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Qualificação profissional para o exercício de determinadas atividades – a administração de empresas

O Conselho Federal de Administração deliberou, por intermédio de sua RN 293/04, reforçar a obrigatoriedade de registro, junto aos Conselhos Regionais, daquele profissional que venha a exercer cargo de “Administração de Sociedade” ou “Gerência”.

26/7/2005


Qualificação profissional para o exercício de determinadas atividades – a administração de empresas, por exemplo

José André Beretta Filho*

O Conselho Federal de Administração deliberou, por intermédio de sua RN 293/04, reforçar a obrigatoriedade de registro, junto aos Conselhos Regionais, daquele profissional que venha a exercer cargo de “Administração de Sociedade” ou “Gerência”.

Diversas manifestações se seguiram criticando a medida, dando-a por inconstitucional e ilegal e para tanto elencando várias razões jurídicas.

Em que pesem os argumentos contrários à Resolução, o objetivo deste pequeno estudo é o de indicar que o tema requer atenção mais acurada e preocupação por parte de todos devido à dimensão que o mesmo abrange.

Primeiramente, é necessário apontar que vivemos em um país que vem consagrando, ao longo dos tempos, a idolatria aos títulos profissionais (e, agora mais recentemente, os de nível “técnico” e que se estruturam em cursos de pequena duração) e a concomitante regulamentação de profissões.

Nessa linha, ao lado das tradicionais profissões, onde a formação universitária é curial e reconhecida desde longa data (bacharéis em direito, médicos, engenheiros, químicos, físicos etc), outras mais foram se estruturando e se corporificando, inclusive via organizações profissionais, algumas com maior cunho científico, outras menos científicas (administradores, representantes comerciais, corretores imobiliários etc).

Em todos os casos, porém, independentemente do tipo de formação educacional exigida (p.ex.: título de educação superior), todas essas situações caracterizam-se por: (a) definir um tipo de profissional; (b) regulamentar um mercado de trabalho específico que, por força de lei, somente pode ser exercido por aqueles profissionais que façam parte, efetivamente, da corporação (a ausência de registro configurando exercício irregular de profissão); e (c) sujeição dos infratores a sanções civis e penais (neste caso uma contravenção penal, vide art. 47 do Decreto-lei 3.688/41).

Tão forte é esse espírito que muita briga é gerada para se conquistar (ou recuperar) essa regulamentação, como ocorre, por exemplo, no caso dos agentes de propriedade industrial, profissão cuja regulamentação volta a se estruturar, criando conflitos entre advogados e ditos agentes.

Nessa toada, não é de se descartar, pois, que venhamos a ter, no futuro, o “Conselho Federal dos Encanadores, dos Sapateiros”, tudo devidamente regulado pela lei, objetivando, como sói acontecer, melhorar a proteção da sociedade quanto à qualidade dos serviços que recebe, mas também assegurando uma inevitável reserva de mercado aos dignos membros da respectiva categoria.

Curiosamente, porém, também vivemos em um país onde o exercício da função do Ministro do Supremo Tribunal Federal requer, do candidato potencial, as seguintes qualificações: “... cidadãos com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.”

Desçonheço caso real onde o Ministro do STF não seja um bacharel em Direito, no entanto, a Constituição não exige seja ele bacharel em Direito, eis que o notável saber jurídico pode ser adquirido de várias formas.

Da mesma forma, vivemos num país onde não ofende ao senso comum a idéia de que o Ministro da Fazenda seja um médico, ou um sociólogo, isto para manter a neutralidade política ao longo dos tempos, ou que o Ministro da Saúde seja um economista; isto é, sem que tenham formação profissional específica.

Embora existentes, as reservas de mercado não são invocadas nesses casos, nem também em diversos outros.

Coloco, então, em discussão a polêmica, objeto deste pequeno trabalho: o alcance da RN CFA 293/05.

Diz a norma:

“Art. 1º O Administrador de Sociedade, ... , está obrigado ao registro de Administrador previsto na Lei 4.769, de 9 de setembro de 1.965:

a) quando, além das atribuições de proprietário ou sócio, exercer atribuições executivas legalmente destinadas ao profissional Administrador em razão de assunção de cargo previsto em organograma ou plano de cargos da sociedade;

b) quando, alheio ao quadro societário, for contratado especialmente para o fim de exercer a Administração da sociedade.”

É de se verificar, pois, para efeito interpretativo do alcance da norma, que ela, em momento algum, firma uma regra ou um princípio geral de que a administração societária requer sempre o registro profissional.

Em primeiro lugar, a norma é clara ao indicar que isso ocorre quando se tratar de atribuição destinada ao profissional, isto é, for decorrente de atividade legalmente destinada ao profissional, sendo forçoso dizer-se que a Lei 4.769/65 continua em pleno vigor e eficácia, não se podendo alegar que seu alcance foi limitado ou revogado pela Lei 6.404/76.

