Não incidência do IR sobre os juros de mora que caracterizem indenização
Jimir Doniak Júnior*
Para sustentar a hipótese de tributação dos juros de mora, sustenta-se, com base em teoria tradicional, que tais juros teriam a natureza de acessório de uma obrigação principal e que o acessório sempre seguiria o principal. Desse modo, se o valor principal é tributado, os juros moratórios também o seriam. Acreditamos que tal entendimento não merece prevalecer porque os juros têm natureza autônoma de verba indenizatória.
Com efeito, na ocasião do julgamento do REsp 1.037.452 (clique aqui), a 2ª turma do STJ observou que o artigo 404 do atual Código Civil (clique aqui) prevê que, se comprovada a insuficiência dos juros de mora para fins de tornar indene o prejuízo causado ao autor, o juiz pode conceder indenização suplementar. Logo, (i) os juros de mora têm o objetivo de tornar indene a parte prejudicada e, (ii) se é viável uma indenização suplementar, é porque indenização inicial havia. Por isso, a ministra Eliana Calmon, relatora desse precedente, sintetizou que a 'questão é simples e está ligada à natureza jurídica dos juros moratórios, que a partir do novo Código Civil não mais deixou espaço para especulações, na medida em que está expressa a natureza jurídica indenizatória dos juros de mora'.
Assim, os juros moratórios têm razão de ser e objetivo próprios, distintos do crédito principal e originário. Eles só existem porque houve mora no adimplemento de uma obrigação, ou seja, transcorreu tempo após o término do prazo de pagamento. Já seu objetivo é de tornar indene o prejuízo decorrente dessa irregularidade. Por isso, ainda que os juros moratórios decorram de um crédito originário – tanto que, se este não existisse, eles não surgiriam –, isso não significa que os juros compartilhariam da mesma natureza e tratamento do crédito originário.
O novo Código Civil evidencia que, na realidade, a natureza jurídica do que se paga não é de juros, mas de indenização. Carvalho Santos já sustentava: as perdas e danos consistentes nos juros de mora configuram "(...) um forfait por meio do qual a importância das perdas e danos é fixada por antecipação ao acontecimento" ("Código Civil brasileiro interpretado", vol. XIV, 8ª ed., p. 269 – a sublinhamos). Perceptível, então, que os juros são apenas uma forma de calcular um valor para a indenização dos danos. Em outras palavras, a obrigação de indenizar o prejudicado é atendida mediante a aplicação da taxa de juros sobre o valor da dívida, como mera forma de fixar/arbitrar o valor da indenização.
Como decorrência, os juros moratórios, em razão do inadimplemento da obrigação no tempo correto, não configuram remuneração de capital. Tanto que Pontes de Miranda lembra o Digesto, segundo o qual: "usurae enim non propter lucrum petentium, sed propter moram solventium infliguntur" (juros (moratórios) não se infligem por lucro dos demandantes, mas por mora dos solventes) ("Tratado de direito privado", t. 24 p. 27). Os juros de mora, assim, não decorrem do uso do capital, mas, inversamente, da sua falta de uso, por inadimplemento ou adimplemento extemporâneo do devedor. Aquele que recebe juros moratórios não é, portanto, um capitalista que procura a melhor forma de remunerar seu capital. É alguém que foi espoliado em seu direito e que por isso é indenizado.
Ocorre, no caso da mora por pagamento em atraso, a inviabilidade de entregar o bem "in natura", ou de restituir a pessoa prejudicada à situação que existiria sem o dano. Em tais casos, o próprio STJ já decidiu que a indenização apresenta-se "(...) amiúde em equivalente, isto é, 'uma soma em dinheiro' a ser paga pelo réu, como forma de 'compensar' a vítima (...)" (REsp 963.387 – clique aqui, Min. Herman Benjamin).
Na hipótese em análise, o que se objetiva recompor é o direito do credor de ver adimplido o seu crédito no momento pactuado, é substituir, de alguma forma, o tempo passado sem os recursos que cabiam ao credor. É o que diz Carvalho Santos: "A presunção justifica-se porque o devedor, privando o credor da prestação com que ele contava, implicitamente privou-o de possíveis oportunidades de imediata colocação de seu capital, (...)" (ob. cit., p. 285 – sublinhamos).
