Manuela Porto Ribeiro
Para que uma PEC dos Recursos?
A Proposta, que recebeu o apelido de PEC dos Recursos, é verdadeiramente revolucionária, mas nem tanto pacífica.
A lógica utilizada pelo ministro Peluso ao propor a Emenda à Constituição é bastante simples: deslocamos o momento do trânsito em julgado das decisões para imediatamente após a decisão colegiada de segundo grau e com isto afastamos a 'atratividade' dos recursos destinados às terceira e quarta instâncias, conferindo celeridade e eficácia ao processo.
As consequências é que não são assim tão simples. O deslocamento do momento em que se dá o trânsito em julgado configura alteração do instituto, que está albergado no artigo 5o, XXXVI, da Constituição e é cláusula pétrea, por determinação expressa do artigo 60, § 4o, IV, da Constituição (clique aqui).
Poder-se-ia dizer que o conceito de trânsito em julgado não está na Constituição, mas no Código de Processo Civil (clique aqui), artigo 467, de forma que a alteração do conceito não representaria violação à cláusula pétrea constitucional; os preceitos constitucionais relacionados ao instituto da coisa julgada simplesmente se adequariam ao novo conceito.
Ocorre que assim não permitem a hermenêutica histórica e sistêmica, pois o legislador constituinte elevou à condição de garantia constitucional aquela coisa julgada tal como definida no artigo 467 do Código de Processo Civil. Acaso fosse outro o conceito, certamente outro teria sido o enfoque constitucional.
De qualquer forma, o verdadeiro ponto que queremos abordar neste breve comentário à PEC dos Recursos é o da sua desnecessidade. Tudo o que a proposta se propõe a fazer já possui solução em nosso sistema processual.
No que diz respeito ao sistema processual civil, os recursos especial e extraordinário já não possuem efeito suspensivo, sendo recebidos tão somente no efeito devolutivo1. Para se obter o efeito suspensivo faz-se necessário o ajuizamento de uma medida cautelar perante o tribunal superior destinatário do recurso.
O efeito devolutivo garante a possibilidade de reforma da decisão judicial pelo órgão jurisdicional hierarquicamente superior, mas, desacompanhado do efeito suspensivo, não retira a vigência e eficácia da decisão judicial.
Assim, decidida pelo tribunal regional de segunda instância, a lide está pronta para ser executada, cumprida provisoriamente, o que se dará "no que couber, do mesmo modo que a [execução] definitiva" (artigo 475-O do Código de Processo Civil).
E vale esclarecer que o sistema processual da execução provisória possui mecanismos próprios de garantia ao devido processo legal e de eventual retorno ao status quo ante. Vale a pena que se faça uma revisita às normas constantes dos artigos 475-I e seguintes do Código de Processo Civil.
No Estado Democrático de Direito não se deve relativizar com tamanha facilidade aquilo que está posto na Constituição da República. E deve-se abandonar, de uma vez por todas, esta ideia recorrente de que não temos uma boa legislação.
A sensação de impunidade não decorre da falta de normas ou de normas lenientes, mas na deficiência encontrada em todas as ramificações e pólos do Poder Judiciário em efetivar as normas postas.
O Poder Judiciário é lento porque ainda está mal equipado e porque está realmente abarrotado, não só de recursos eminentemente protelatórios (é de se reconhecer que eles existem, mas não devem levar a culpa sozinhos), mas de causas que sequer deveriam ser levadas ao Poder Judiciário.
Neste sentido temos inúmeros casos de abusos do próprio Estado. Seria o caso, de revermos, por exemplo, a remessa oficial em favor do Estado e o papel das Agências Reguladoras, que muito contribuem para o inchamento da máquina estatal, mas pouco fazem em favor dos consumidores na área da telefonia, entre outras.
O Código de Defesa do Consumidor Brasileiro é legislação avançadíssima no assunto. É, inclusive, estudado por outros países. Entretanto, o consumidor brasileiro ainda sofre com o desrespeito aos seus direitos e, ao invés de agentes estatais, regulamentadores e fiscalizadores, eficientes, temos juizados especializados em questões consumeristas relacionadas às empresas de telecomunicação. Ou seja, ao invés de cumprirmos a legislação já existente, optamos por criar vias de maior inchaço ao Poder Judiciário.
Concluímos com este breve texto, que o problema do Poder Judiciário Brasileiro não é da legislação, mas de gestão, razão pela qual poucas mudanças e nenhuma revolução advirá da PEC dos Recursos.
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1 Código de Processo Civil - Art. 497. O recurso extraordinário e o recurso especial não impedem a execução da sentença; a interposição do agravo de instrumento não obsta o andamento do processo, ressalvado o disposto no art. 558 desta Lei. Art. 542. Omissis. § 2o Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo.
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*Manuela Porto Ribeiro é advogada do escritório José Anchieta da Silva Advocacia – JASA
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