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A evolução do conceito de Adoção à Brasileira e os novos rumos das Jurisprudências

A "Adoção à Brasileira" tem sido muito discutida ultimamente não só no que se refere a sua autenticidade, mas também quanto aos princípios adotados por juristas e juízes para justificar a aceitação de tal ocorrência, defendendo uma falsa declaração feita na ocasião do registro e considerando legal e irretroativa a paternidade declarada por pessoa consciente de estar registrando filho de outro.

6/4/2011

A evolução do conceito de Adoção à Brasileira e os novos rumos das Jurisprudências

Raquel Macedo Moreira*

A "Adoção à Brasileira" tem sido muito discutida ultimamente não só no que se refere a sua autenticidade, mas também quanto aos princípios adotados por juristas e juízes para justificar a aceitação de tal ocorrência, defendendo uma falsa declaração feita na ocasião do registro e considerando legal e irretroativa a paternidade declarada por pessoa consciente de estar registrando filho de outro.

Muitos processos surgiram nos últimos anos requerendo anulação dos registros de nascimentos por parte de parentes do registrante que, comumente, não aceitam a manifestação de vontade do suposto 'pai' por estar em desacordo com as suas próprias. As jurisprudências da última década, no entanto, começaram a apresentar um padrão diferente do até então utilizado para julgar casos em que há falsa declaração de paternidade.

O que o STJ manteve como sua posição até então era que se consolidava "irrevogável o reconhecimento de paternidade, salvo por erro, dolo, coação, simulação ou fraude(..)", ou seja, independentemente do suporte fático, o homem que se registra como seu o filho de outro sofreria consequências civis: a anulação do registro, assim como penais visto que o art. 242 do CP (clique aqui) define a falsa declaração de paternidade como tipo penal e passível de pena de reclusão.

A mudança que vem ocorrendo de uns tempos pra cá não é só uma atualização jurídica, mas uma equiparação da lei a fim de acompanhar as mudanças que ocorrem na sociedade, ainda que isso deixe lacunas a serem preenchidas.

Nesse mesmo art. 242 do CP – Parágrafo único infere-se: "Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena". A lacuna existe exatamente na menção da reconhecida nobreza, até então não explicitada. De acordo com Plácido E. Silva, em sua obra Vocabulário Jurídico1, uma causa nobre seria aquela que 'exprime qualidades de virtuosa, bondosa, generosa, magnânima e méritos que elevam a pessoa na consideração de seus semelhantes'. Portanto, se o reconhecimento do filho alheio possuir causas como o bem-estar da criança ou garantia de um futuro melhor para o menor, então o registro teria como fundamento uma causa nobre podendo não estar sujeito à pena alguma.

A maior inovação no que refere ao assunto está na adaptação desta 'isenção de consequências' no âmbito penal para o âmbito civil, ou seja, a conservação do registro mesmo que nele conste o nome de alguém que se saiba não ser o pai. Seria, então, uma espécie de adoção. É aí que surge o termo "Adoção à Brasileira".

Silvio de Salvo Venosa2 define adoção como uma "Modalidade artificial de filiação que busca imitar filiação natural". Maria Helena Diniz3, a exemplo de Silvio Rodrigues, define de forma semelhante, mas adicionando que a adoção é "ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha", ou seja, ainda que a "Adoção à Brasileira" e a Adoção Tradicional4 possuam os mesmos fins jurídicos para o menor e para os pais, há uma diferenciação no procedimento por meio do qual tais fins foram alcançados. Enquanto a Adoção Tradicional exige "procedimento solenes" como evidencia Maria Helena Diniz, a Adoção à Brasileira é realizada por meios considerados ilícitos.

A decisão dos juízes de considerar legais e válidas as consequências de um ato ilícito baseiam-se na prevalência da relação sócio afetiva, construída durante longo período de tempo entre pai e menor adotado sobre o vínculo consanguíneo, que não necessariamente caracteriza relação próxima ou benéfica para a criança. No Código Civil de 1916 (clique aqui), o foco da adoção era ajudar pais que não podiam ter filhos de formas naturais, no sentido de que era mais importante prezar pelos interesses dos pais que buscavam a realização de possuir descendentes. Já no CC de 2002 (clique aqui), acompanhando as necessidades e evoluções sociais, e de acordo com ECA5 (lei 8.069/90 - clique aqui), os interesses a serem protegidos pelo Estado passam a ser os das crianças. Adquire maior relevância, portanto, o bem-estar da criança, bem com sua estabilidade familiar e isso fina por sobrepor-se ao interesse dos pais.

É dessa forma e seguindo tal linha de pensamento que as jurisprudências tomaram novo rumo. O TJ/MG foi um dos que adotou a inovação. Em um caso julgado em 20076, o Des. Nilson Reis negou provimento à apelação interposta pela família de um falecido, que havia registrado como sua a filha de mulher com quem mantinha relações extraconjugais, buscando anulação do registro de nascimento da menina. Entendendo o desembargador que não houve coação e, portanto, não houve vícios na manifestação de vontade de registrante, o registro deveria ser mantido a fim de garantir o bem-estar da criança e um futuro melhor para a menor, bem jurídico de maior valor a ser protegido no caso.

Uma outra decisão, essa do TJ/SP, discorre sobre a validade desse tipo de adoção no qual a Des. Neves Amorim, em caso julgado em agosto de 20107, também nega provimento à apelação interposta por familiares insatisfeitos com a decisão da 1ª instância de não alterar o registro de nascimento da criança, sustentando que "diante do fato se formam laços afetivos entre o registrando e o registrado, vínculos estes que muitas vezes são até mais fortes do que os sanguíneos".

Pode-se concluir, então, que um novo registro de jurisprudências sobre o assunto tem sido tomado como exemplo nas decisões dos Tribunais de Justiça de todo o país. O novo rumo simboliza uma adaptação do sistema jurídico aos problemas enfrentados ao se deparar com lacunas no ordenamento. É importante reconhecer o avanço que mostra não só a capacidade de ajuste do sistema quando necessário como também a preocupação com os interesses da criança, que hoje passa a ser o foco de causas como a da Adoção à Brasileira.

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1 SILVA, De plácido e. Vocabulário jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 953.

2 Direito Civil Vol VI, Direito da Família, 3ª ed. São Paulo: Jurídica Atlas, 2010, p. 315.

3 Curso de Direito Brasileiro V. Direito da Família. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 522-523.

4 Adoção Tradicional: Estabelecida pela Lei 12.010 de 03 de agosto de 2009 dispõe sobre adoção; altera as Leis nº8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança de do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga os dispositivos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; e dá outras providências.

5 ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente; estabelecido pela Lei 8.560, de 29 de dezembro de 1992. Vide artigo 227 da CF.

6 TJMG 1.0672.00.029573-9/001(1), Nilson Reis, 27/02/2007.

7 TJSP 9110505-32.2005.8.25.0000, Neves Amorim, 10/08/2010.

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*Membro da área de Direito de Família do escritório Almeida Guilherme Advogados Associados

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