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Conta salário e a cobrança indevida de tarifas bancárias com posterior anotação no SPC/SERASA

A conta corrente normal aberta em qualquer instituição bancária traz consigo uma série de tarifas incidentes sobre saques, uso de talão de cheque, débito em conta, etc. O mesmo não acontece, entretanto, quando a conta é aberta para fim exclusivo de recebimento de salário. Esse tipo de conta não gera tarifas bancárias.

1/3/2011

Conta salário e a cobrança indevida de tarifas bancárias com posterior anotação no SPC/SERASA

Marcelo Porpino Nunes*

A questão abordada no presente artigo não é nova. Explico doravante.

A conta corrente normal aberta em qualquer instituição bancária traz consigo uma série de tarifas incidentes sobre saques, uso de talão de cheque, débito em conta, cheque especial com limite e facilidade para obtenção de empréstimos, etc.

O mesmo não acontece, entretanto, quando a conta é aberta para fim exclusivo de recebimento de salário. Esse tipo de conta (conta salário) não gera tarifas bancárias. Em outras palavras, o correntista só a utiliza para receber seus salários. Não tem cheque, não tem limite, etc.

O correntista recebe, no máximo, um cartão bancário para, a quando do pagamento do seu salário, efetuar o saque, normalmente de uma só vez, "zerando" o saldo então existente.

Como disse, a questão não é nova, porquanto regulada pela Resolução do Conselho Monetário Nacional 3402/2006 (clique aqui), publicada no Diário Oficial da União de 8/9/06, que "dispõe sobre a prestação de serviços de pagamento de salários, aposentadorias e similares sem cobrança de tarifas", cujos principais dispositivos estabelecem o seguinte:

"Art. 1º A partir de 1º de janeiro de 2007, as instituições financeiras, na prestação de serviços de pagamento de salários, proventos, soldos, vencimentos, aposentadorias, pensões e similares, ficam obrigadas a proceder aos respectivos créditos em nome dos beneficiários mediante utilização de contas não movimentáveis por cheques destinadas ao registro e controle do fluxo de recursos, às quais não se aplicam as disposições da Resolução 2.025 (clique aqui), de 24 de novembro de 1993, com as alterações introduzidas pelas Resoluções 2.747 (clique aqui), de 28 de junho de 2000, e 2.953 (clique aqui), de 25 de abril de 2002, nem da Resolução 3.211 (clique aqui), de 30 de junho de 2004.


Art. 2º Na prestação de serviços nos termos do art. 1º:

I - é vedado à instituição financeira contratada cobrar dos beneficiários, a qualquer título, tarifas destinadas ao ressarcimento pela realização dos serviços, devendo ser observadas, além das condições previstas nesta resolução, a legislação específica referente a cada espécie de pagamento e as demais normas aplicáveis;

II - a instituição financeira contratada deve assegurar a faculdade de transferência, com disponibilidade no mesmo dia, dos créditos para conta de depósitos de titularidade dos beneficiários, por eles livremente abertas na forma da Resolução 2.025, de 1993, e alterações posteriores, ou da Resolução 3.211, de 2004, em outras instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.

§ 1º A vedação à cobrança de tarifas referida no inciso I aplica-se, inclusive, às operações de:

I - saques, totais ou parciais, dos créditos;

II - transferências dos créditos para outras instituições, quando realizadas pelos beneficiários pelo valor total creditado, admitida a dedução de eventuais descontos com eles contratados para serem realizados nas contas de que trata o art. 1º, relativos a parcelas de operações de empréstimo, de financiamento ou de arrendamento mercantil."

Pela moldura redacional acima, percebe-se claramente a finalidade da Resolução, qual seja, isentar o titular da conta salário da cobrança de qualquer tarifa bancária, seja ela qual for.

Acontece que embora o assunto em si não seja atual, as consequências que dele resultam o são, como salientarei mais adiante.

As nefastas consequências são atualíssimas e causadas pela sanha arrecadadora dos bancos, em sua grande parte.

Na prática, sucede o seguinte: o titular da conta salário pede exoneração de seu cargo ou dele é exonerado. Com isso, não receberá seus salários e deixará naturalmente de movimentar aquela determinada conta.

Passa-se o tempo e o titular daquela conta salário até esquece que ela existe, mas o banco não. Ao contrário, muitas das vezes continua a cobrar tarifas bancárias, cujos juros fazem avolumá-las consideravelmente.

O banco, então, passa a cobrar o correntista até enviar o nome do pobre coitado para os cadastros de listas negras dos inadimplentes, os temíveis SPC/SERASA e afins.

Verificada a anotação indevida do nome do titular da conta salário no SPC/SERASA, aí surgirá o direito de pleitear a imediata retirada dos referidos cadastros de inadimplentes, bem assim a justa indenização por danos morais, por se tratar de anotação indevida, uma vez que tarifa alguma é devida pela movimentação ou não da conta salário.