Em segundo lugar, isso também se aplica quando há contratação específica para a função profissional de administrador, seja como empregado, daí porque a norma fala em “cargo previsto em organograma ou em plano de cargos da sociedade”, ou consultor autônomo.

Quer me parecer que, nesses casos, a Lei 4.769/65 tem sentido em ser aplicada e exigida, porquanto há reserva legal.

Isto será tanto mais verdade quanto mais claras e explícitas estiverem as regras societárias e trabalhistas internas, como por exemplo, quando um estatuto ou contrato social definir as competências e atribuições de seus administradores, ou quando a empresa adotar sistemas onde haja descrição de cargos e funções (fato esse corriqueiro), independente do registro dos mesmos junto às autoridades.

Assim, por exemplo, se dos documentos societários constar que o “Diretor Financeiro” será aquele responsável pela “administração dos assuntos financeiros, controle de investimentos, aplicações, fluxos de caixa etc”, quer me parecer que se trata de atividade profissional restrita aos administradores regulados pela Lei 4.769/65 (art. 2º., b), ainda que eu possa julgar que existam outras pessoas capazes para tanto.

Acrescento que, nessa linha, essa disposição implica em se reconhecer que o mesmo tipo de tratamento deve ser dado a outras atividades regulamentadas dentro das organizações, como por exemplo: o Diretor Jurídico deve ser advogado, o Diretor Técnico de uma indústria química deve ser um químico, etc, pelo que julgo que o CFA (ou os CRA) jamais iria polemizar com o CFAE (CREA) ou CFOAB (ou Seccionais), dentro das reservas de mercado de cada atividade.

Para aumentar o calor do debate, trago à baila o disposto no artigo 147 da Lei das S.A. (Lei 6404/76):

“Art. 147. Quando a lei exigir certos requisitos para a investidura em cargo de administração da companhia, a assembléia geral somente poderá eleger quem tenha exibido os necessários comprovantes, dos quais se arquivará cópia autêntica na sede social”.

Em minha leitura, parece-me evidente que a Lei das S.A., ao menos no que diz respeito aos Administradores societários , deixou claramente indicada que a qualificação profissional é condição compulsória para a eleição para tais cargos e que tão relevante é essa análise que é a Assembléia Geral que deve ter ciência, pela análise da comprovação documental, cuja cópia autêntica ficará arquivada na sede social, do fato para decidir.

Essas observações são importantes porquanto as normas voltadas ao exercício de profissões não podem ser vistas como anulando o conceito de empresário, o qual, como empreendedor de um negócio, tem a capacidade de, enquanto sócio, executivo ou dirigente, por em movimento o sua organização, a sua empresa, até porque tais qualificantes não são de cargo ou função mas sim de situação frente à propriedade dos meios produtivos.

O que as normas trazem à baila e levam ao debate é que, para o exercício QUALIFICADO de certas funções ou cargos, o sistema legal nacional vem impondo a correlação desses cargos ou funções com uma formação profissional, acadêmica (advogados, administradores) ou não (corretores de imóveis, representantes comerciais).

Ainda, e pensando no debate, lanço às seguintes questões para reflexão, e que por vezes vai além da atuação dos Administradores de Empresas:

a) é razoável, num mundo altamente competitivo, onde a responsabilidade empresarial é crescente, fruto de uma governança corporativa mais eficaz e que reconhece a importância da boa gestão empresarial como elemento de sustentabilidade das economias e, portanto, dos países e suas comunidades, admitir-se que a administração das atividades estejam a cargo de pessoas que não tenham qualificações técnicas compatíveis?

b) pode uma grande empresa petrolífera ou energética, de capital aberto, que tenha milhões de investidores, permitir que sua Diretoria Técnica seja entregue a quem não tenha formação específica no setor?;

c) como fica um diretor financeiro, que não tenha formação específica, diante de situações de risco, onde se requeira a tomada de decisões baseadas em pareceres técnicos ou em opiniões de subordinados com qualificação profissional?;

d) como ficam os sócios, em particular os minoritários, de uma sociedade que naufraga comercialmente, quando se verifica, por exemplo, que o seu diretor financeiro era um engenheiro civil, o seu diretor técnico era um corretor de imóveis e seu diretor administrativo um representante comercial?; e

e) por que não incorporar à realidade dos profissionais habilitados e tituladas aqueles que, aproveitando-se dos avanços havidos com os cursos de especialização, mestrados etc, buscam melhorar e aprimorar suas qualificações, ampliando suas capacitações e complementando suas formações, de modo a poderem gerir negócios?; e

f) por que as corporações profissionais (Ordens, Conselhos etc), não incorporam às suas classes os profissionais que, oriundos de uma formação, ampliam suas competências em outras?

Comento, por oportuno, que a rejeição absoluta da RN 293/04 é perigosa porquanto coloca na mesma vala comum inúmeras situações que são muito diferentes entre si.

