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Um tiro certeiro na liberdade, na legalidade e na economia

As agências reguladoras surgiram no Brasil a partir de um modelo organizacional que vinha sendo crescentemente empregado nos EUA e na União Europeia. Contudo, aqui, foi adotado somente parte desse modelo. Pode-se afirmar que as Agências fizeram ressurgir as autarquias em seu modelo original de independência e autonomia.

3/3/2011

Um tiro certeiro na liberdade, na legalidade e na economia

Adenisio Coelho Junior*

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA tem, constantemente, aparecido nas páginas dos jornais, por usurpar a competência legislativa, subsumindo-se nas funções do Congresso Nacional.

Tão radicais são suas atitudes que inexoravelmente remetem aos versos de Eduardo Alves Costa, que bem sintetizam a questão.

"Na primeira noite eles se aproximam, roubam uma flor do nosso jardim. E não dizem nada. Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam nosso cão e não dizem nada. Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não dizemos nada."

As agências reguladoras surgiram no Brasil a partir de um modelo organizacional que vinha sendo crescentemente empregado nos EUA e na União Europeia. Contudo, aqui, foi adotado somente parte desse modelo. Pode-se afirmar que as Agências fizeram ressurgir as autarquias em seu modelo original de independência e autonomia.

De toda sorte, muitas das características institucionais das agências reguladoras têm suscitado grandes controvérsias no meio jurídico e sócio-político.

Decorrência lógica de tais controvérsias são as diversas iniciativas legislativas que visam a implementar mudança no perfil dessas autarquias, mormente para aumentar os mecanismos de controle pelo Poder Executivo Central, isso porque o tema de maior preocupação diz respeito à [in]competência das agências reguladoras de emitir normas gerais e abstratas para disciplinar o exercício de atividades econômicas por particulares, ou seja, no caso da ANVISA, para restringir direitos fundamentais.

A Advocacia Geral da União – AGU já emitiu parecer ressaltando a incompetência da ANVISA para editar "normas" restringindo a publicidade de produtos sob sua fiscalização.

Com efeito, as restrições – sempre excepcionais, ainda que também em sede constitucional – a direitos fundamentais (de comunicação, informação, propaganda, indústria e comércio) devem ser interpretadas restritivamente, já que, fora do âmbito de sua incidência, vige a norma geral pro libertate inerente aos direitos fundamentais, in casu, a garantia da liberdade de comunicação e de iniciativa econômica (artigos 1º, IV; 5º, IX e XIV; 170; e 220, Constituição Federal – clique aqui).

Deste modo, não há necessidade de se tecer maiores comentários sobre as teses jurídicas que sustentam a incompetência da ANVISA, já que o parecer emitido pela AGU é irretocável.

Exemplos dos atropelos à Constituição Federal efetuados pela ANVISA são as famigeradas RDC's que visam a regular a propaganda de alimentos, bebidas, medicamentos e tabaco. O fato é que somente o Congresso, por meio de lei Federal (norma geral), é que pode legislar sobre propaganda.

No tocante às competências da ANVISA, o artigo 8º, caput, da lei 9.782/99 (clique aqui), estabelece que: "Art. 8º Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública."

Um olhar mais superficial seria capaz de afirmar que a ANVISA, no seu poder de regulamentar, controlar e fiscalizar estaria acima de qualquer controle. Contudo, o que diz a lei é que, respeitada a legislação em vigor, pode a ANVISA atuar na defesa da saúde da população.

Na prática, o que se observa, porém, é que a cada investida da ANVISA afasta-se ela da legislação em vigor, ou seja, da norma geral erigida por lei Federal que regulamenta a publicidade dos produtos sob sua fiscalização.

Não é difícil para o cidadão médio identificar as irregularidades perpetradas pela ANVISA. A lei Federal já estabeleceu o que pode e o que não pode ser feito, mas a ANVISA, sob o pálio de proteger a saúde da população, em atitude ditatorial, amplia o escopo das restrições já estabelecidas pela lei, chegando ao ponto de criar restrições antes inexistentes.

