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Singelas diferenças entre os crimes de furto qualificado mediante fraude e estelionato na utilização de cartões magnéticos

Apesar de não haver grandes distinções entre os dois institutos, percebe-se que a maioria dos responsáveis pela persecução criminal confunde o furto qualificado mediante fraude e o estelionato.

23/8/2011

Singelas diferenças entre os crimes de furto qualificado mediante fraude e estelionato na utilização de cartões magnéticos

Ricardo Henrique Araújo Pinheiro*

O relatório sobre a indústria de cartões de pagamentos adendo estatístico 2008/2009 do Banco Central do Brasil revelou que no 4º trimestre de 2009, existiam no Brasil 152,3 milhões de cartões de crédito emitidos, dos quais 74,9 milhões ativos e 221,4 milhões de cartões de débito emitidos, dos quais 57,7 milhões ativos.

Consta do citado documento que, em 2009, foram realizadas 2,8 bilhões de transações com cartão de crédito, o que representa um crescimento de 28,7% em relação a 2007. Por sua vez, as transações com cartões de débito chegaram a 2,3 bilhões, 40,3% acima do volume de 20071.

O alto crescimento dessa modalidade de pagamento revela a necessidade de uma legislação específica para tratar o tema (o que não será objeto de estudo deste trabalho). Hoje em dia, os crimes relacionados à utilização fraudulenta de dados e a clonagem de cartões magnéticos são tratados pelo Código Penal (clique aqui), que os qualificou como furto qualificado mediante fraude e estelionato (art. 155, § 4º, II e art. 171, ambos do Código Penal).

Apesar de não haver grandes disparidades entre os dois institutos comentados neste trabalho, percebe-se que grande parte dos responsáveis pela persecução criminal continua confundindo a diferença existente entre o furto qualificado mediante fraude e o estelionato. Pretendemos, destarte, mostrar para o leitor que a diferença estrutural entre os dois delitos reside no fato de que no furto qualificado mediante fraude a vítima não participa da empreitada criminosa, enquanto no estelionato a vítima é induzida em erro, e voluntariamente entrega o bem ao infrator.

Conforme ressaltamos na introdução deste trabalho, no furto qualificado a vítima não entrega seus dados pessoais ao infrator2. Ela não concorre para a fraude. O infrator se utiliza de expedientes ilegais para a obtenção de dados sigilosos. Em regra, a obtenção dos dados é conseguida através de instalação de dispositivos eletrônicos nos sistemas de segurança dos bancos ("chupa cabra")3. Para que fique claro, a aquisição de cartões e senhas para a realização de saques de quantias transferidas de forma fraudulenta pela internet configura furto qualificado mediante fraude, pois o dinheiro não é transferido pela vítima, ou com sua permissão, mas contra sua vontade4.

A consumação do delito narrado no artigo 155, §4º, II do Código Penal se dá com a subtração do dinheiro, ou seja, no momento em que a coisa é retirada da esfera de disponibilidade da vítima, sem o seu consentimento. O dinheiro é subtraído contra sua vontade, expressa ou presumida5. Nesse passo, a consumação do crime de furto mediante fraude ocorre no lugar onde se localiza a agência do correntista, pois a inversão da posse acontece quando o bem sai da esfera de disponibilidade da vítima, gerando prejuízo6, de modo que a competência para o processamento e o julgamento do delito será do juízo do local da consumação da fraude7.

Vale destacar, caso a fraude tenha sido praticada em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas – como é o caso da Caixa Econômica Federal – deverá ser aplicada a regra prevista no artigo 109, IV, da CF (clique aqui), para que o processamento e o julgamento da infração ocorram perante a Justiça Federal do local onde está situada a agência bancária da vítima. Nesse passo, é irrelevante o lugar onde foi efetuado o saque através de cartão magnético fraudado ou onde foram obtidos os dados sigilosos da vítima8. De outro lado competirá à Justiça Estadual processar e julgar o crime de furto qualificado mediante fraude praticado em detrimento do Banco do Brasil (ou instituições similares), porquanto se trata de sociedade de economia mista e não há interesse da União no feito9.

No estelionato a participação da vítima é necessária. Ela é iludida pelo infrator a entregar voluntariamente os seus dados. A vantagem ilícita é obtida pela indução da vítima em erro, que voluntariamente fornece seus dados pessoais ao criminoso10.

Diferentemente do crime de furto qualificado mediante fraude em que a consumação do delito será o local onde está situada a agência bancária da vítima, no estelionato, a consumação da infração será o local em que foi praticada a fraude, sendo, portanto, indiferente a localização da agência bancária da vítima. Fixa-se a competência pelo local em que se obteve a vantagem patrimonial em detrimento alheio11.

Aliás, em havendo multiplicidade de vítimas e não sendo possível definir o local exato da infração, deverá ser aplicado o disposto no artigo 70 § 3º c.c o artigo 83 do CPP (clique aqui), segundo os quais: "incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção"12, ou seja, estará prevento o juízo igualmente competente que tiver praticado o primeiro ato no processo. O critério da jurisdição será o mesmo estabelecido ao delito de furto qualificado mediante fraude, aplicando-se a regra prevista no artigo 109, IV, da CF.

A diferença presente entre os delitos em análise parecem simples, mas são reiteradamente empregadas com deficiência pela Polícia Judiciária e pelo próprio Poder Judiciário, daí a existência dos inúmeros conflitos de competência, cuja maioria das teses elaboradas visa à declaração de distinção da teoria na qual deverá ser empregada ao furto qualificado mediante fraude e ao estelionato.

Para nós a diferença marcante entre o delito de furto qualificado mediante fraude e o estelionato é a de que naquele crime (o de furto qualificado) não há o consentimento da vítima para que a fraude seja perpetrada, ou seja, a vítima não concorre para a fraude. Já no estelionato, a vítima, voluntariamente, entrega os seus dados sigilosos ao infrator, pois tem a convicção de que está fazendo a coisa certa.

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1 Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos, Adendo Estatístico – 2008/2009, julho/2010.

2 ACR 0001249-85.2005.4.01.3802/MG, Rel. Desembargadora Federal Assusete Magalhães, 3ª turma, e-DJF1 p.153 de 9/4/2010.

3 ACR 2006.34.00.021261-2/DF, Rel. Juiz Tourinho Neto, 3ª turma, e-DJF1 p.78 de 20/11/2009.

4 ACR 2005.39.01.000362-0/PA, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, 3ª turma, e-DJF1 p.221 de 28/3/2008.

5 RCCR 2006.35.03.005517-9/GO, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, 3ª turma, DJ p.20 de 1/6/2007.

6 CJ 201002010023990, Rel. Desembargadora Federal Liliane Roriz, 2ª turma Especializada, EDJF2R p. 58 de 10/5/2010.

7 CJ 200903000445503, Rel. Desembargador José Lunardelli, 1ª seção, DJF3 CJ1 p. 24 de 29/9/2010.

8 CJ 200882000044024, Rel. Desembargador Federal Francisco Barros Dias, Pleno, DJE/TRF-5 p. 159 de 30/9/2010.

9 CC 40793, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Terceira Seção, DJ/STJ p. 152 de 19/4/2004.

10 ACR 200705000773400, Rel. Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, 3ª turma, DJE/TRF-5 p. 227 de 16/6/2010.

11 CC 101900, Rel. Ministro Jorge Mussi, 3ª seção, DJE/STJ de 6/9/2010.

12 CC 95343, Rel. Ministro OG Fernandes, 3ª seção, DJE/STJ de 24/4/2009.

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*Sócio do escritório Araújo Pinheiro Advocacia Criminal

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