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Breves impressões sobre Direito e Tecnologia

Tempos atrás, em uma atividade acadêmica, eu tive a oportunidade de interpretar as novas relações (virtuais e) interpessoais trazidas pela então recente tecnologia sob os clássicos preceitos jurídicos de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, um dos nomes mais expressivos do universo intelectual brasileiro.

6/7/2011


Breves impressões sobre Direito e Tecnologia


Alexandre Gindler de Oliveira*

Tempos atrás, em uma atividade acadêmica, eu tive a oportunidade de interpretar as novas relações (virtuais e) interpessoais trazidas pela então recente tecnologia sob os clássicos preceitos jurídicos de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, um dos nomes mais expressivos do universo intelectual brasileiro. Falecido aos 22 de dezembro de 1979, ele certamente, durante sua vida, muito se beneficiou de alguns meios de telecomunicação, tais quais o telefone e, em mais avançada idade, a televisão, muito embora pouco interesse jurídico estes nele despertassem. Internet, todavia, era algo que, naquela época, pouco ou nada se sabia, pelo menos desse jeito em que hoje está formatada.

Pois bem, naquela ocasião, confesso, inebriado por uma prepotência sem causa, mergulhei firme na ideia de que, através daquele estudo, meu estudo, a teoria geral do direito até então conhecida passaria a ser considerada, como o telex ou o telégrafo, ultrapassada. Para minha agradável surpresa, no entanto, fracassei. Explico. Notei, durante o trabalho, que as questões sobre existência, validade e eficácia dos negócios jurídicos ou, mais especificamente, dos contratos, ainda estavam perfeitamente aplicáveis, irretocáveis. O que se tinha por diferente, por outro lado, era a base onde as situações concretas aconteciam. Nada mais.

Veja-se, como tradicional exemplo, a compra e venda de determinado objeto. Ao mesmo tempo em que se podia comparecer (como, de fato, ainda se pode) à determinada loja e lá adquirir determinado produto através de uma contraprestação em dinheiro, hoje (e há algum tempo) esta mesma operação pode ser feita sem se sair de casa. Basta estar com um computador conectado a uma linha telefônica ou a um cabo de transmissão de dados, ou basta até mesmo manejar, de qualquer lugar, em ampla mobilidade, um celular dotado de suficiente programação, que, pronto, você está apto a celebrar um contrato de compra e venda de bem móvel. Simples assim.

Esta conclusão foi, na verdade, um alívio. Minha petulante prepotência, no início, cegou-me do caos que seria mudar todo um sistema jurídico, sedimentado há séculos, a cada nova tecnologia que surgisse. Impensável. Se o nosso direito, fundado em normas e leis postas pela sociedade, ou, pelo menos, por aqueles que dizem representar a sociedade, muda, por sua própria estrutura, com tanta dificuldade, ele jamais conseguiria alcançar a velocidade com que evoluem as tecnologias. E, aí, ter-se-ia uma perigosa defasagem, onde imperaria a total ausência de regulamentação.

Assim, assustado por essa visão, esforcei-me em, cada vez mais, aplicar os ensinamentos fundamentais de direito às situações a partir de agora observadas. É claro que, apesar disso e em adição a isso, algumas adaptações são simplesmente imprescindíveis, muito embora há quem defenda que a internet é um meio autorregulável. Se um dia me perguntassem sobre isso, eu certamente diria que não é bem assim: a inexistência de normas jurídicas não exclui a existência de normas de ordem moral, por exemplo, o que, por si só, já prejudica o adjetivo por aqueles utilizado.

Quanto a tais adaptações, lembro-me que uma de minhas preocupações, àquela época, era conseguir definir qual o exato momento em que se vinculavam as partes durante a celebração de um negócio jurídico via internet, ou, em outras palavras, quando se dava a aceitação à proposta, irradiando, a partir daí, direitos e obrigações a ambos participantes. Admito que ainda não cheguei a qualquer resposta mais conclusiva. Se é certo que, pelo processamento eletrônico de dados, a entrada da informação no servidor de destino é essencial, é certo também, de outro extremo, que, uma vez enviada do servidor de origem, tal não pode mais ser recolhida ou sequer retratada... Nem é preciso pensar de forma tão técnica para encontrar maiores questões.

A pirataria e o total desrespeito aos direitos autorais, por exemplo, são, hoje, atos corriqueiros. O dano às informações, o furto de dados valiosos, as relações de trabalho mantidas à distância, a tributação dos serviços que provêm nosso acesso à rede de computadores e até mesmo as relações amorosas mantidas no meio virtual, tudo isso já nos dá uma ideia da importância deste tema. Pois várias outras situações, de igual maneira, encontram-se, ainda, desprovidas de maiores certezas jurídicas, de forma a desafiar, dia a dia, os operadores do Direito a construírem dentro do frio sistema normativo um criativo complexo de interpretações.

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* Advogado da Advocacia Hamilton de Oliveira










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