A questão ganha contornos de atualidade, pois, como advogado militante, tenho verificado julgamentos de casos que tratam do assunto abordado neste artigo. Observe-se:

"Ementa: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. CONSUMIDOR. ABERTURA DE CONTA PARA RECEBIMENTO DE SALÁRIO. COBRANÇA INDEVIDA DE TARIFAS. LIMITAÇÃO NO VALOR MÁXIMO PARA SAQUE. TRANSTORNOS EXPERIMENTADOS PELO AUTOR QUE ULTRAPASSAM A ESFERA DOS MEROS DISSABORES. DANO MORAL CARACTERIZADO. DEVER DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES DAS TARIFAS COBRADAS INDEVIDAMENTE. - Para recebimento de seu salário, o autor teve que promover a abertura de conta salário junto ao banco réu. Ocorre que o demandado lançou taxas na conta do autor, o que se mostra indevido por força da Resolução 3.402/2006, do Conselho Monetário Nacional, que dispõe sobre a prestação de serviços de pagamento de salários, aposentadorias e similares sem cobrança de tarifas. - Ademais, o banco réu limitava o valor máximo para saques em R$ 500,00, o que causava diversos transtornos ao autor, que teve que pagar pelo serviço de transferência dos valores excedentes e se deslocar até a cidade de Caxias do Sul para tentar resolver o impasse, a fim de receber a integralidade de seus proventos de natureza alimentar. - Dano moral caracterizado na espécie, diante de toda a via crucis que foi enfrentada pelo consumidor, sem ver a solução das dificuldades enfrentadas para ter seu salário integralmente recebido. - Quantum indenizatório arbitrado em R$ 2.000,00 que não comporta redução, pois fixado em valor módico e adequado aos patamares normalmente utilizados por esta Turma em casos semelhantes. - Direito à devolução dos valores cobrados pelas tarifas indevidas que deve ser reconhecido, bem como o dever da ré em promover a transferência da totalidade dos proventos do autor para a conta mantida por este junto ao Banrisul. - Sentença mantida por seus próprios fundamentos. Aplicação da regra contida no art. 46 da lei 9.099/95 (clique aqui). NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO (Recurso Cível Nº 71002436236, Primeira Turma Recursal Cível do Estado do Rio Grande do Sul, Turmas Recursais, Relator: Heleno Tregnago Saraiva, Julgado em 23/11/2010 - clique aqui)."

"Ementa: RELAÇÃO DE CONSUMO. CONTA SALÁRIO NÃO UTILIZADA APÓS CESSAREM OS DEPÓSTITOS. DÉBITOS ORIUNDOS DE TAXAS E JUROS. INSCRIÇÃO INDEVIDA NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO POR DÍVIDA GERADA PELOS ENCARGOS RELATIVOS À MANUTENÇÃO DA CONTA. DANO MORAL OCORRENTE. VALOR DA INDENIZAÇÃO MANTIDO. 1. Tendo em vista que a autora somente utilizava a conta-corrente para o recebimento de seu salário, cumpria ao réu, após cessarem os depósitos e não terem sido mais utilizados os seus serviços, instar a correntista sobre sua intenção na manutenção da conta, ao invés de continuar a cobrar taxas e juros. Como se verifica da documentação acostada, a última movimentação deu-se em 26/08/2003 (fl. 45), ocasião em que restou saldo positivo de R$ 0,61, não estando a requerente em débito perante o Banco. Além disso, não restou minimamente demonstrado pelo réu a finalidade da manutenção da conta, revelando o histórico de movimentação apenas o cômputo de taxas e encargos. 2. Desconstituída a dívida da autora, ilícita se torna a inscrição de seu nome em cadastros de inadimplentes, o que acarreta dano moral puro consoante entendimento pacificado no STJ. 3. O valor concedido a título de indenização (R$ 1.500,00) mostra-se em consonância com a extensão dos danos e com a capacidade econômica das partes, estando inclusive aquém do parâmetro adotado pelas Turmas Recursais em casos análogos, motivo pelo qual não merece reparo. Sentença confirmada por seus próprios fundamentos. Recurso improvido. (Recurso Cível Nº 71002561033, Primeira Turma Recursal Cível do Estado do Rio Grande do Sul, Turmas Recursais, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 24/06/2010 - clique aqui)."

Feitas essas considerações, fica aqui um alerta aos correntistas de contas exclusivamente para recebimento de salários: Se houver uma anotação indevida no SPC/SERASA, não se deve titubear. Deve-se ingressar imediatamente com a ação judicial para reparar a injustiça perpetrada.

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*Sócio do escritório Porpino Nunes Advogados Associados e professor adjunto III de Direito Civil da UNIFAP

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