Ora, ou os produtos têm defeitos intrínsecos e não deveriam ser produzidos e, por consequência, ser consumidos ou, se permitida pelo Estado sua comercialização, por se tratar de produtos lícitos, mesmo que estes apresentem riscos inerentes, não se afigura justo criar-lhes barreiras ilegais decorrente do ideologismo de alguns agentes públicos.

Há quem entenda que, em razão das deficiências do Estado em prover um sistema de educação e saúde dignos à população, este deveria tutelar o cidadão a ponto de infantilizá-lo, ou seja, retirando deste a liberdade de escolha e, por consequência de assumir os riscos inerentes a esta escolha consciente.

O agir da ANVISA vai de encontro ao desenvolvimento sustentável do país, pois, além de ser necessário garantir política econômica estável, é preciso ter-se um sistema legal que garanta aos jurisdicionados o mínimo de certeza, segurança e estabilidade para planejar seus negócios.

No caso específico do tabaco, embora exista um movimento global que visa a erradicar sua cultura e, por consequência, a produção e consumo de seus derivados, países como China e EUA, que competem com o Brasil na produção/exportação de fumo, diferentemente, não demonstram o mesmo entusiasmo para abrir mão desta commodity.

Não se desconhece os males relacionados ao consumo de produtos derivados do tabaco, nem tampouco se é contra estabelecer políticas de informação e conscientização da população que, por vezes, possam exigir a implementação de certas restrições. Contudo, as restrições devem, necessariamente, partir de uma base legal constitucional e, sobretudo, ser razoáveis e ponderadas.

A China, a maior produtora e consumidora de fumo no mundo, assinou a Convenção Quadro Para o Controle do Tabaco (FCTC sigla em inglês), em 2003, ratificou em 2004, estando vigente desde 2006, mas, até os dias atuais, adotou algumas poucas medidas entre aquelas recomendadas na convenção internacional. Na China, as empresas de tabaco podem anunciar seus produtos no ponto de venda, através de eventos patrocinados e escolas, em outdoors, online, e através de publicidade extensiva de empresas afiliadas com os mesmos nomes das marcas de tabaco1.

Os EUA, que está entre os quatro maiores produtores e exportadores de tabaco no mundo, assinou a convenção (FCTC) em 2004, porém, até os dias atuais, não a ratificou. Por lá, a publicidade de cigarro é livre. É verdade que, em razão da autorregulamentação, os fabricantes não anunciam na mídia televisiva, mas na mídia impressa se anuncia2.

O Brasil é o segundo maior produtor mundial de tabaco e líder em exportações desde 1993. Em 2009, apesar da crise internacional, o tabaco atingiu seu recorde nos valores embarcados, totalizando US$ 3,02 bilhões, 2% das exportações totais brasileiras.

O cultivo do tabaco envolve 720 municípios, 185 mil famílias, 2,5 milhões de empregos diretos e indiretos, ocupando a 6ª posição no ranking de negócios internacionais do agronegócio.

Da produção de 668 mil toneladas registrada na safra 2009/2010, 85% foram destinados ao mercado externo. O principal mercado brasileiro neste período foi a União Europeia com 45% do total dos embarques de 2009, seguido pelo Extremo Oriente (23%), África/Oriente Médio (10%), América do Norte (10%), Leste Europeu (9%) e América Latina (3%). Para o Sul do Brasil, a cultura é uma das atividades agroindustriais mais significativas. No Rio Grande do Sul, a participação do tabaco representou 13,9% no total das exportações; em Santa Catarina, 12,7%3.

Na contramão dos indicadores econômicos, a ANVISA edita duas consultas públicas cujo verdadeiro intuito é erradicar a cultura do fumo no Brasil.

