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Considerações sobre multas aplicadas pelo BACEN em operações de importação

O Departamento de Combate a Ilícitos Cambiais e Financeiros (“DECIF”), do Banco Central do Brasil (“BACEN”) vem realizando há 3 anos, juntamente com suas Gerências Técnicas Regionais, um trabalho de força-tarefa para exame de aproximadamente 6.000 processos administrativos envolvendo importações com Declaração de Importação (“DI”) descobertas, registradas no Sistema Integrado de Comércio Exterior (“Siscomex”).

23/6/2005


Considerações sobre multas aplicadas pelo BACEN em operações de importação

Marcos Colares*

Graciema A. A. Galvão*

O Departamento de Combate a Ilícitos Cambiais e Financeiros (“DECIF”), do Banco Central do Brasil (“BACEN”) vem realizando há 3 anos, juntamente com suas Gerências Técnicas Regionais, um trabalho de força-tarefa para exame de aproximadamente 6.000 processos administrativos envolvendo importações com Declaração de Importação (“DI”) descobertas, registradas no Sistema Integrado de Comércio Exterior (“Siscomex”).

As primeiras decisões do BACEN, no sentido de aplicar pesadas multas1 com base em dispositivos da Lei nº 9.817, de 23.8.1999 (“Lei nº 9.817/99”), revogada pela atual Lei nº 10.755, de 3.11.2003 (Lei nº 10.755/03”), têm causado discussão no setor importador, seja pelo questionável mecanismo de apuração das multas previsto na lei, seja porque a atual política brasileira busca desonerar o setor de comércio exterior, ao passo que o que se verifica das primeiras decisões dessa Autarquia é exatamente o contrário.

A exposição de motivos que redundou na Lei nº 9.817/99 dispunha que o propósito de se estabelecer multa em operações de importação era o de: (i) equiparar o tratamento conferido a importações e exportações no que se refere aos adiantamentos e/ou atrasos em seus respectivos pagamentos; assim como, por outro lado, (ii) evitar que diferenciais de taxas de juros internas e externas e as condições financeiras especialmente favoráveis disponíveis no exterior para os produtores ou compradores estrangeiros pudessem resultar em desequilíbrio entre os importadores e a produção nacional.

Assim, referida Lei definiu que diante do não-pagamento de importação até 180 dias após o primeiro dia do mês subseqüente ao previsto para o pagamento na DI, o importador sujeitar-se-ia ao pagamento de multa diária, sob a modalidade de encargo financeiro, a ser recolhida ao BACEN. O legislador pretendeu que a multa compreendesse a remuneração obtida caso o importador aplicasse os reais correspondentes no mercado financeiro desde a data em que se verificou o atraso, deduzida a correção cambial, de forma a eliminar eventuais vantagens auferidas pelo importador através da arbitragem entre as taxas de juros internas e externas.

A partir de 1999, diante de uma nova conjuntura econômica que adotou o regime cambial flutuante e que buscou equilíbrio na variação de preços do mercado externo, houve a necessidade de modificações e ajustes na forma de cobrança da referida multa. Foi este o contexto da promulgação da Lei nº 10.755/03, que objetivou eliminar o ônus administrativo na cobrança de multas de valor reduzido e atenuar a onerosidade excessiva das multas aplicadas, não raro superiores ao valor da importação. Para tais fins, isentou de cobrança multas inferiores a R$ 1.000,00 (suprindo uma omissão da Lei nº 9.817/99, que não estabelecia valor mínimo para recolhimento da multa, o que provocou a obrigatoriedade de cobrança sistemática de quaisquer valores apurados), e estabeleceu que para a mesma hipótese de atraso de pagamento prevista na lei anterior, entre outras, a multa aplicada pelo BACEN terá o seu valor limitado a cem por cento do valor em reais equivalente à respectiva importação.

O legislador inovou, ainda, ao estabelecer que essa multa não se aplica: (i) aos pagamentos de mercadorias embarcadas no exterior até o dia 31.3.1997; (ii) aos pagamentos de importações de petróleo e derivados especificados pelo BACEN; (iii) aos pagamentos de importações efetuadas sob o regime de drawback e outros estabelecidos pelo Ministério da Fazenda; (iv) às importações cujo saldo de pagamento seja inferior a US$ 10.000,00 ou equivalente em moeda nacional; (v) aos pagamentos de importações de produtos de consumo alimentar básico, visando ao atendimento de aspectos conjunturais de abastecimento definidos pelo Ministério da Fazenda; e (vi) às importações, financiadas ou não, cujo pagamento seja de responsabilidade da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, suas fundações e autarquias, inclusive aquelas efetuadas em data anterior à publicação da Lei.

