Uma nova vida sempre é possível
Marcelo Malizia Cabral*
Tomando um chimarrão, relembrava os doze anos em que lá residi e trabalhei. Minha curiosidade não me deixava descansar e meus olhos vertiam para a praça central da cidade em busca de alguém que pudesse me informar sobre a Cooperativa João-de-Barro, projeto que ajudei a criar e que busca a geração de trabalho e renda para egressos do sistema prisional. Como ninguém passasse ou nada ofertasse para nutrir meu desejo, resolvi procurar a casa de daquele que era seu presidente quando deixei de trabalhar na cidade, em 2007.
Quase às margens do Rio Piratini encontrei André Luís. Outrora um "sem-rumo", orgulhoso, exibia suas duas filhas que dormiam em um sofá. Sua esposa estava no trabalho e ele ausentara-se por poucos instantes do bar que abriu ao deixar a Cooperativa. Convidou-me para entrar. Na mesa de entrada da casa, o troféu conquistado pela Cooperativa João-de-Barro em 2005, quando vencedora do Prêmio Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do RS. Em uma pasta, documentos, fotografias e lembranças do tempo em que trabalhara na João-de-Barro. E uma gravata borboleta: "Essa aqui, doutor, é a gravata com que servi o Presidente do Tribunal, o Desembargador Stefanello, quando a Cooperativa completou seu primeiro ano", disse-me, com voz e olhos embargados.
Dali, fui à casa de seu primeiro presidente, Itailor. Eram cerca de 11 horas. Atendido por seu pai, Itagiba, que custou a me conhecer, exclamou: "Itailor, o doutor está aqui, quer falar contigo". Com as mãos sujas de cimento, Itailor aproximou-se. Trocava o piso da casa. Mostrou-me seus dois filhos que brincavam com o avô à frente da casa, na rua de chão batido. Contou-me que está a trabalhar de "carteira assinada" na construção da rede de esgotos da cidade. Relatou-me, ainda, que a Cooperativa segue em plena atividade e indicou-me a casa de seu atual Presidente, Luiz Carlos.
Pensativo com a acolhida que receberia daquele em relação a quem firmei alguns decretos condenatórios no passado, aproximei-me da casa. Luiz Carlos, com um sorriso espantado, saudou-me. Contou-me que depois de cerca de uma década na prisão, retornando a Pedro Osório, foi acolhido pela Cooperativa João-de-Barro. Está na posição de Presidente. A olaria onde produziam tijolos está arrendada, pois as burocracias legais e fiscais não os deixaram prosseguir na atividade. Com o valor do arrendamento, pagam os impostos para a Cooperativa funcionar. Com cerca de dez trabalhadores, prestam serviços de limpeza de vias públicas para as Prefeituras de Pedro Osório e Cerrito. Buscou, radiante, uma pasta com documentos. O primeiro a mostrar-me foi a quitação dos tributos municipais. No talão de notas, a mostra da pujança da Cooperativa, com várias prestações de serviço registradas. Ao fundo, um cheque que recebera em pagamento de serviços a descontar na segunda-feira. Contou-me que seus sonhos são reativar a olaria, construir uma sede e ampliar a Cooperativa para receber mais egressos do sistema prisional.
Satisfeito, voltei para casa e contei para minha família que se confirmara aquilo em que sempre acreditei: Uma nova vida sempre é possível.
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*Juiz de Direito no Rio Grande do Sul
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