A consulta pública 112 (clique aqui) trata da adição de açúcares e aromatizantes na composição de determinado tipo de fumo utilizado na fabricação dos cigarros. O fumo em questão é o tipo Burley, produzido por 50 mil famílias nos três Estados do Sul. Caso a demanda pelo produto deixe de existir, calcula-se que, além das 50 mil famílias, 20 mil postos de trabalho serão extintos. Na outra consulta pública da Anvisa, de número 117 (clique aqui), a agência pretende restringir ainda mais a venda e propaganda do cigarro, que já é quase inexistente. Restringir em excesso é proibir.

Fato curioso, e que desperta atenção, é a voracidade da indústria de combate ao tabaco que, travestida de ONG, tem recebido aportes financeiros de grandes empresários norte-americanos 4 5.

Segundo afirmou uma integrante da ONG: "Ter dois gigantes do mundo dos negócios na luta contra o tabaco é uma grande mudança de paradigma, pois sabemos que o maior obstáculo para implementar políticas de controle do tabagismo é a interferência da indústria do tabaco junto às autoridades competentes. Agora, que temos líderes do mundo corporativo comprometidos em salvar milhões de vidas, podemos ficar mais confiantes de que não perderemos esta batalha."

Estariam mesmo os referidos empresários preocupados com a saúde da população mundial ou seus objetivos, impregnados pelo patriotismo do povo norte-americano, seriam outros?

Nos EUA, a fundação Bill & Melinda Gates, por exemplo, se concentra em fornecer acesso à tecnologia nas bibliotecas públicas, na garantia da qualidade de oportunidades educacionais para todos os alunos6.

Mas, agora, é mecenas da indústria antitabagista, nos países produtores, que não os EUA7.

Notícia publicada em 14/11/10, no Estado de S. Paulo, por Adam Nagourney, informava que a "Indústria do jogo libera fumo em cassinos de Las Vegas".

"...Lideres cívicos que poderiam estar desconfortáveis em permitir um hábito que tem, se podemos dizer, lados negativos demonstráveis, apontam para a evidência de que uma proibição prejudicaria o negócio dos cassinos, argumentando que fumar faz parte da experiência de Las Vegas tanto quanto a bebida grátis, apostar moedas às 7 horas da manhã e serviços de acompanhantes. Atlantic City proibiu o fumo em 2008 e recuou da proibição um mês depois por causa dos cassinos".

Por isso, não se pode silenciar!

As iniciativas da ANVISA afetarão apenas o mercado formal e servirão de fomento à ilegalidade, em especial ao contrabando, hoje representando 27% do mercado total de cigarros, calculado em aproximadamente R$ 2 bilhões por ano, valor que seria suficiente para construir 40 mil casas populares.

O resultado prático será perda de arrecadação pelo Estado; redução da mão-de-obra empregada na produção de tabaco e de cigarros; perda da receita e redução do número de empregos no varejo formal; redução das exportações na faixa de US$ 300 milhões ao ano; redução do mercado formal e aumento da criminalidade.

E viva o paraíso da pirataria, onde tudo é ilegal e completamente fora de qualquer controle, inclusive sanitário, do Estado. Sem dúvida, para garantir seu mercado, eles irão à consulta pública para apoiar a ANVISA.

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1 Clique aqui.

2 Entrevista como o presidente do CONAR, em 1/8/10, na Folha Online.

3 Clique aqui.

4 Bloomberg doa US$ 125 milhões de seu próprio bolso para luta antitabagista - Clique aqui.

5 Bill Gates e Michael Bloomberg doam US$ 375 milhões para ações de controle do tabagismo - Clique aqui.

6 Clique aqui.

7 Clique aqui. (...Fundação Gates apoiará esforços adicionais para reduzir as altas taxas de tabagismo em países como a China ea Índia, bem como para ajudar a evitar a epidemia do tabaco se enraízem na África.)

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*Sócio do escritório Mario Oscar Oliveira & Advogados Associados. Atua na área de Direito Empresarial

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