Extinção dos contratos de distribuição: breves considerações acerca dos recentes entendimentos jurisprudenciais
Priscila Sansone Tutikian*
No Código Civil (clique aqui) em vigor desde 2003, o contrato de distribuição mereceu regulamentação específica, embora possa ser tratado, dependendo da interpretação dada aos dispositivos legais a respeito, como uma espécie do contrato de agência. À primeira vista, essa inclusão contratual no Código Civil pareceu facilitar a compreensão sobre essa modalidade contratual. Mas não é isso o que se verifica.
Esperava-se que o novo Código estabelecesse, pelo menos, de forma clara o conceito do contrato (a fim de não gerar dúvidas acerca da sua autonomia em face ao contrato de agência) e a forma de solução dos pontos mais sensíveis. Esses pontos são, dentre outros: as regras a serem observadas para a extinção do contrato e os critérios para cálculo de eventual indenização devida ao distribuidor, seja por lucros cessantes, seja por outros critérios, como o potencial desenvolvimento da marca. Entretanto, mesmo diante do regramento típico, tais aspectos, por mais relevantes que sejam, simplesmente não foram enfrentados pelo Código (cabe ressalvar que o setor automobilístico, com a sua usual rede de distribuição de veículos – as concessionárias – possui disciplina legal própria, por meio da chamada lei Ferrari - lei 6.729/79 (clique aqui), a qual não constitui objeto de análise do presente texto).
Ao estabelecer as obrigações da empresa fabricante para a resilição (extinção) de um contrato de distribuição, o Código Civil limita-se a prever que qualquer das partes poderá denunciá-lo mediante aviso prévio de noventa dias, desde que já transcorrido prazo de vigência contratual compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do distribuidor. Quer dizer, se o tempo de vigência do contrato, quando da sua denúncia pela empresa fabricante, não tiver sido suficiente para amortizar investimentos feitos pelo distribuidor, o aviso prévio deverá ser de prazo superior àquele.
Essa previsão do Código Civil apenas institucionalizou o entendimento jurisprudencial já pacificado acerca do aviso prévio: quando os vultos dos investimentos são incompatíveis com o aviso concedido, os tribunais já impunham – e assim tendem a seguir fazendo, diante da nova norma do Código Civil – que fosse considerado um prazo de aviso superior ao previsto em lei, além de ressarcimento do período faltante. (Referência jurisprudencial: TJRS, 17ª C.Cív., AC 70018228783 e STJ, 4ª T., RESP 654.408/RJ).
Esse entendimento decorre da compreensão de que o período de aviso prévio não deve ser encarado como exigência meramente formal, mas que as bases contratuais devem ser mantidas durante o prazo respectivo. Não poderá, pois, o fabricante notificar o distribuidor acerca da denúncia do contrato, concedendo-lhe prazo compatível com as exigências legais e, na prática, inviabilizar por completo as vendas ao distribuidor ou permitir que os clientes passem desde logo a ser atendidos por outro distribuidor. Por meio de tais medidas, estar-se-ia frustrando os objetivos do aviso, que é uma forma de garantir que o distribuidor não sofra prejuízos desproporcionais com a rescisão contratual, possibilitando que se restabeleça no mercado sem a interrupção de suas atividades durante o prazo respectivo.
É também importante ressaltar que o prazo de aviso costuma ser compreendido pela jurisprudência como dado importante na conjugação com a forma pela qual a empresa fabricante comunica ao distribuidor a denúncia do contrato. Se a ruptura contratual é considerada abrupta, isso poderá implicar pagamento de indenização por lucros cessantes pelo fabricante, devido à quebra da expectativa legítima de continuidade do contrato. Se, de outro lado, o fabricante comprova que comunicou o distribuidor adequadamente, concedendo-lhe aviso prévio compatível, a tendência é que não seja devida nenhuma indenização motivada pela rescisão. (Referência jurisprudencial: TJSP, 12ª C. Dir. Priv., AC 1.237.997-0).
