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A publicidade e o consumidor - breves considerações

Vivemos numa época de incessante publicidade que nos chega através dos vários meios de comunicação. Por isso, precisamos aperfeiçoar os mecanismos de defesa do consumidor e efetivá-los num período de tempo satisfatório, razoável, de modo que não tornemos ineficazes os direitos consumeristas.

14/6/2011

A publicidade e o consumidor - breves considerações

Ezequiel Morais*

Vivemos numa época de incessante publicidade que nos chega através dos vários meios de comunicação. Por isso, precisamos aperfeiçoar os mecanismos de defesa do consumidor e efetivá-los num período de tempo satisfatório, razoável, de modo que não tornemos ineficazes os direitos consumeristas.

Nesse contexto – e para tanto – destinaremos as linhas seguintes à análise do conceito de publicidade, de propaganda, aos direitos do consumidor à plena e correta informação e, por fim, ao princípio da transparência.

Antes disso, vale recordar os ditames do art. 36 do CDC (clique aqui): "A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem".

Publicidade

A publicidade é um meio de veiculação de oferta e tem o propósito de promover conceitos ou ideias e incentivar a aquisição de um produto ou a utilização de um serviço (art. 3.º, §§ 1.º e 2.º, do CDC). Portanto, são consideradas consumidoras todas as pessoas expostas às práticas comerciais (publicidade, inclusive) e contratuais (art. 29 do CDC).

Há divergência na doutrina quanto aos significados de publicidade e propaganda. A publicidade visa o negócio, o comércio. Já, por sua vez, a propaganda possui caráter ideológico, político. Em resumo, a comunicação tem por escopo transmitir uma mensagem para o consumidor, seja sob a forma de propaganda de produtos ou de serviços (publicidade) seja sob a forma de propaganda ideológica ou política.

Entretanto, embora não tenha sido objeto de definição no Código, preferimos considerar a publicidade, no amplo sistema do CDC, como um meio de veiculação da oferta, isto é, como a arte de criar no consumidor a necessidade de consumir, pois, via de regra, não se limita a mera divulgação de um produto ou serviço.

Código Brasileiro de Autorregulamentação publicitária

O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, editado em 5/5/80, prevê os dois termos: "publicidade" (arts. 5.º e 7.º), "publicidade comercial" (arts. 8.º e 10), "propaganda política" (art. 11) e "publicidade governamental" (art. 12). Ainda, vale lembrar a lei 4.680/65 (clique aqui), que assim dispõe: "Compreende-se por propaganda qualquer forma remunerada de difusão de ideias, mercadorias ou serviços por parte de um anunciante identificado" (art. 5.º) - essa regra foi repetida no respectivo regulamento (art. 2.º do Decreto 57.690/66 - clique aqui).

A propósito, segundo o art. 28 do referido código, o anúncio deve ser claramente identificado, independentemente de sua forma de veiculação. A publicidade, quando veiculada de modo preciso, vincula e obriga o fornecedor de produtos ou serviços (art. 30 do CDC).

Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil (clique aqui), na esteira da evolução doutrinária e jurisprudencial, estabeleceram novos direitos e, por consequência, novos deveres; oportunizaram inéditas leituras de novos princípios (como o da função social dos contratos e da boa-fé objetiva) – e releitura de antigos também (como o da força obrigatória dos pactos - pacta sunt servanda).

Por conseguinte, tanto o CDC quanto o CC/02 convivem no mesmo sistema. Mas é importante explicar que os princípios do Código Civil, Código de Processo Civil (clique aqui), Código Comercial (clique aqui), Código Penal (clique aqui) e Código de Processo Penal (clique aqui) são aplicáveis às relações de consumo apenas subsidiariamente, ou melhor, quando houver lacuna no CDC e desde que não colidam com as suas normas e seus princípios.

A informação sobre os dados referentes aos produtos e aos serviços oferecidos é direito básico do consumidor (a título de exemplo, o mesmo ocorre nos congêneres francês e argentino).

