta de proteção legislativa específica, o que culmina na dúvida de se aplicar a esse tipo de contrato o Código Civil ou a lei de locações de imóveis urbanos.

13/9/2011

Maria Eugênia Gadia Ulian

Os contratos "built to suit" e a legislação aplicável

A evolução econômica e financeira do Brasil, principalmente no que tange ao mercado imobiliário, gerou o surgimento de novas relações comerciais e modalidades negociais, que muitas vezes não se enquadram perfeitamente naquelas previstas por nosso ordenamento jurídico. Os contratos "built-to-suit" são um exemplo deste desenvolvimento no âmbito locatício e imobiliário, trazendo à tona direitos e obrigações desprovidos de proteção legislativa específica.

Tal modalidade contratual atípica consiste na encomenda de um imóvel a ser construído e/ou implementado pelo locador, conforme as necessidades e especificidades do locatário. Ou seja, o locatário, em vez de dispender altos vultos de capital para adquirir um imóvel, que na maioria das vezes não atende às suas necessidades, ou ainda, de gastar suas energias se envolvendo diretamente com a construção civil de um estabelecimento que anos depois pode não ser mais adequado ao seu empreendimento, passa a contratar investidor que se obriga a realizar a construção encomendada e lhe alugar o imóvel por um longo período.

Assim, o locatário não se vê mais obrigado a se adaptar a um imóvel que não corresponde aos seus interesses quanto à espaço, localização e tipo de construção, sequer precisa se descapitalizar e aplicar seus recursos em atividades que não as de seu objeto social, para adquirir terreno ou imóvel. Outrossim, para o investidor/empreendedor tal espécie contratual se mostra vantajosa vez que poderá comercializar o imóvel antes mesmo do projeto ser desenvolvido, recebendo o retorno de seu investimento ao longo do tempo.

Frequentemente, o sistema "built-to-suit" se vê resguardado por conta das companhias securitizadoras de recebíveis imobiliários, as quais viabilizam a emissão dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), título de crédito que possui alto poder de garantir o futuro adimplemento da locatária.

Portanto, verifica-se que a relação contratual do "built-to-suit" é extremamente complexa, uma vez que envolve a busca adequada do terreno, contratação de construtora, elaboração de projeto específico a ser desenvolvido em determinado prazo, captação de fundos para o investimento, e assim, deveres e obrigações que se diferenciam daqueles de uma simples relação locatícia.

Desta forma, questiona-se com frequência se o contrato "built-to-suit" é regulado pelo Código Civil (clique aqui), com fulcro no artigo 4251, ou pela Lei de Locações de Imóveis Urbanos 8.245/91 (clique aqui), principalmente no que se refere à aplicabilidade da revisão de aluguel prevista no artigo 19, e da rescisão antecipada do artigo 4º, ambos de mencionada lei.

De fato, o contrato "built-to-suit" trata-se de modalidade contratual atípica, ainda que possua natureza jurídica de locação de imóvel em lato sensu, não possuindo legislação específica que abarque suas especificidades. Logo, aplicam-se as disposições gerais do Código Civil, podendo também ser aplicada a lei 8.245/91, com ressalvas, observando-se as peculiaridades caso a caso, e sempre respeitando os artigos 113 e 422 do Código Civil2.

Assim sendo, em relação ao cabimento da ação revisional de aluguel ao contrato "built-to-suit", e à legalidade de cláusula de renúncia do direito à revisional, a jurisprudência já se posicionou entendendo que esta última não viola o artigo 45 da lei 8.245/913, podendo ser inserida de comum acordo pelas partes no instrumento particular. Neste sentido:

CIVIL. LOCAÇÃO COMERCIAL. PEDIDO REVISIONAL. CLÁUSULA RENUNCIATIVA. VALIDADE. 1 - Não viola o art. 19 e nem o art. 45, ambos da lei 8.245/91 e, muito menos conflita com a súmula 357-STF, a disposição contratual, livremente pactuada pelas partes, na qual o locador renuncia ao direito de propor ação revisional de aluguel, considerando-se ratificada se, após renovação da avença, continua a integrar os seus termos sem nenhuma objeção da parte interessada. Precedente desta Corte. 2 - Recurso não conhecido. (STJ – 6ª turma – Resp 243.283/RJ – Relator: Min. Fernando Gonçalves - j. 16/3/00)

Tal posicionamento se deve ao fato de que o "aluguel" mensal desta modalidade contratual não remunera apenas o direito de uso do imóvel, mas também, todo investimento realizado para a construção ou implementação do imóvel nos moldes encomendados. Portanto, não seria propícia a aplicação da revisional nos contratos "built-to-suit".

Já em relação ao artigo 4º da Lei do Inquilinato4 (clique aqui), que prevê a possibilidade de rescisão antecipada e imotivada por parte do locatário mediante o pagamento de multa de três meses de aluguel, proporcional ao período remanescente do contrato, seria pertinente a aplicação do parágrafo único do artigo 473 do Código Civil5, que se demonstra claramente mais compatível com as particularidades do contrato "built-to-suit", possibilitando que o valor da multa seja proporcional ao valor investido pelo empreendedor no imóvel, a fim de manter o equilíbrio econômico financeiro da relação contratual.

De qualquer forma, ante a ausência de legislação específica à modalidade contratual, e ainda, de posicionamento preciso do Judiciário, muitas vezes gera-se uma situação de insegurança jurídica aos contratantes, que como alternativa ao contrato de locação poderão utilizar-se da concessão de direito real sobre a superfície (CODIRS) prevista e regulada pelo artigo 1.369 e seguintes do Código Civil.

Mediante tal instituto, transfere-se o direito real de uso de superfície do imóvel pelo proprietário a quem desejar construir em seu terreno, por tempo determinado, e registro em cartório. O valor do contrato deverá ser certo e determinado, emitido por meio das CRIs, e correspondente ao crédito imobiliário securitizado.

A vantagem desta modalidade de contratação é que ela não está sujeita à Lei de Locações de Imóveis Urbanos, sendo vedada a revisão do preço e a rescisão mediante pagamento de multa inferior ao valor investido pelo proprietário.

Desta feita, a contratação pelo sistema "built-to-suit" deverá ser realizada analisando-se as peculiaridades do negócio e dos interesses específicos das partes, visando sempre a minimização de futuros conflitos e prejuízos para os contratantes, à medida que se aguarda posicionamento dos Poderes Judiciário e Legislativo que proporcione segurança jurídica. Enquanto não houver lei específica para o caso, espera-se que as cortes judiciais interpretem os contratos de "built-to-suit" de acordo com a real intenção das partes ao celebrar o negócio e suas particularidades, aplicando-se sempre a norma mais compatível ao caso.

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1 Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.

2 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

3 Art. 45. São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto

4 Art. 4º Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. O locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcionalmente ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.

5 Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte. Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.

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*Maria Eugênia Gadia Ulian é advogada do escritório Almeida Guilherme Advogados Associados

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