Receita Federal abre fogo contra contribuintes
Rodrigo Bernardes Ribeiro*
Revelada como o peso econômico da vida em sociedade, a cobrança de tributos, na sua concepção clássica e genérica (esbulho de bens pelo poder dominante), mostra-se presente desde os primórdios da humanidade, com vitórias e derrotas de ambas as partes. Na Inglaterra do século XIII, os contribuintes saíram vitoriosos, colocando amarras ao poder monárquico com a promulgação da Carta Magna de João Sem Terra. Já no Brasil do século XVIII, a Coroa Portuguesa sagrou-se vencedora ao reprimir a Inconfidência Mineira, que se insurgia contra a cobrança de 1/5 sobre todo o ouro que fosse encontrado no país (derrama).
O absolutismo das épocas dos exemplos citados não se mostra mais presente no mundo contemporâneo, em que os Estados são formatados pelas Constituições promulgadas pelo povo e que, assim, restringem os poderes dos soberanos na instituição de tributos.
Não obstante amarras constitucionais, denominadas pelo saudoso Aliomar Baleeiro como limitações ao poder de tributar, o vigor estatal progrediu – o peso da carga tributária hoje é de mais de impressionantes 1/3, de acordo com estudos da própria Receita Federal do Brasil. Esse gigantesco encargo justifica cada vez mais a busca por reduções, algumas vezes lícitas (planejamento tributário ou elisão fiscal), outras não.
O Fisco, porém, está se armando cada vez mais contra os contribuintes, adentrando suas trincheiras com mecanismos como: DIRF, Dimob, DOI, DIPJ, Dprev, DITR, Dimof, Decred, Dmed e a própria declaração de ajuste anual do imposto de renda pessoa física. Todo esse arsenal de siglas é utilizado para identificar possíveis receitas tributáveis por meio de cruzamento de informações, a fim de, como um atleta olímpico, bater novos e mais impressionantes recordes de arrecadação.
Dessas armas, chamam a atenção, principalmente, a Dmed (Declaração de Serviços Médicos), a Decred (Declaração de Operações com Cartões de Crédito) e a Dimof (Declaração de Informações sobre a Movimentação Financeira).
A Dmed atrai a curiosidade por ser nova, mas basicamente ela corresponde à DIPJ dos médicos, que devem ali identificar as receitas que auferem e os seus respectivos pagantes (pacientes). É utilizada, portanto, para fiscalizar as deduções efetuadas pelos contribuintes, evitando com isso evasões fiscais, mostrando-se, assim, válida.
Já a Decred afere uma renda pela via inversa, isto é, apura a receita auferida pelos gastos despendidos. A princípio, esse expediente é válido do ponto de vista lógico, já que se uma pessoa pode gastar determinada quantia é porque ela possui esse montante. Porém, na prática, isso não corresponde à verdade. Inúmeros são os exemplos de consumidores endividados, que, por seu turno, estimulam o surgimento de campanhas de uso racional do crédito e um enorme mercado de estudos, livros e palestras sobre equilíbrio orçamentário pessoal.
Além disso, a utilização dessa declaração peca num detalhe técnico. Embora as operadoras de cartão de crédito sejam obrigadas a informar apenas gastos superiores a R$ 5.000,00 mensais, todas as despesas dos cartões adicionais são agrupadas no CPF do titular. Desse modo, muitos gastos que não são efetuados por verdadeiros dependentes (filhos menores ou pessoas sob guarda judicial) são atribuídos ao titular, resultando em aumento inverídico da sua receita.
A Dimof, por seu turno, é igualmente obrigatória a partir de R$ 5.000,00 mensais, porém esse limite não diz respeito à guarda desse valor em conta bancária, mas sim de movimentação financeira, de modo que o mero trânsito de numerário é informado ao Leão. Incluem-se aí, por exemplo, depósitos de quantia pertencente a amigos ou familiares, que posteriormente são sacados e entregues a eles, e depósitos de numerários que servem para pagamento de contas de terceiros que não possuem conta bancária ou pedem um "favorzinho" para não terem que ir ao banco.
Todos esses descompassos podem, obviamente, ser corrigidos em defesas administrativas ou judiciais, mas fazem surgir novos gastos e atrasam as restituições. De qualquer forma, o contribuinte deve agora ser muito mais cauteloso (alguns dizem mais egoísta e antissocial) e documentar-se contabilmente tal qual uma empresa, guardando os comprovantes por pelo menos cinco anos, para que não vire um mártir.
A luta, entretanto, continua. A guerrilha tributária continua viva e atuante!
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*Advogado do escritório Fernando Corrêa da Silva Sociedade de Advogados
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