Pondero, ainda, que a rejeição absoluta da RN 293/04 (e suas ramificações por outras profissões) tende a levar à idéia de que a gestão empresarial pode ser mera decorrência de um bom senso comum ao homem mediano ou a resultante de boas experiências de vida (e se forem más?), o que a meu ver não se coaduna com a visão que tenho sobre a sustentabilidade das atividades, o progresso e desenvolvimento, que requerem competências cada vez mais complexas.

A negativa absoluta também coloca abaixo o alcance das normas regulamentadoras de profissões, que perderiam seu sentido.

Quero observar que, dentro de um critério de juízos legais razoáveis, a RN 293/04 não é algo inadequado ou perverso e que, portanto, deve ser levado em consideração por aqueles que exercem atividades administrativas, ou por aqueles que têm o poder de decidir quem irá exercer tais papéis.

É razoável afirmar-se que, num processo de averiguação de responsabilidades, a verificação de problemas quanto à competência dos que exercem funções complexas implica em considerar não apenas a culpa “in operando”, mas também as “in eligendo” e “in vigilando”.

Consequentemente, a responsabilidade empresarial requer, cada vez mais, uma diligência mais acurada sobre a gestão dos negócios e seus gestores, suas qualificações.

O debate real não deve estar na não qualificação, mas, ao contrário, na busca pela maior qualificação e aperfeiçoamento, inclusive no sentido de se cobrar, cada vez mais, dos administradores, aqui tomados no sentido mais amplo da palavra, seu compromisso com mecanismos de contínua aprendizagem e melhoria de competências, quiçá incorporando-se às grades curriculares matérias que permitam uma formação mais ampla dos profissionais, ainda que isso seja em via contrária a diversas aspirações atuais que buscam introduzir cursos de nível universitário de “curta duração”, indicando um total descaso com a importância que o tempo e a qualidade do aprendizado têm sobre o desenvolvimento de uma nação.

Antes de concluir, quero deixar expressas algumas ressalvas e comentários adicionais, que implicam em ressaltar que o tema comporta inúmeras outras discussões:

1. parece-me que, no caso dos Administradores de Empresas, há falha legislativa na definição do que seja um Administrador e quais sejam seus campos de atuação que, sem anular a validade da Lei 4.769, aponta o cuidado com o qual ela deva ser aplicada e interpretada, até mesmo para que sejam mitigados os seus excessos e abusos, senão vejamos:

1.1. o artigo 2º. da Lei 4.769/65 não define o que seja um administrador, mas apenas COMO sua atividade se desenvolve;

1.2. o artigo 3º. da mesma Lei declara ser a atividade privativa aos diplomados;

1.3. o Regulamento da Lei, por seu turno, também repete a fórmula legal;

1.4. no entanto, ao se visitar o site do Conselho Federal (www.cfa.gov.br), irá ser encontrada uma extensíssima lista, sob o título: Campos Privativos de Administrador (O Artigo 2º. da Lei 4769, define campos privativos do Administrador), a qual pretende solucionar a ausência de melhor descrição, na Lei 4.769, do que seja um Administrador de Empresas; e

1.5. essa lista, contudo, é tão ampla, genérica, que acaba por subordinar todas as atividades empresariais ao Administrador de Empresas, gerando: (a) conceitos obscuros (“participação em outras sociedades – holding”, “controle de bens patrimoniais – almoxarife tem que ser Administrador de Empresas?”, “catalogação de material”, “locação de mão-de-obra”, “pessoal administrativo”); e (b) conflitos com outras profissões (“pesquisa de mercado”, com os estatísticos, “estudos de mercado” e “marketing” com os profissionais de marketing, “planejamento de produção” com os engenheiros, “recrutamento, seleção, treinamento, recursos humanos”, com psicólogos por exemplo);

2. não considero que a RN 293/04 alcance aqueles que exerçam funções em Conselhos de Administração pois, nesse caso isto não é um requisito técnico-profissional em si;

3. observo que o art. 2º. da RN 293/04 está mal redigido, pois sua dicção não é tão clara quanto à do art. 1º., ao expor as circunstância em que ele deva ser aplicado. Por coerência interpretativa, entendo que o art. 2º. é aplicável sujeitando-se aos mesmos tipos de condicionantes de seu precedente; e

4. não obstante entender que as maiores qualificações e competências técnico-profissionais vêm se tornando importantes nos processos econômicos, no Brasil o excesso de regulamentações, os excessos nas regulamentações e, sobretudo as reservas de mercado geradas, são elementos preocupantes nos quadros econômicos e legais nacionais e que merecem melhor reflexão, pelo que o tema deva ser considerado e regulado dentro de dimensões razoáveis e ponderadas.

São estas, pois, minhas breves considerações, pensando num debate mais abrangente do tema.
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*Advogado do escritório Beretta Advogados Associados





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