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Publicidade infantil: retomada das discussões

O debate sobre os limites da publicidade dirigida a crianças e adolescentes intensifica-se diante das propostas de projetos de lei que se encontram em trâmite no Congresso Nacional, mobilizando os mais diversos setores da sociedade.

11/7/2011


Publicidade infantil: retomada das discussões


André Zonaro Giachetta*

Larissa Galimberti**

O debate sobre os limites da publicidade dirigida a crianças e adolescentes intensifica-se diante das propostas de projetos de lei que se encontram em trâmite no Congresso Nacional, mobilizando os mais diversos setores da sociedade.

Entre esses projetos, destaca-se o PL 5.921 (cique aqui), de 12/12/2001, de autoria do deputado Federal Luiz Carlos Hauly, que propõe a alteração do § 2º do art. 37 da lei 8.078/90 (clique aqui) - Código de Defesa do Consumidor ("Projeto de Lei"). Neste ano de 2011, o Projeto de Lei foi desarquivado em fevereiro, retomando as suas discussões.

I. O PROJETO DE LEI E AS QUESTÕES CONSTITUCIONAIS A RESPEITO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E COMUNICAÇÃO

De acordo com a redação original do PL, propõe-se a proibição da publicidade destinada a promover a venda de produtos dirigidos a crianças, sob a justificativa de que a publicidade configuraria uma "coação ou chantagem" para a compra de bens que seriam, muitas vezes, desnecessários e incompatíveis com a renda familiar.

Não há dúvida de que os legisladores e aqueles que apoiam a posição mais radical de proibição de propaganda infantil são movidos por razões louváveis. No entanto, não se pode imputar à publicidade os males da sociedade, como consumismo, obesidade, violência e fomento à desigualdade social. Banir a publicidade não irá solucionar esses problemas decorrentes do cotidiano da sociedade brasileira atual, dos hábitos de vida, das tendências de comportamento, de aspectos econômicos e sociais muito mais sensíveis. Acreditar que a censura à publicidade poderia solucionar esses males é uma ingenuidade!

Por outro lado, não se pode ignorar que a publicidade desempenha um papel fundamental na economia de mercado, pois visa a permitir a divulgação de produtos e serviços e a difusão de ideias, de forma a garantir o acesso à informação e o poder de escolha do consumidor, bem como fomenta a concorrência entre os agentes econômicos. Novos produtos ou serviços não teriam como competir se não pudessem ser levados ao conhecimento dos consumidores através da publicidade.

Ademais, o direito da liberdade de expressão e de comunicação através da publicidade está constitucionalmente previsto no art. 5º, incisos IV, IX e XIV, que determinam, como princípios fundamentais, a livre manifestação do pensamento; a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; e o acesso à informação (que inclui o direito de informar e o direito de ser informado).

Somando-se a isso, no art. 220, caput, o constituinte reforçou que "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição".

Com o intuito de equilibrar os direitos à liberdade de comunicação publicitária e outros princípios constitucionais, a própria Constituição Federal (clique aqui) estabeleceu os limites à publicidade. O § 4º do art. 220 dispõe que a propaganda de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita apenas às seguintes restrições: (i) veiculação de advertência, sempre que necessário, sobre os malefícios decorrentes de seu uso; e (ii) previsão, por lei Federal, de meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Portanto, qualquer proibição à atividade publicitária em caráter de verdadeira "censura" viola frontalmente os direitos fundamentais previstos constitucionalmente.

II. SISTEMA BRASILEIRO DE DISCIPLINA DA PUBLICIDADE DIRIGIDA A CRIANÇAS E ADOLESCENTES

É importante destacar que, no Brasil, há um sistema de disciplina de publicidade equilibrado que, ao invés de censurar a prática lícita da atividade publicitária, estabelece os princípios que devem ser observados na propaganda. Esse sistema é composto tanto por legislação infraconstitucional como pela autorregulamentação da atividade publicitária.

(i) legislação infraconstitucional

O Código de Defesa do Consumidor (clique aqui) apresenta diversos dispositivos legais dispersos sobre a publicidade. O art. 6º, incisos II, III e IV, dispõe que são direitos básicos do consumidor a educação e a divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, assegurada a liberdade de escolha do consumidor; a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços; e a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva.

O dever de os fornecedores prestarem ao consumidor informações necessárias e adequadas ainda está previsto nos arts. 8º, 9º e 31 do mesmo Código. Já os arts. 30 e 35 disciplinam a vinculação dos fornecedores à oferta (publicidade) que fizeram de seus produtos e serviços.

Os arts. 36 e 37, por sua vez, estabelecem que a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor a identifique como tal, bem como vedam a realização de qualquer publicidade que seja enganosa ou abusiva.