Possíveis oportunidades, aqui, não significam, necessariamente, oportunidades financeiras. O significado é mais amplo. São oportunidades de todo o tipo. Como diz Pontes: "O que se colima é a substituição de ritmo da vida, de prazer, de bem-estar psíquico, que desapareceu, por outro, que a indenização permite" (ob. cit., p. 32 e 33). Em outras palavras, se o credor é uma pessoa física, ele poderia ter aplicado os recursos para realizar um investimento bancário, mas poderia também tê-los destinado para tratar de um problema de saúde seu ou de alguém próximo, ou gasto em seu lazer e bem-estar e de sua família, ou poderia ter iniciado um negócio que, passados vários anos da mora, sua idade não mais permite. Enfim, a vida do credor poderia ter sido outra se não tivesse havido a mora. A indenização objetiva substituir isso.
Bem identificado o que a indenização substitui, resta verificar se ela é tributável.
O STJ proferiu, nos últimos anos, várias decisões sobre a questão da tributação das indenizações. A 1ª seção, ao julgar a tributação da indenização do dano moral, consagrou o entendimento de que o exame quanto à tributação não deve cingir-se a determinar se há aumento do patrimônio material. Para esse efeito deve ser analisado o patrimônio como um todo – material e imaterial – do contribuinte.
Realmente, nota-se nesse julgado a atenção ao patrimônio global da vítima: se o patrimônio imaterial foi diminuído em razão do dano moral e a indenização aumenta o patrimônio material, o patrimônio global continua o mesmo e por isso não há tributação.
Outra discussão ocorrida no STJ quanto à tributação de indenizações refere-se aos valores pagos por férias e licença-prêmio não gozadas. Eles também são muito próximos da questão dos juros moratórios. As férias e a licença-prêmio também dizem respeito ao tempo. De fato, o funcionário tem direito a um determinado período de tempo em que ele ganha seu salário a despeito de não trabalhar. Decidiu o STJ que, "(...) negado o direito que deveria ser desfrutado in natura, surge o substitutivo da indenização <_st13a_personname w:st="on" productid="em pec?nia. O">em pecúnia. O dinheiro (...) não se traduz em riqueza nova, (...) apenas recompõe o patrimônio do empregado, que sofre prejuízo por não exercitar esse direito" (RMS 18.750 – clique aqui – sublinhamos).
Justamente por essa razão, o Supremo Tribunal Federal, ao deparar-se com tal questão, decidiu pela não tributação dos juros moratórios, ainda que o crédito original fosse tributável. No caso examinado pelo STF, discutia-se o direito de os servidores públicos do STF serem indenizados, mediante o pagamento de juros de mora, em razão de a Administração ter pago em atraso as diferenças de URV (11,98%).
Realmente, o STF concluiu, nos autos do Processo Administrativo 323.526, que os juros moratórios "não podem ser classificados como acréscimo patrimonial, pois sua finalidade é sanar o dano sofrido na demora do adimplemento da obrigação principal". O Tribunal adotou, como fundamento para decidir, que os juros de mora têm natureza distinta do valor principal, uma vez que visam recompor as perdas e danos do credor, não configurando acréscimo patrimonial.
Pelos mesmos fundamentos que justificaram a decisão do STF, o próprio STJ e o CJF adotaram o entendimento de que não incide o IR sobre os valores pagos a título de juros de mora em razão das diferenças salariais de URV (estas, sim, tributáveis) (Proc. 2003.16.0547 e 2008.16.0185, do CJF).
Por todos esses motivos, nos parece que deve ser reconhecido o caráter indenizatório dos juros moratórios decorrentes do pagamento tardio de créditos originais, mesmo quando estes configuram remuneração tributável. Os juros moratórios não significam fluxo de riqueza nova aptos a ensejar a cobrança do IR, mas sim indenização não tributável, que apenas recompõe o patrimônio – material e imaterial – pré-existente.
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*Advogado do escritório Dias de Souza Advogados Associados S/C
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