Direito à informação. Princípio da Transparência

O direito à informação foi bastante ressaltado no CDC (arts. 4º, 6.º, II, III e IV, e 51, IV, § 1.º, I e II). Trata-se, de fato, do princípio da transparência (arts. 6.º, III, 31 e 46), que integra, na interdisciplinaridade com o Direito Civil, o princípio da boa-fé objetiva (arts. 113 e 422 do CCB), ou seja, qualquer que for a norma aplicada (consumerista ou civil), a mens legis e a mens legislatoris que regem o art. 36 devem ser analisadas sob o enfoque constitucional e consoante as cláusulas gerais contidas no CDC.

Para Karl Engisch, "a noção de cláusula geral pode ser entendida também como a formulação de uma hipótese legal que, em termos de grande generalidade, abrange e submete a tratamento jurídico todo um domínio de casos. Conceitualmente, contrapõe-se a uma elaboração casuística das hipóteses legais, que circunscreve particulares grupos de casos na sua especificidade própria. A grande vantagem da cláusula geral sobre o casuísmo está em, graças à sua generalidade e abertura, tornar possível regular um vasto número de situações, que talvez sequer pudessem ser já previstas ao tempo da edição da lei respectiva" (ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 7ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p. 228).

Em outras palavras, o princípio da transparência e o dever de informação (arts. 6.º, III, 31 e 46) devem ser observados não só na fase contratual, mas também na fase pré-contratual e até pós-contratual. A existência apenas do simples consentimento ou da vontade declarada (teoria declarativa) não é o suficiente, na atualidade, para obrigar o consumidor ao cumprimento de uma obrigação pactuada. No que se refere às teorias subjetivas do contrato, a voluntarista é a que mais se aproxima da equidade e da justiça contratual, pois nas declarações de vontade será observada a real intenção (elemento volitivo interno) dos contratantes, ao invés do sentido literal da linguagem. Outra não é a diretriz fixada pelo CDC e pelo CC/02. Recorda-se que a ausência do elemento animus mancha, eiva o contrato de nulidades das mais diversas.

Logo, conclui-se que a fase pré-contratual é tão importante quanto a vontade declarada, a conclusão e a execução do contrato. No período transcorrido durante aquela primeira etapa, torna-se preponderante a análise do contexto histórico vigente para apurar a formação da vontade interna/real e as necessidades do consumidor. A conjugação desses fatores (realidade e vontade) delimitará o contrato e suas cláusulas. Se há falha na prestação de informações pertinentes ao produto ou ao serviço, a vontade declarada do consumidor estará viciada.

Por isso, o princípio da transparência e o dever de informação (arts. 4.º, 6.º, III, 31, 46 e 51, I, do CDC) revelam-se essenciais em uma relação consumerista. Além de constituírem-se em mero elemento formal, ambos interferem na essência do negócio jurídico, do contrato, pois se ignorados ensejam em vício de consentimento.

Portanto, a fase pré-contratual, a vontade e a base negocial (negócio jurídico + realidade) estão intimamente ligados. A superveniente dissociação ou modificação de qualquer uma delas, quando alterarem por demais as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, resulta em traumas que podem ferir a equidade. Como visto, eis a importância do dever de informação e do princípio da transparência nas relações de consumo.

Os novos direitos delineados pelo CDC e pelo CC/02 têm raízes profundas surgidas a partir dos princípios da transparência, da função social dos contratos e da boa-fé objetiva – três das mais importantes cláusulas gerais da novel codificação. Em plena época dos contratos de adesão ("em massa", standard), afiguram-se praticamente impossíveis a correta e completa informação, a transparência e a discussão de cláusulas contratuais, fato que por si só já repele a equidade e a liberdade contratual e coloca o consumidor-aderente em posição de inquestionável inferioridade.

Além do mais, não se pode perder de vista que os pactos devem primar pela solidariedade, pelo equilíbrio das prestações, pelos valores sociais, econômicos e morais e, primordialmente, pelo respeito ao consumidor e à dignidade da pessoa humana (arts. 1.º, III; 3.º, I, e 170, III, V, VII da CF/88).

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*Professor da FADISP - Faculdade Especializada em Direito

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