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Os dilemas do aborto de feto anencéfalo

O ser humano, em razão de sua própria natureza, guiado pela inteligência de que é dotado, esbarra frequentemente em fatos novos que introduzem conceitos e valores diferentes daqueles que originariamente registrou, desde sua infância até a idade madura. Isto porque a conceituação ética finca raízes profundas e dificilmente, numa primeira tentativa, possibilitará uma radical mudança de pensamento.

11/3/2011

Os dilemas do aborto de feto anencéfalo

Eudes Quintino de Oliveira Júnior*

O ser humano, em razão de sua própria natureza, guiado pela inteligência de que é dotado, esbarra frequentemente em fatos novos que introduzem conceitos e valores diferentes daqueles que originariamente registrou, desde sua infância até a idade madura. Isto porque a conceituação ética finca raízes profundas e dificilmente, numa primeira tentativa, possibilitará uma radical mudança de pensamento.

Quando se fala em abortamento, que é o termo correto para designar a interrupção da gravidez <_st13a_verbetes w:st="on">até a 20ª <_st13a_verbetes w:st="on">ou 22ª <_st13a_verbetes w:st="on">semana de <_st13a_verbetes w:st="on">gestação, contando <_st13a_verbetes w:st="on">ainda <_st13a_verbetes w:st="on">que o <_st13a_verbetes w:st="on">feto esteja pesando <_st13a_verbetes w:st="on">menos de <_st23a_metricconverter w:st="on" productid="500 gramas">500 <_st13a_verbetes w:st="on">gramas, vem à tona a ojeriza ética pelo procedimento, que é considerado um ato atentatório contra a vida. A lei, com sua função homologatória do pensamento da sociedade civil e, com base em critérios próprios, estabelece as causas permissivas e impeditivas do abortamento, desprezando qualquer conotação religiosa, em razão da laicidade prevista na Constituição.

Duas são as modalidades permissivas previstas no Código Penal. A primeira, para salvar a vida da gestante que, no critério de proporcionalidade do legislador, ganha vantagem em relação ao feto. A segunda, quando for proveniente de estupro, que vem a ser a relação sexual não consentida pela mulher.

Uma terceira causa, que é o abortamento de feto anencéfalo, com reiteradas incidências, não prevista em lei, vem frequentando a Justiça brasileira e bateu às portas da mais alta corte do país por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), solicitando uma definição judicial a respeito. Anencéfalo corresponde à malformação fetal, que consiste na ausência da caixa craniana e dos hemisférios cerebrais, responsáveis pela morte do feto antes ou logo após o parto.

Por um lado, abraçando os preceitos éticos e cristãos, a vida deve ser prezada em qualquer circunstância, mesmo que seja efêmera, em razão da própria dignidade humana. Afinal, num minuto se vive uma vida, no falar do Al Pacino, no filme Perfume de Mulher. Se o feto é considerado um ser humano desde sua concepção, não há nenhum motivo para impedir o seu nascimento, uma vez que é detentor do direito à vida e não pode ser condenado no seu casulo intrauterino. Sem comentar ainda da falibilidade do exame que relata a extensão da anencefalia. É o caso típico da menina Marcela, da cidade de Patrocínio Paulista, diagnosticada como tal e que viveu durante um ano e oito meses, contrariando as previsões médicas.

Por outro lado, numa posição mais racional, se o feto for portador de uma doença que comprometa sua atividade encefálica, sem qualquer chance de vida fora do útero, não há vida. O Supremo Tribunal Federal definiu que a vida se inicia somente com a concepção "in ventre", deixando claro que na fertilização "in vitro", quando se manipula o material procriativo do homem e da mulher, não há vida. E a morte, ainda na definição legal, ocorre quando da falência da atividade encefálica. Tanto é que, para a extração de órgãos e tecidos humanos para doação, quando autorizada pelos familiares, o coração deve pulsar para registrar a vida biológica.

Daí que nossos Tribunais, em razão de ausência de uniformização jurisprudencial, alguns decidem pela autorização do procedimento e outros contra. O Supremo Tribunal Federal já deferiu em 2004, por meio de uma liminar concedida, cassada ainda no mesmo ano, a realização do abortamento de feto anencefálico. A questão, no entanto, continua sem decisão jurídica, o que deve acontecer ainda este ano.

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*Promotor de Justiça aposentado/SP. Advogado e reitor do Centro Universitário do Norte Paulista - Unorp

 

 

 

 

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