A respeito do projeto de lei 1.947/07. Pretensão em calar a liberdade de imprensa
Luiz Fernando Gama Pellegrini*
O projeto é de iniciativa do deputado Sandro Mabel, dando nova redação ao artigo 2º do Decreto-lei 2.848/40 (clique aqui), verbis:
Art. 2º - O Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 325-A.
VIOLAÇÃO DO SIGILO INVESTIGATÓRIO
Art. 325-A – Revelar ou divulgar de qualquer forma fato que esteja sendo objeto de investigações em qualquer tipo de procedimento oficial.
Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.
Art. 3º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Em sua justificativa, o deputado assim fez consignar:
"A sociedade brasileira vem assistindo impotente inúmeros casos de 'denuncismo' vazio, que após processos judiciais equilibrados, e após o exercício do contraditório, acabam por concluir pela inocência das pessoas envolvidas."
Efetivamente a iniciativa visa "calar a imprensa" em total desrespeito aos mandamentos constitucionais, o que não chega a causar surpresa em que ultimamente os poderes Executivo e Legislativo "andam de mãos dadas" na procura do exercício anti-constitucional, como vemos diariamente na mídia. A CF/88 (clique aqui) por seu artigo 1º, inciso II estabelece como um de seus fundamentos "a cidadania" como o "status jurídico-político que confere à pessoa humana a capacidade de participar, direta ou indiretamente, da vida civil e política do Estado" (JOSÉ FRANCISCO CUNHA FERRAZ FILHO, constituição Federal Interpretada, Manole, 2ª, Ed., p. 05).
Por sua vez, o inciso XIII, do art. 5º do mesmo diploma constitucional disciplina que: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".
O inciso XXXIII do mesmo art. 5º prescreve que "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e o Estado".
O professor JOSÉ AFONSO DA SILVA em comentários ao dispositivo em tela assim se manifesta: "assim, o interesse coletivo é o que, vinculando um bem ao requerente, igualmente o vincula aos demais membros de um grupo ao qual o requerente pertence, precisamente porque a formação desse ente coletivo, em que se insere o requerente, se concretiza na busca de fins comuns, contexto em que a agregação de interesses se manifesta como a realização de vantagens destinadas à consecução dos fins perseguidos. O interesse geral consiste numa posição favorável a uma generalidade indefinida de pessoas, é o interesse indiferenciado de uma comunidade, permeia as individualidades sem se particularizar, porque está acima ou para além do individual." (Comentário Contextual à Constituição, 7ª. Ed., M, 2010, p.130).
Por derradeiro o art. 220, parágrafos primeiro e segundo da CF/88 estabelecem, verbis:
Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
Parágrafo primeiro – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5°, IV, V, X, XIII, XIV.
Parágrafo segundo – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
"Ao garantir, no caput do art. 220, que a manifestação do pensamento, é irrestrita, o Texto Maior já proibiu a censura política, ideológica e artística, Não se contentando com isso, ele consagrou, explicitamente nesse parágrafo, a vedação. Proibir a cesura não é dar margem à baderna, desordem ou bagunça generalizada". (UADI LAMMÊGO BULOS, Constituição Federal Anotada, 9ª. Ed. Saraiva, p. 1395).
Conforme destacado pelo ministro Celso de Mello, o direito de crítica jornalística "é prerrogativa constitucional cujo suporte legitimador repousa no pluralismo político (CF, art. 1º, V), que representa um dos fundamentos inerentes jaó regime democrático. O exercício do direito de crítica é inspirado por razões de interesse público: uma prática inestimável de liberdade a ser preservada contra ensaios autoritários de repressão penal, concluindo ser a arena política, um espaço de dissenso por Excelência” (ALEXANDRE DE MORAES, Direito Constitucional, 24ª. Ed. Atlas, p. 837).
BERNARDINA FERREIRA FURTADO ABRÃO assim se expressa sobre o assunto: "A manifestação do pensamento, que se dá pela liberdade de expressão e pelo direito à informação, foi tratada pelo legislador constituinte, como liberdade pública, isto é, a liberdade Diane das opressões do Estado, muito comum em regimes ditatoriais. A censura a que se refere este artigo é aquela praticada pelos Poderes Executivo, quando exerce controle prévio de ideias, e Legislativo que, através da criação de leis, impede previamente a propagação de ideias". (Constituição Federal Interpretada, 2ª. Ed., Manole, p. 1182, 2011).
Da leitura do texto concluímos ser um grande nonsense com pretensões jurídicas, o que nos leva a mencionar para aqueles que já leram sobre a II Grande Guerra, em que Hitler baixava suas "diretrizes" cujo descumprimento era simplesmente a morte.
Desta forma, o que vemos nesse projeto de lei é uma ato da mais profunda arrogância e desrespeito à Constituição Federal, lamentando apenas que infelizmente não tivemos acesso ao parecer da CCJ, para que se pudesse aferir com maior clareza a absurda pretensão, verificando inclusive que dispositivo(s) constitucional(nais) teria(m) embasado a pretensão.
Em verdade, pouco importa o que consta desse parecer, mesmo porque perante o Documento Maior será de nenhuma valia, e se for o caso o STF uma vez provocado terá que resolver a questão.
Pelo menos é o que esperamos.
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*Desembargador aposentado do TJ/SP
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