Preparado para partir?
Gilberto de Mello Kujawski*
O livro tem por subtítulo a interrogação Pronto para Partir?, enunciado crucial, mais eloquente que o próprio título.
Não se trata de um livro comum, em feitio de mera pesquisa acadêmica, e sim de um depoimento muito pessoal, de quem sofreu a fundo toda a dramaticidade encerrada no tema da morte, e foi pressionado intimamente a acertar as contas com a fatalidade da partida rumo ao desconhecido.
"É raro que alguém se prepare para a morte. Convivi com alguém que foi exceção. Minha mãe falou sobre a morte continuamente. Possuía numa caixa o vestido com que foi enterrada. Cumprimos sua vontade" (p.173).
Palavras reveladoras nas quais vislumbramos qual foi a mola que desencadeou o livro, e que nos transmitem o retrato do autor: um homem profundamente ligado aos valores tradicionais, excelente filho e pai de família, de formação religiosa, bom profissional, bom amigo, e meticuloso cumpridor dos rituais da piedade cristã.
Em busca do sentido da morte, Nalini passa em revista a abordagem da morte na filosofia, na medicina, na psicanálise, na religião, na literatura, onde colhe pensamentos densos e imagens belíssimas, a exemplo desta citação de Pascal Mercier no livro Trem noturno para Lisboa (Record): "Não quero viver num mundo sem catedrais. Preciso da sua beleza e da sua transcendência. Preciso delas contra a vulgaridade do mundo. Quero erguer o meu olhar para seus vitrais brilhantes e me deixar cegar pelas cores etéreas. Preciso do seu esplendor. Preciso dele contra a suja uniformidade das fardas. Quero cobrir-me com o frescor das igrejas. Preciso do seu silêncio imperioso. ...Quero escutar o som oceânico do órgão, essa inundação de sons sobrenaturais" (p. 89).
O autor focaliza a rápida dessacralização e banalização da morte, cada vez mais despojada da aura de mistério que a envolvia no tempo das catedrais. Chama atenção sobre a importância do luto, cita os mais diversos autores, Nelson Rodrigues, Elias Canetti, Philip Roth, Lygia Fagundes Telles, Yeats, Eliot, John Donne, Álvares de Azevedo, Guimarães Rosa ("as pessoas não morrem: ficam encantadas"), e Paulo Bomfim: No cemitério os mortos estendem aos vivos a flor do silêncio, ou os retratos dos avós são espelhos onde vivos e mortos se reconhecem.
Nos capítulos finais, o livro, que vinha numa escalada progressiva, cresce ainda mais. Nalini termina seu mergulho no tema, falando das despedidas, das coisas a fazer antes de morrer, do medo da morte, do morrer em paz, enquanto a morte não vem, depois da morte, suas incertezas, e cita Krishnamurti. Indagado como ele se preparava para a morte, respondeu, singelamente: "Todos os dias morro um pouco." E Nalini despede-se do leitor repetindo a pergunta: "pronto para partir?" E responde que para a grande viagem, "a bagagem nunca estará pronta". Partimos em dívida conosco mesmos. Mas, "se a vida é curta, seu conteúdo pode ser imenso. Depende de cada qual impregná-lo de densidade, para que, ao final da jornada, toda e qualquer vida tenha valido a pena. E que a morte seja o ponto de convergência de uma bela aventura."
Ao terminar o livro, o leitor respira uma paz interior profunda, seu efeito é espiritualmente sedativo. Ficamos depurados do medo, do pavor, da angústia, e repousamos a cabeça no seio do desconhecido como a criança pequena no colo da mãe.
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*Ex-promotor de Justiça. Escritor e jornalista
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