Migalhas de Peso

O princípio da proporcionalidade e da razoabilidade como fundamentos para a relativização da coisa

Os dois principais, e supremos, valores que o Direito visa tutelar são a segurança e a justiça.

28/7/2005


O princípio da proporcionalidade e da razoabilidade como fundamentos para a relativização da coisa julgada

Alcimor Aguiar Rocha Neto*

Os dois principais, e supremos, valores que o Direito visa tutelar são a segurança e a justiça. Não fosse o Direito ao qual consentimos submetermo-nos, talvez vivêssemos eternamente naquele estado em que Hobbes chamou de natureza, onde lutariam todos contra todos, buscando a própria sobrevivência, e onde o homem seria o lobo do homem. Isto é, os conflitos seriam todos resolvidos lançando-se mão da autotutela. Comprometida estaria a tão nobre segurança e a sensação desta. Da mesma forma, não existisse o Direito, comprometida estaria a justiça, pois, autotutela é sinônimo de injustiça: nela ganha o mais forte, sendo irrelevante o sentido de justo para este.

Não é raro que, quando da aplicação da lei ao caso concreto, se veja um conflito entre princípios constitucionais ou, mesmo, do Direito ou duma determinada seara deste. Diante de situação de tamanha delicadeza – onde dois valores, importantíssimos quando tidos separadamente, aparentemente, repelem-se duma forma tal que só se poderá aplicar um afastando-se o outro – surge o problema de qual deles aplicar-se-ia à indagação sob análise. É de situações dessa monta que se revelam extremamente importantes princípios diretamente ligados ao ideal de justiça como o da proporcionalidade e o da razoabilidade. Tais princípios consubstanciam a idéia da própria insígnia máxima do Direito: a balança da justiça.

Entremos, agora, mais exatamente no tema sobre o qual nos propusemos a tratar.

A Carta Política de 1988 traz em seu bojo dispositivo garantindo que: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. É o seu inciso XXXVI. Coisa julgada é a relação jurídica objeto de apreciação judicial e definitivamente decidida.

Não há direito ou garantia alguma absoluta num arcabouço jurídico. Todos comportam uma relativização em casos excepcionais. Todos, sem exceção. Nem mesmo o direito à vida é absoluto, podendo, por expressa disposição constitucional, ser relativizado em caso de guerra declarada, segundo o contido no inciso XLVII do Diploma Político. Assim, se nem mesmo o mais supremo direito é absoluto, nenhum outro haveria de ser. Corroborando esse pensamento o Supremo Tribunal Federal já decidiu que “não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros” (MS 23.452-RJ, Rel. Min. Celso de Mello).

A existência da coisa julgada encontra fundamento teórico e filosófico no fato de que ninguém pode sentir incerteza com relação a uma pendenga judicial da qual é, ou foi parte, para o resto da vida. A insegurança gera intranqüilidade e ninguém pode ser submetido a uma situação perene de inquietude. É o princípio da segurança jurídica. Há de haver um tempo em que não mais se debaterá a respeito dum assunto já suficientemente discutido. Eis um dos fatores ensejadores do nascimento do Direito: a segurança.

Ninguém pode negar que pode ocorrer de se vir a cometer erros quando do julgamento duma determinada causa, ou pode ser, mesmo, que não se cometa erro algum, aplicando-se o direito de forma perfeita, porém, não tendo acesso a uma informação específica que teria o condão de modificar toda a situação posta em juízo. E se passado o prazo para a propositura da Ação Rescisória surgir fato novo com essas características? Deve-se manter a injustiça patente em homenagem ao princípio da segurança jurídica, ou não? Mereceria homenagem maior o valor da justiça?

Aí o conflito de valores supremos sobre o qual já acima tratamos, passageiramente.

O dogmatismo positivista em excesso, que tenderia a analisar friamente a letra da lei sem levar em conta os fatores da realidade, negando, assim o valor da justiça – como algo abstrato, dissipado nos ares, impossível de se tocar e de se não sentir –, não seria a melhor forma de resolução do problema, da mesma forma que a liberalidade extrema que viesse a permitir o reexame de quase tudo, seria insaudável não mais relativizando a coisa julgada, mas rechaçando-a por total.

Somente a balança do justo, a noção do razoável, o sentimento do proporcional pode vir a dirimir a querela nascida do conflito de princípios. Tanto o da segurança jurídica como o da justiça fazem-se presentes, não só na consciência coletiva do povo, no espírito do senso comum, mas também no próprio texto constitucional de forma expressa ou tácita. O art. 3º da Constituição dispõe que um dos objetivos da República Federativa do Brasil é construir uma sociedade livre, justa e solidária. Note aí o princípio da justiça. Mais à frente, no art. 5º garante que a coisa julgada não poderá ser prejudicada pela lei, consagrando o princípio da segurança jurídica.

Quando depararmo-nos com uma situação que traga problemática como o conflito de valores supremos, havemos de usar e invocar em nosso socorro o princípio da proporcionalidade e o da razoabilidade, pesando os dois valores em combate na balança da justiça para que do resultado da pesagem possamos extrair o nosso julgamento pessoal a respeito da demanda. É somente lançando mão desses instrumentos que o próprio Direito, mas também a filosofia e, mesmo, o senso comum, nos põe à disposição para o uso, que se pode fazer juízo correto, proporcional e razoável acerca de litígio que venha a se apresentar à resolução jurisdicional.
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*Bacharelando em Direito






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