A polêmica da cartilha do MEC: o moral e o imoral
Márcia Regina Machado Melaré*
Antes, porém, torna-se necessária uma reflexão mais acurada sobre o caso, principalmente porque a sociedade ficou um tanto quanto à margem dos debates. É preciso deixar claro, inicialmente, que a cartilha faz parte de uma política pública relativa à inclusão social e a desmistificação do preconceito à homossexualidade. Ela é fruto de uma parceria entre o Ministério da Educação e entidades de defesa dos direitos humanos, pela constatação de que falta material adequado para preparar e orientar professores e alunos sobre como lidar com a discriminação.
Dito isto, vem outro esclarecimento importante: a cartilha não seria distribuída indiscriminadamente (somente a jovens de <_st13a_metricconverter productid="14 a" w:st="on">14 a 18 anos), e após a direção e os professores das escolas serem treinados e capacitados sobre como trabalhar o tema.
Como se vê, diferente do que foi falsamente alardeado, não há obscenidades ou apologia a determinada orientação sexual. Se obscenidade existe, ela se encontra no terreno das especulações, fomentadas pela própria mídia, segundo as quais o assunto serviu de moeda de troca para o governo conseguir apoio em determinada matéria em tramitação no Congresso. Isto, sim, a se comprovar, é aterrorizante.
Com a cartilha deseja-se, tão somente, transmitir às gerações que irão, no futuro, comandar este país, a ideia de que o preconceito e a intolerância, sob qualquer pretexto, são inadmissíveis <_st13a_personname productid="em nosso Estado Democrático" w:st="on">em nosso Estado Democrático de Direito. E a escola, nesse sentido, é um espaço apropriado para a construção de ideias importantes, sem preconceitos, independente da própria orientação sexual.
A decisão recentemente tomada pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu aos homossexuais os mesmos direitos que possuem os casais heterossexuais em suas relações estáveis, tem o feito histórico de marcar e ressaltar os valores essenciais preconizados na Constituição Federal, dentre eles, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Esses direitos, exercidos pelo conceito de autonomia da vontade e da personalidade, não podem, em uma nação dita civilizada, com níveis significantes de desenvolvimento educacional e econômico, expoente no cenário mundial, ter significado exclusivo.
A cartilha idealizada pelo MEC, a respeito da homossexualidade e transexualidade, está afinadíssima com a decisão do STF, pois pretende, nessa iniciativa, instruir uma nova geração de cidadãos brasileiros. A mensagem do mundo contemporâneo é da tolerância: qualquer pessoa, branca, negra, asiática, oriental, deficiente, homossexual, idosa, homem, mulher, transexual, deve ser respeitada pelos valores que possui e pelo livre arbítrio de suas decisões, e não discriminada como se fosse uma subespécie da raça humana.
Ninguém está cometendo crime por ser e viver do jeito que, licitamente, as leis permitem. Alguns cidadãos possuem componentes biológicos e fisiológicos que determinam o seu comportamento social ou o seu modo de viver, e não podem ser alijados da sociedade por essa razão.
Esses aspectos de cidadania, assim como os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, tais como o da dignidade da pessoa humana, dos direitos de personalidade e da isonomia, devem ser ensinados nas escolas e praticados no seio familiar.
Tenho dois filhos absolutamente preparados para a convivência cidadã com a diversidade em toda a sua complexidade, e me sinto, além de privilegiada nesse sentido, confiante por ter cumprido a minha missão. Independentemente do pensamento que meus filhos possuem sobre determinadas relações ou pessoas, eles sabem respeitar e conviver com as diferenças. E é isso que todos devemos construir. Um país mais inclusivo e igualitário, que aceita a própria evolução e transformações sociais.
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*Advogada e secretária-Geral Adjunta do Conselho Federal da OAB
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