Some-se a estas a norma estabelecida no Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais anexo à Circular nº 3.280/05 do BACEN, que limita a multa em questão a 0,5% do equivalente em reais ao valor em atraso da importação2, e tem-se um quadro normativo que poderia indicar uma mudança na mens legis em prol da desoneração das importações brasileiras, a partir da edição da Lei nº 10.755/03.

Por outro lado, o legislador perdeu a oportunidade de oferecer tratamento isonômico entre as operações de importação realizadas ainda na vigência da Lei n º 9.817/99 e as operações realizadas no curso da nova. O artigo 4º da Lei nº 10.755/03 estabelece que “para as importações com DI já registrada no Siscomex e com vencimento até o centésimo octogésimo dia contado da data de publicação desta Lei, sujeita-se, o importador, ao pagamento de multa diária, sob a modalidade de encargo financeiro, a ser recolhida ao Banco Central do Brasil, em conformidade com a legislação aplicável até a data de publicação desta Lei.” (grifamos)

Independentemente do caráter inconstitucional de que o artigo 4º da Lei nº 10.755/03 possa estar revestido, pois, em princípio, impede a retroatividade benéfica de lei posterior prevista no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal de 19883, o BACEN tem aplicado o referido dispositivo legal para a formação de elevadíssimas multas por inadimplemento em operações de importação supostamente descobertas.

Além do princípio constitucional citado no parágrafo anterior, pode-se aduzir que esta orientação atinge também uma série de outros preceitos de direito interno e internacional. Cite-se, a título de exemplo, a regra, em nosso ordenamento, decorrente da garantia constitucional ao direito à propriedade privada4, que veda ao Estado o confisco de bens de particulares – expressa na Constituição Federal relativamente à arrecadação de tributos5 e quanto à matéria penal, vez que apenas excepcionalmente se admite o confisco dos produtos de crime6. Ora, uma multa que exceda o valor das importações sobre cujo atraso no pagamento incide (como é o caso da legislação em comento) reveste-se desse caráter confiscatório refutado pelo ordenamento brasileiro.

Outro aspecto digno de nota é o fato de que a aplicação da multa como prevista na legislação vigente contraria os princípios de Direito Administrativo da finalidade, proporcionalidade e razoabilidade.

O princípio da finalidade corresponde ao atendimento do objetivo para o qual a lei foi criada; conseqüentemente, utilizar uma lei como suporte para a prática de ato diverso da sua finalidade (no caso, desviar-se do propósito de sancionar o inadimplemento e ressarcir o dano resultante de tal inadimplemento) não é aplicar a lei, mas sim desvirtuá-la. Por tal motivo, os atos administrativos incursos neste vício – desvio de poder ou desvio de finalidade – são nulos.

Por sua vez, o princípio da razoabilidade objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins do ato administrativo, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública. Desnecessário reiterar que o meio utilizado, isto é, a multa aplicada, não se coaduna com sua finalidade, isto é, a obtenção da conduta desejada, a saber, a observância dos prazos de pagamento de importações.

Finalmente, o princípio da proporcionalidade estabelece que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas em extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para o cumprimento da finalidade do interesse público. Em outras palavras, se o ato administrativo ultrapassar o necessário para atingir seu objetivo, estará eivado de ilegalidade e, portanto, se tornará passível de anulação.

Acrescente-se a isso o fato de que a ingerência do Poder Público nas condições contratuais pactuadas entre particulares (que deveriam ter a liberdade de aditar os prazos de pagamento contratualmente estipulados em operações de importação) representa uma ameaça ao direito constitucional ao livre exercício da atividade econômica7, e que, ao impor aos produtos importados cujo pagamento tenha sido efetuado em atraso uma multa que não se aplica ao atraso no pagamento de produtos nacionais, a legislação brasileira vai de encontro ao Princípio do Tratamento Nacional8 e a outros dispositivos do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT 1994, firmado pelo Brasil, e teremos um quadro não só de questionabilidade da legislação em tela sob a ótica constitucional, como também sob a ótica do comércio internacional, situação francamente desfavorável às pretensões brasileiras de liderança mundial nesse cenário.
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1Estima-se que o somatório das condenações até a presente data gire em torno de R$ 4 bilhões.

2Item 3 da Subseção 1 da Seção 13 do Capítulo 12 do Título 1.

3“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. (...)”

4CF/88, art. 150, inc. IV.

5CF/88, art. 5º, inc. XXII

6Como é o caso da desapropriação de bens ligados ao tráfico de entorpecentes (CF/88, art. 243 § único).

7CF/88, art. 170 § único.

8Artigo III.4.
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*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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