Migalhas de Peso

O cadastro positivo não é negativo

No último dia 9 deste mês foi aprovada a lei 12.414, que disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de história de crédito. Trata-se da lei que criou o chamado cadastro positivo de crédito.

20/6/2011

O cadastro positivo não e negativo

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa*

No último dia 9 deste mês foi aprovada a lei 12.414 (clique aqui), que disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de história de crédito. Trata-se da lei que criou o chamado cadastro positivo de crédito.

O fundamento desse cadastro está em fazer verdadeira a teoria econômica que interpreta a taxa de juros das operações de crédito como o resultado da conjugação de três fatores, prazo, risco e garantia. Assim sendo, aplicam-se os seguintes efeitos dos fatores em questão: (i) quanto maior o prazo, maior o risco e, dada a mesma garantia, será mais elevada a taxa de juros; (ii) quanto maior o valor da operação, maior o risco e, dada a mesma garantia, mais elevada será a taxa de juros; (iii) quanto maior o risco, considerados o mesmo prazo e a mesma garantia, mais elevada será a taxa de juros; (iv) quanto mais segura a garantia, mantidos os demais fatores, menor será a taxa de juros; etc.

Ora, o grau de risco decorre, entre outros elementos, da assimetria de informações entre o banco e o cliente. Este conhece o seu histórico financeiro muito melhor do que aquele. Até o advento deste novo cadastro (cuja implementação ainda depende de certas medidas a serem adotadas), os bancos tinham como fonte de informações sobre os devedores os chamados cadastros negativos, que apontam as pessoas e empresas que se tornam inadimplentes no mercado e que assim se mantém sem o pagamento do que devem, ou que são forçados a pagar pelos meios judiciais à disposição do banco. Isto, evidentemente, acarreta um ônus financeiro adicional para o credor, que na maioria dos casos não é coberto pelos valores que consegue receber, se consegue.

De outro lado, os bons pagadores têm sido nivelados por baixo, isto é, por mais que tenham cumprido suas obrigações creditícias por anos e anos a fio, eles têm sido classificados na mesma condição dos devedores que criaram dificuldades sistemáticas no pagamento de suas obrigações, mas que, em dado momento, nada devem. Nesta situação seus nomes não aparecem nos cadastros negativos, ao menos depois de passado um determinado período de tempo dentro do qual a sua ficha fica limpa.

Ora, se os bancos passarão a receber depois de implementado o cadastro positivo, as informações sobre os bons clientes, é natural (falando do ponto de vista econômico) que as taxas de juros que serão praticadas em relação a eles venham a se colocar em patamares mais baixos do que as dos devedores cujos nomes constam dos cadastros negativos ou constaram em certas oportunidades.

A dúvida dos críticos dessa nova fonte de informações é precisamente esta, será que os bancos irão, mesmo, reduzir as taxas de juros para os bons pagadores, ou isto não passaria de mera bisbilhotice, que ajudaria os bancos na concessão de crédito, sem um resultado recíproco para seus clientes? Não se vê porque o benefício da informação gerada pelo cadastro positivo não venha a acontecer. A ideia de que os bancos são um tipo de bicho papão que devora seus clientes não corresponde à verdade.

Ninguém discute que as taxas de juros no Brasil são muito elevadas sob um ponto de vista relativo. Mas existem fatores externos aos bancos para esta situação, conforme se pode verificar pelas conclusões de estudos que têm sido feitos de forma sistemática pelo Banco Central do Brasil ao longo dos últimos anos. Estes fatores são, basicamente, a taxa básica da economia (taxa Selic) e a tributação das operações de crédito. Outro fator externo é a alegada falta de concorrência no mercado bancário. A ideia é que se mais bancos estivessem operando no mesmo mercado, disputando entre si a oferta de moeda, de um lado os agentes superavitários (depositantes e investidores) ganhariam mais e, do outro, os agentes deficitários (tomadores de empréstimos) pagariam menos. Tem sua lógica, como diria alguém, mas isto não prejudica o benefício a ser trazido pelo cadastro positivo.

Fatores internos aos bancos são também computados como o custo operacional (extremamente elevado), o risco e o lucro. É, o lucro! Por mais que se possa pensar o contrário (conforme a doutrina canônica da usura que ainda permeia algumas cabeças não pensantes no Brasil), o uso do dinheiro alheio deve ser remunerado, no mínimo a título de custo de oportunidade, pois o seu dono, se perceber que não receberá os juros correspondentes, irá certamente procurar outra freguesia, o que não seria nada bom para o mercado como um todo.

Vista por um ângulo muito simples, a taxa Selic funciona assim: em tese os bancos poderiam escolher aplicar todo o seu dinheiro em títulos do governo, cujo nível de risco é considerado zero (não haveria qualquer risco). E a rentabilidade seria no momento de 12,25% ao ano. Considerada uma inflação de 4,25% ao ano, o ganho líquido (fora a tributação), seria de 8% ao ano, muito mais do que paga o mercado internacional. Observe-se que, depois da última crise financeira global (aquela do subprime), a taxa básica da economia nos Estados Unidos da América é praticamente zero. Isto mesmo, zero! Entre outros motivos, esta é uma razão pela qual o mercado financeiro brasileiro está sendo inundado de bilhões de dólares anualmente. Sendo investimento especulativo, isto não é nada bom para a nossa combalida economia.

Assim sendo, o cadastro positivo certamente passará a ser uma ferramenta importante para que as taxas de juros venham a premiar os bons clientes.

A matéria merece outros desdobramentos, com os quais desde já ameaçamos o prezado leitor para outra e breve oportunidade.

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*Professor de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP. Consultor do escritório Mattos Muriel Kestener Advogados

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