Outros aspectos relevantes à rescisão dos contratos de distribuição, contudo, não estão previstos no regramento do Código Civil, cabendo à jurisprudência o estabelecimento dos critérios respectivos. É o que se verifica com relação aos critérios de cálculo para pagamento de indenização por lucros cessantes ao distribuidor, quando cabível, e à obrigação de recompra do estoque pelo fabricante.
No tocante à indenização por lucros cessantes, os tribunais têm, arbitrariamente, criado critérios balizadores por meio da aplicação analógica da lei Ferrari e da lei de representação comercial (lei 4.886/65 - clique aqui).
O critério de cálculo majoritariamente utilizado leva em conta a média do lucro auferido pelo distribuidor nos doze meses anteriores ao evento que motivou a indenização, projetada por um período de doze a vinte e quatro meses. (Referência jurisprudencial: TJSP, 7ª C. Dir. Priv., AC 122.337-4/2-00, TJSP, 23ª C. Dir. Priv., EI 991.05.025098-2/50002 (7.029.588-8/02) e TJRS, 16ª C. Cíc. AC 70011214178). Esse critério, no entanto, não está pacificado, sendo que por vezes os tribunais adotam metodologia de cálculo diversa, conferindo insegurança e instabilidade ao mercado de distribuição, tendo por consequência a elevação dos custos de transação.
Vale destacar, no entanto, que o valor da indenização por lucros cessantes tem sido fixado pela jurisprudência de forma bastante ponderada, levando-se em conta a necessidade da efetiva prática de ilícito pelo fabricante. (Referência jurisprudencial: TJRS, 19ª C. Cív., AC 70000738641). Diversas decisões reconhecem, inclusive, que o fabricante não pode ser compelido a manter relações com seus distribuidores por prazo eternizado, já que o mercado pode oferecer opções economicamente mais vantajosas, além da possibilidade de distribuidores mais diligentes sobressaírem-se na execução de suas atividades, fatores que certamente poderão guiar à rescisão do contrato de distribuição em vigor. (Referência jurisprudencial: TJRS, 17ª C.Cív., AC 70018228783 e STJ, 4ª T., AI 988.736). Por essa concepção, afasta-se acertadamente a jurisprudência da lógica da legislação dos representantes comerciais, a qual garantiria o pagamento de indenização pelo simples fato de o contrato haver sido rescindido, independentemente da prática ou não de ilícito pelo fabricante.
O outro aspecto que vem sendo abordado pela jurisprudência diz respeito à imposição da obrigação de recompra do estoque pelo fabricante ao final do prazo contratual, o qual coincidirá com o final do prazo de aviso prévio concedido.
A jurisprudência tem estabelecido essa imposição em favor do distribuidor, na medida em que este é obrigado a manter estoque razoável durante a vigência do contrato. Na visão dos Tribunais, fazer com que o distribuidor arque com o prejuízo de produtos que não mais poderá vender em razão de manifestação unilateral do fabricante caracterizaria evidente abuso de direito. Seja como for, é importante destacar que o fabricante também é protegido com tal medida, pois a recompra do estoque remanescente acaba mostrando-se como uma garantia de que seus produtos não serão mais comercializados por aquele distribuidor com o qual encerrou a relação contratual. (Referência jurisprudencial: TJRS, 6ª C.Cív., AC 70020693958 e TJSP, 26ª C. Dir. Priv., AC 994.05.067567-0).
Conclui-se, portanto, que a jurisprudência mais recente, diante da forma como os contratos de distribuição foram regrados pelo Código Civil, tem admitido certa flexibilidade no trato das relações comerciais, sem que uma das partes seja demasiadamente onerada frente à outra, ainda que os portes empresariais sejam diversos, como pode ocorrer na comparação entre uma empresa fabricante e uma distribuidora. A tendência é a de que, pouco a pouco, a jurisprudência passe a adotar critérios mais adequados à realidade das relações entre fabricantes e distribuidores, considerando os interesses envolvidos e os fatores incidentes na rescisão de um contrato de distribuição.
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*Advogada do escritório Veirano Advogados
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