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Comercialização de imagens sem autorização da pessoa fotografada

O direito de imagem previsto no art. 5º, inciso X e o direito de autor no inciso XXVII estão relacionados entre os direitos e garantias individuais, direitos personalíssimos, ou seja, a nosso ver são cláusulas pétreas e ambos os institutos guardam muita semelhança e proximidade.

13/5/2011


Direito de imagem. Comercialização de imagens sem autorização da pessoa fotografada. Dano moral. Cabimento. Incidência da Súmula 403 do STJ. Norma constitucional prevista no art. 5º, X, c/c art. 1º, III da CF/88 que se identifica com o inciso XXVII do mesmo artigo e artigo 20 do Código Civil

Luiz Fernando Gama Pellegrini*

O direito de imagem previsto no art. 5º, inciso X e o direito de autor no inciso XXVII estão relacionados entre os direitos e garantias individuais, direitos personalíssimos, ou seja, a nosso ver são cláusulas pétreas e ambos os institutos guardam muita semelhança e proximidade, tanto assim que como veremos em recente decisório muito sobre a exploração de determinada imagem sem a devida autorização por parte da pessoa no caso retratada.

O acórdão referido é oriundo do TJ/RS, mais precisamente a apelação nº 700398993193, 6ª câmara, Rel. Dês. Ney Wiedemann Neto, v.u, em que a imagem de um jogador de futebol foi inserida em um álbum de figurinhas sem a devida autorização, sendo que para tanto passamos a transcrever parcialmente o referido acórdão.

"Cuida-se, portanto, de pedido de indenização por danos morais decorrentes da utilização indevida de imagem em álbuns de figurinhas. A veiculação de imagens deve ser autorizada, pois o direito à própria imagem é personalíssimo, nos termos do artigo 5º, inc.V, da Constituição Federal. A imagem constitui direito personalíssimo da pessoa, não podendo se admitir a sua utilização por terceiros sem a autorização dela própria ou de seu responsável legal. E a ausência de autorização para a publicação da fotografia do autor é fato incontroverso. Nesse sentido, as rés reconhecem que não houve autorização formal ou por escrito do autor. Limitam-se a sustentar que a autorização foi tácita ou presumida, simplesmente porque o autor sabia da publicação do álbum de figurinhas e porque posou para as fotografias. Na verdade, o consentimento tácito ou presumido não restou caracterizado. Tampouco há prova de consentimento verbal. O ônus das prova era, nesta hipótese, das rés, na forma do art. 333, II, do CPC, do que não se desincumbiram. A meu ver, a questão aqui é muitíssimo mais simples do que se imagina e se solução única: não cabe perquirir a intenção, ou fazer uma análise subjetiva da conduta do agente, ou perquirir concretamente os danos sofridos. A responsabilidade é objetiva e os danos são presumidos, nada mais do que isso. A súmula 402 do Superior Tribunal de Justiça reza que "independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais". E no mesmo sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que algumas vezes já precisou se pronunciar a respeito do tema, que cuida da interpretação do art. 5º, V e X da Constituição Federal. Pela exegese do STF, o caso é mesmo de exploração indevida da imagem, nem se perquirindo aqui se haver ou não finalidade comercial ou econômica. Nesse sentido o leading case expresso no RE 215.984-1/RJ: "CONSTITUCIONAL. DANO MORAL. FOTOGRAFIA. PUBLICAÇÃO NÃO CONSENTIDA. INDENIZAÇÃO. CUMULAÇÃO COM O DANO MATERIAL. POSSIBILIDADE. Constituição Federal, art. 5º, X. Para a reparação do dano moral não se exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo. O que acontece é que, de regra, a publicação da fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa desconforto, aborrecimento, ou constrangimento, não importando o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que ele exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição, art. 5º, R.E. Conhecido e Provido."

É sabido que a veiculação de imagens de pessoas denominadas públicas, mormente políticos e artistas pode inibir em parte a norma constitucional, o que acarreta que cada caso deve ser analisado especificamente, mas não se pode perder de vista que a exploração da imagem - e isso ocorre fatalmente - pode ser veiculada em jornais, revistas, vídeos, etc., cabendo lembrar que toda veiculação pública – a publicidade por óbvio somente existe se for pública - tem caráter comercial.

É inimaginável que os veículos de comunicação mencionados não ganhem com a veiculação, muito pelo contrário, pois muitas vezes determinada imagem acarreta uma venda maior do que se imaginaria.

Consequentemente, o dano se faz presente não apenas porque não houve autorização da pessoa fotografada, bem como houve enriquecimento indevido por parte de terceiros.

Para José Afonsa Silva:

"A vida exterior, que envolve a pessoa nas relações sociais e nas atividades públicas, pode ser objeto das pesquisas e das divulgações de terceiros, porque é pública. A vida interior, que se debruça sobre a pessoa mesma, sobre os membros de sua família, sobre seus amigos é a que integra o conceito de vida privada – inviolável nos termos do inciso em comentário. (Comentário Contextual à Constituição, 7ª. Ed., Malheiros, pág. 104, 2010).

Pensamos, ainda, que as violações de privacidade em determinados momentos guardam relação com as violações na área autoral, em que salvo as hipóteses controvertidas e as especificamente previstas (art. 46), a veiculação indevida da imagem da pessoa, assim como a utilização da obra pelo detentor de seus direitos dependem necessariamente de autorização, sob pena de tipificar a indenização devida, e ambas as hipóteses violando preceitos constitucionais.

E os tribunais têm atentado para tanto, pois o mundo moderno e consequentemente o regime capitalista incentivam as violações, pois se o interesse pela divulgação desta ou daquela imagem é importante, o devido pagamento pela veiculação é igualmente importante, mesmo porque “ninguém pode fazer festa com o chapéu alheio”.

Óbvio, que com relação aos atletas, mormente os futebolistas, as imagens ligadas à profissão, ou seja, as imagens de jogos e mesmo treinos não causam nenhum transporto ou aborrecimentos; porém imagens de vestiários e qualquer outra situação de privacidade estão protegidas pela norma constitucional e consequentemente não podem ser exploradas, pois isso a nosso ver seria invasão de privacidade. Outros tantos exemplos poderiam ser trazidos.

Silma Mendes Berti em obra específica pontua que:

"Às pessoas públicas não é dado o poder de exercer rígido controle de sua imagem, que, em princípio, pode ser livremente captada e reproduzida. Deve-se, porém, considerar que a imagem doméstica, ou seja, captada em recinto privado, como o domicílio do sujeito, ou seu local de trabalho, depende, para a lítica publicação, do consentimento do retratado." Adiante acrescenta a autora "Na verdade, o legislador brasileiro não estava preocupado com a tutela jurídica da imagem, e sim com o direito autoral do artista, apesar de deixar transparecer uma certa superioridade do direito à imagem sobre o direito de autor, apo condiciona a reprodução ao consentimento, ainda que tácito, da pessoa representa ou de seus herdeiros. É que os direitos autorais de reprodução e de representação da obra intelectual participam da classe dos direitos patrimoniais, e cedem lugar ao direito à própria imagem, que é um dos chamados direitos da personalidade.” (Direito à própria imagem, Del Rey, 1993, págs. 57/58 e 83).

Ressaltamos a importância do acórdão em questão, pois é extremamente salutar que o Poder Judiciário reconheça e lembre a todo instante que direitos e garantias individuais constituem a mais nobre proteção que se pode outorgar ao ser humano, em respeito inclusive e acima de tudo à dignidade do ser humano.

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*Desembargador aposentado do TJ/SP



 

 

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