O art. 39 dispõe expressamente sobre a proibição de que o fornecedor se prevaleça da fraqueza ou ignorância do consumidor em vista de sua idade, saúde, conhecimento ou condição social.

Já na lei 8.069/90 ("Estatuto da Criança e do Adolescente" - clique aqui), fica vedado o anúncio de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições em revistas e publicações destinadas ao público infanto-juvenil.

(ii) autorregulamentação publicitária

Em relação à autorregulamentação, não se pode deixar de mencionar a relevante atuação do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária - Conar em manter o justo equilíbrio entre a proteção dos direitos dos consumidores e da leal concorrência, e a liberdade de criação intelectual, tendo como principal vantagem desse sistema a possibilidade de que as normas éticas por ele editadas acompanhem a evolução da técnica publicitária, respeitem a transformação social e estimulem o desenvolvimento econômico do País.

Nesse sentido, desde o início o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBARP) prevê regras de proteção à criança e ao adolescente, as quais foram complementadas em 2006 diante da necessidade de adaptá-las às novas necessidades sociais.

Somando-se aos princípios gerais do CBARP, a publicidade infantil vem regulamentada de forma abrangente na Seção 11 "Crianças e Jovens" e nos Anexos A, I, H, especificamente em relação à publicidade de bebidas alcoólicas, medicamentos, alimentos, refrigerantes, sucos e bebidas assemelhadas.

Em relação à Seção 11, destacam-se as seguintes regras:

a) a publicidade não pode dirigir apelo imperativo de consumo diretamente à criança (artigo 37, CBARP);

b) a publicidade deve abster-se, entre outras regras, de:

desmerecer valores sociais positivos, como a amizade, urbanidade, honestidade, justiça, generosidade e respeito a pessoas, aos animais e ao meio ambiente;

provocar qualquer tipo de discriminação;

associar crianças e adolescentes a situações incompatíveis com sua condição;

impor a noção de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na sua falta, a inferioridade;

provocar situações de constrangimento aos pais ou responsáveis, ou molestar terceiros, com o propósito de impingir o consumo; e

utilizar situações de pressão psicológica ou violência que sejam capazes de infundir medo;

c) em relação aos produtos dirigidos a crianças e adolescentes, a publicidade deverá:

procurar contribuir para o desenvolvimento positivo das relações entre pais e filhos, alunos e professores, e demais relacionamentos que envolvam o público-alvo;

respeitar a dignidade, ingenuidade, credulidade, inexperiência e o sentimento de lealdade do público-alvo;

dar atenção especial às características psicológicas do público-alvo, presumida sua menor capacidade de discernimento;

obedecer a cuidados tais que evitem eventuais distorções psicológicas nos modelos publicitários e no público-alvo; e

abster-se de estimular comportamentos socialmente condenáveis.

d) fica vedada a participação de crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas demonstrações pertinentes de serviço ou produto; bem como a participação em anúncio que promova o consumo de bens e serviços incompatíveis com sua condição.

O Anexo "H", que disciplina a publicidade de "Alimentos, Refrigerantes, Sucos e Bebidas Assemelhadas", lista uma série de requisitos que devem ser observados pelos anunciantes. Entre eles destaca-se a proibição de, quando for o produto destinado à criança, realizar qualquer estímulo imperativo de compra ou consumo, inclusive, por personagens que os interpretem, salvo em campanhas educativas, de cunho institucional que promovam hábitos alimentares saudáveis.

Como se vê, no âmbito da autorregulamentação publicitária, mediante esforço conjunto da sociedade civil, dos anunciantes, das agências de publicidade e dos veículos de comunicação foi possível estabelecer regras abrangentes e restritivas à publicidade dirigida a crianças e adolescentes, sem que, para isso, fosse preciso "censurar" a liberdade de expressão e de comunicação publicitária.

III. CONCLUSÃO

Em um Estado Democrático de Direito, os debates em torno de questões sensíveis à sociedade são de extrema importância para a evolução e o desenvolvimento de suas instituições. Nesse sentido, não se pode ignorar a relevância das discussões acerca da publicidade infantil, com envolvimento dos mais diversos setores.

Torna-se indispensável a ponderação da proteção das crianças e dos adolescentes e dos valores fundamentais de liberdade de expressão e comunicação, e de livre iniciativa previstos constitucionalmente, sem que se adote uma atitude "simplista" de censura à atividade publicitária sob a justificativa de solução de males sociais que efetivamente não são causados pela publicidade.

Portanto, o justo equilíbrio emerge das normas da autorregulamentação publicitária que, a despeito de conjugar os interesses dos consumidores e dos agentes econômicos, reflete a disciplina da publicidade infantil de modo a restringir os abusos publicitários, sem censurar a atividade publicitária e o direito das empresas de divulgarem os seus produtos no mercado de livre concorrência.

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*Sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados

*Associada da área de Propriedade Intelectual do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2011. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS

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