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É possível relativizar o procedimento das licitações visando a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos?

A despeito do rigor e formalidade que deve guardar a seleção de negócios jurídicos patrimoniais a serem firmados pelo Estado - notadamente para que não sirvam como meio para obtenção de vantagens pessoais, desvio de finalidades ou abuso de poder -, em determinadas situações especiais a regra geral pode, ou melhor, deve ser flexibilizada.

15/4/2011

É possível relativizar o procedimento das licitações visando a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos?

Georges Humbert*

Bárbara Borges**

Como regra, o Poder Público, quando pretenda adquirir, alienar bens móveis e imóveis, assim como para contratar execução de toda e qualquer obra ou serviço deve fazê-lo, através de uma forma especial prevista em lei: a licitação. Sua finalidade precípua é a obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração, incluindo a oportunização, a todos os interessados, de forma isonômica, do amplo acesso para disputar o negócio. Desta forma, preserva-se o interesse público que, por pertencer a toda coletividade e existir justamente para a defesa desta, é supremo e indisponível.

Conforme amplamente divulgado pela mídia, encontra-se em tramitação no Congresso Nacional o projeto de lei 7.709/07 (clique aqui), que pretende alterar a lei geral de licitação (8.666/93 - clique aqui). Neste o legislador Federal propõe mudanças diversas na norma geral que disciplina o processo de contratação pelo Poder Público, incluindo algumas questões relacionadas à simplificação dos certames licitatórios. Como forma de acelerar a sua aprovação, alguns interessados têm sustentado que a reforma se faz necessária para viabilizar, em tempo hábil, as obras e serviços públicos indispensáveis para a realização dos maiores eventos esportivos do planeta no nosso país. Mas, afinal, é juridicamente possível relativizar as licitações públicas visando a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos?

A resposta é positiva. Isto porque, a despeito do rigor e formalidade que deve guardar a seleção de negócios jurídicos patrimoniais a serem firmados pelo Estado - notadamente para que não sirvam como meio para obtenção de vantagens pessoais, desvio de finalidades ou abuso de poder -, em determinadas situações especiais a regra geral pode, ou melhor, deve ser flexibilizada. Explicamos: não se pode exigir do Estado, promotor último do interesse público, que atue em todas as hipóteses dentro do mesmo padrão instituído para a proteção destes, sendo certo que situações diferenciadas, desiguais, excepcionais mesmo, como é o caso dos eventos ora citados, demandam a edição de normas específicas para sua regulação. Criam-se regras específicas, adequadas a esta extraordinária realidade, como forma de materializar o próprio bem estar da coletividade, sempre se balizando pelos princípios norteadores de todos os atos administrativos, os quais jamais podem ser olvidados.

Assim, a relativização da Lei Geral de Licitações iria ao encontro do próprio interesse público, visando o cumprimento, pelo país, das exigências de infraestrutura, com a velocidade e qualidade, que esses megaeventos internacionais requerem. Vale, todavia, ressaltar que não coadunamos de que, esta e outras situações peculiares, sirvam como pressuposto para a aplicação da flexibilização de forma ordinária, para todas as demais contratações públicas não relacionadas a fatos de natureza similar aos aqui versados.

Justamente isso que torna, em tese, inconstitucional o projeto de lei <_st13a_personname w:st="on" productid="em an?lise. Com">em análise. Com efeito, não se dirige aos casos singulares, mas sim a toda e qualquer licitação pública. Neste caso estaríamos, note-se, diante da perenização da excepcional flexibilidade e menor rigor em matéria de disposição da forma de contratação pública. Essa pretensão, a toda evidência, encontra obstáculo no seu regime jurídico especial, em face mesmo da indisponibilidade e supremacia que reveste o interesse público ao qual visa tutelar e dos princípios jurídicos específicos insertos no art. 37 da Carta Magna (clique aqui) – legalidade, moralidade, eficiência, publicidade e impessoalidade - incidentes e condicionadores de todos os atos do Poder Público.

Diante do exposto, consideramos que é de grande importância que o legislador proponha mudanças nas normas que regem o processo de contratação da Administração, em face mesmo das novas - antes inimagináveis - situações atualmente vivenciadas. Ao se tornar sede para a realização de eventos esportivos colossais, cuja relevância social, político e econômica são inolvidáveis, o nosso país e a sua legislação precisam se adaptar, para garantir a promoção do interesse da coletividade e a segurança jurídica dos respectivos atos administrativos necessários à sua concretização. Porém, estas modificações devem ser postas através de lei específica – e não como adendo à lei geral, incidentes sobre fatos desta natureza e similares, trazendo regras que permitam maior celeridade aos procedimentos já existentes, mas com hipótese de incidência apenas nos casos excepcionais, sem prejuízo da mantença em vigor e eficazes as regras universais da lei 8.666/93.

Por essas razões, é lícita a relativização do procedimento licitatório. Entretanto, deverá vir a lume na forma de lei específica. Caso seja aprovado o projeto de lei em debate, na forma como até então posta, ou seja, sem restrição à flexibilidade do procedimento licitatório, será tarefa do operador do Direito, em especial do órgão a quem compete interpretar e proteger a Constituição, em último grau e com o manto da imutabilidade, modular a aplicação deste apenas quanto às situações especiais. Evitar-se-á, destarte, a desviada, abusiva ou má utilização da norma, em detrimento do interesse público, dando ao novel ato legislativo conformidade aos princípios constitucionais de ínsitos à atividade administrativa.

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*Professor de Direito Administrativo da Universidade Salvador e sócio do escritório Brandão e Tourinho Dantas Advogados Associados

**Integrante do escritório Brandão e Tourinho Dantas Advogados Associados

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