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Do fim de uma aberração jurídica

A Medida Provisória 2.006 de 1999, várias vezes reeditada sob diferentes números (o último foi o MPv 2105-15) e, posteriormente transformada na lei 10.196/01 incorporou uma das maiores aberrações jurídicas já vistas no Brasil. Isto porque acrescentava à lei 9279/96 (Lei de Propriedade Industrial) o "pitoresco" artigo 229C.

28/1/2011

Do fim de uma aberração jurídica

Marcos Lobo de Freitas Levy*

A Medida Provisória 2.006 de 1999, várias vezes reeditada sob diferentes números (o último foi o MPv 2105-15 – clique aqui) e, posteriormente transformada na lei 10.196/01 (clique aqui) incorporou uma das maiores aberrações jurídicas já vistas no Brasil. Isto porque acrescentava à lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial - clique aqui) - o "pitoresco" artigo 229C1.

Por força do artigo de lei acima citado, criou-se aberração jurídica e administrativa, pois determinou que as patentes de produtos farmacêuticos somente fossem concedidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial depois de revisão e prévio consentimento da ANVISA.

Na prática, criou-se um processo administrativo, digno de Kafka, em que um pedido de patente é examinado pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) e, caso fosse considerado procedente e de acordo com a lei pelo órgão competente para o exame de patentes no Brasil, antes de publicar a concessão, o INPI deveria o processo para a ANVISA para que esta informasse se estava "de acordo" com o exame feito pelos técnicos do INPI.

A lei 10.196/01 nunca disse (jamais tendo sido regulamentada), quais seriam as bases e diretrizes segundo as quais a ANVISA poderia conceder ou deixar de conceder o aludido "consentimento prévio" nem mesmo que aspectos do processo – já aprovado pelo INPI – deveriam ou poderiam ser revistos pela ANVISA.

A introdução do artigo 229C na Lei de Propriedade Industrial gerou uma interna entre órgão de dois Ministérios diferentes sobre qual deles, afinal, teria poderes para concessão de patente de medicamento. A disputa se travava entre o INPI, autarquia vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio e a ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Mais que isso, referido artigo gerou a criação, dentro da ANVISA, de um departamento inteiro, com vários funcionários, dedicados a "refazer" o trabalho feito pelo INPI, sabe-se lá a que custo para o já sobretaxado contribuinte brasileiro.

Instada a se manifestar sobre a exótica disputa, a AGU, após examinar longamente a matéria, finalmente, como informa o jornal "O Estado de São Paulo", de 24 de janeiro de 2011, emitiu parecer concluindo pelo absurdo da situação.

No referido parecer, assinado pelo Advogado-Geral da União, a AGU conclui que a ANVISA não tem competência para examinar pedidos de patente, devendo restringir-se a verificar se o medicamento, cuja patente se está pedindo oferece, ou não risco sanitário.

Neste ponto vale lembrar que este poder a ANVISA sempre teve e deve ter. Aliás, dentre os principais documentos que compõe o processo de registro de um medicamento estão os que devem provar que o medicamento não só é eficaz como também apresenta segurança em seu uso.

Melhor explicando, cada um desses órgãos governamentais tem sua função (e competência), aliás, estipulados nas legislações que os criaram. Assim (1) A função/competência da ANVISA está devidamente circunscrita no conteúdo da lei 9.782/99 (clique aqui), que a criou e determinou sua competência, estabelecendo que a ANVISA tem como finalidade a proteção da saúde da população por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de medicamentos entre outros produtos, como por exemplo, alimentos e (2) A função/competência do INPI, conforme definido pela lei 9.279/96 é executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial (como marcas e patentes), tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica.

Assim, como se pode verificar a implementação da Lei da Propriedade Industrial (que inclui a concessão de patentes) ficou a cargo do INPI, que é o órgão criado para este fim e dotado da estrutura e das competências de pessoal necessárias para o desempenho desta função.

Assim é no mundo inteiro onde agências ou escritórios especializados desempenham tal função. Os exemplos mais óbvios são o "Patent and Trademark Office" – PTO -, dos Estados Unidos da América do Norte, e o "European Patent Office" – EPO -, da Comunidade Europeia. Na América Latina há o "Instituto Mexicano de la Propriedad Industrial" – IMPI -, e a "Administración Nacional de Patentes" – ANP da Argentina.

A defesa da aberração jurídica passou por diversas explicações bastante criativas, inclusive a alegação de que o reexame seria necessário porque, como o Brasil não reconhecia patentes de produtos farmacêuticos desde 1945 e não reconhecia patentes de processos de produção destes produtos desde 1971, o INPI não tinha mais know-how para este tipo de exame.

Fosse este o caso, seria muito mais eficaz e racional treinar os funcionários do próprio INPI do que colocar seus atos sob suspeita e dar-lhe um "supervisor" em órgão sem competência institucional para tal.

Defensores da existência dessa indefensável aberração jurídica, na tentativa de dar-lhe sobrevida apelam para argumentos essencialmente emocionais (e ainda assim distantes da realidade) no sentido de que o parecer da AGU dificultará a entrada de genéricos no mercado brasileiro. Não há argumentos para sustentar tal alegação.

Finalmente, o representante da ANVISA, segundo o jornal teria dito que não entende o interesse da AGU em alterar o procedimento, pois o parecer "não atende aos interesses da população nem do governo". Ora, a AGU não existe para atender a interesses de um ou de outro, mas sim de se certificar que os órgãos do governo e autarquias cumpram a legislação.

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1 "Art. 229-C. A concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos dependerá da prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA."

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*Sócio do escritório A. Lopes Muniz Advogados Associados

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