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Novas regras para ofertas públicas de aquisição de ações – o que mudou?

A CVM colocou em audiência pública no final de março uma minuta de instrução com a finalidade de modificar várias regras de ofertas públicas de aquisição de ações previstas na Instrução CVM 361/2002. Após receber e analisar os comentários de diversos participantes do mercado, a CVM editou a Instrução CVM 487/2010.

21/1/2011

Novas regras para ofertas públicas de aquisição de ações – o que mudou?

João Marcelo G. Pacheco*

Cauê Rezende Myanaki**

1. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) colocou em audiência pública no final de março uma minuta de instrução (Minuta) com a finalidade de modificar várias regras de ofertas públicas de aquisição de ações (OPA) previstas na Instrução CVM 361/2002 (clique aqui). Após receber e analisar os comentários de diversos participantes do mercado, em 25 de novembro de 2010 a CVM editou o resultado desse trabalho, a Instrução CVM 487/2010 (Nova 361 - clique aqui).

2. Motivação. A necessidade de aperfeiçoamento das atuais regras que regulam este tipo de operação decorreu basicamente da evolução recente do mercado de capitais brasileiro, em especial o número crescente e já considerável de companhias com controle difuso ou disperso, com a consequente necessidade de detalhamento das regras sobre OPAs para aquisição de controle. A conveniência de se aprimorarem algumas regras do jogo ficou ainda mais evidente com a aquisição de controle da GVT pela Vivendi, ocasião em que uma série de dúvidas foi suscitada a respeito da conduta dos ofertantes e das informações que deveriam ser divulgadas ao mercado nesse contexto1. Finalmente, a CVM aproveitou também para consolidar na Nova 361 alguns julgados do Colegiado da CVM sobre determinados aspectos das OPAs.

3. Alterações. Passamos a descrever, ainda que resumidamente, as principais mudanças da Nova 361, as quais tentamos agrupar por diferentes tópicos de interesse e objetivos da CVM:

3.1. Vazamento de informação sobre potencial lançamento de OPA:

(i) caso a informação sobre o lançamento de OPA escape do controle do potencial ofertante, tal ofertante deverá imediatamente (a) publicar o instrumento de OPA; ou (b) informar ao mercado se tem interesse em realizar a OPA, mesmo que ainda não tenha certeza, sendo que tal informe deverá conter, dentre outros, dados sobre a posição do ofertante detida em ações ou derivativos e eventuais contratos firmados; e

(ii) A CVM poderá, na hipótese (i)(b) acima, fixar um prazo máximo para o ofertante formalmente proceder ou desistir da OPA.

3.2. Detalhamento de regras sobre OPAs para aquisição de controle:

(i) durante o período de OPA, tanto o ofertante como os administradores, instituição intermediária e terceiros interessados em interferir na OPA divulgarão informações bastante detalhadas com relação às suas posições (e de pessoas vinculadas): (a) nas ações-alvo, e (b) referenciadas nas ações-alvo, i.e. através de posições em derivativos;

(ii) ao contrário do que havia sido proposto na Minuta, o conselho de administração da companhia-alvo de (qualquer) OPA não será obrigado a manifestar sua opinião sobre a oferta. No entanto, no caso de OPA para aquisição de controle, se o conselho se manifestar, sua manifestação deverá abordar todos os aspectos relevantes para a decisão do investidor, inclusive o preço;

(iii) durante o período da OPA para aquisição de controle, qualquer pessoa ou grupo de pessoas representando o mesmo interesse que detenha no mínimo 2,5% das ações de uma determinada classe ou espécie da companhia objeto (ou o equivalente em derivativos referenciados na referida ação) deverá divulgar ao mercado (a) qualquer elevação ou redução de participação, (b) assinatura de contratos envolvendo tal participação ou (c) negociação de derivativos referenciados em tais ações, sempre que tais negócios ((a) a (c)) representarem mais de 1% das ações de tal classe ou espécie.

3.3. Salvaguardas a acionistas na aceitação de OPAs para aquisição de controle:

(i) quando a OPA para aquisição de controle envolver a totalidade das ações de espécie ou classe, o ofertante passa a ter a obrigação de adquirir as ações dos acionistas que não houverem aderido à OPA, mas que vierem a manifestar sua intenção de venda no prazo de 30 dias após a OPA. A intenção é evitar que acionistas possam sentir-se compelidos a aceitar OPAs para aquisição de controle e a vender suas ações apenas pelo receio de queda de valor das ações após o êxito da oferta ou de redução de liquidez; e

(ii) nas OPAs lançadas para aquisição apenas parcial das ações em circulação, os destinatários da oferta poderão optar por condicionar a sua aceitação ao sucesso da oferta (isto é, o recebimento de aceitações incondicionais capazes de, somadas às ações do ofertante ou partes vinculadas, assegurar o controle da companhia). Assim como a alteração anterior, tal regra também busca evitar que o acionista sinta-se compelido desde logo a aderir à OPA.

3.4. Laudos de avaliação:

(i) como regra geral, a elaboração de laudo de avaliação deixou de ser obrigatória em caso de OPA por alienação de controle, ainda que formulada pela própria companhia ou pelo acionista controlador – o que é bastante razoável considerando que o preço de referência desta OPA é aquele pago ao alienante do controle;

(ii) no caso de OPA envolvendo permuta, o avaliador poderá agora utilizar critério diferente de avaliação para as companhias envolvidas, desde que justifique a adoção de critérios distintos;

(iii) a CVM poderá exigir a atualização do valor da companhia indicado no laudo de avaliação caso o valor da companhia objeto sofra alterações significativas após a data da avaliação; e

(iv) após ser muito questionada nos comentários à Minuta, a CVM recuou na exigência de que o avaliador declarasse ter analisado a consistência, coerência e razoabilidade das informações a ela fornecidas, mantendo na Nova 361 uma redação próxima à original, pela qual o avaliador somente utilizará as informações gerenciais recebidas do ofertante ou da companhia se as julgar consistentes.

3.5. Leilões de OPA e OPAs concorrentes:

(i) da mesma forma que já ocorria nos casos de OPA para cancelamento de registro e OPA por aumento de participação, interferências compradoras não poderão abranger lote de ações inferior ao objeto da OPA por aquisição de controle;

(ii) para que um terceiro possa exercer interferência compradora em leilão de OPA, deverá divulgar sua intenção ao mercado até 10 dias antes do leilão, juntamente com informações sobre, dentre outras, posição detida em ações ou derivativos e eventuais contratos equivalentes firmados; e

(iii) de modo similar à regra do item anterior, o lançamento de OPA concorrente também deverá ocorrer até 10 dias antes da data do leilão;

(iv) no caso de OPA para aquisição do controle, o ofertante não poderá elevar o preço no leilão caso exista OPA para aquisição de controle concorrente em curso; e

(v) uma vez lançada uma OPA concorrente (necessariamente por preço no mínimo 5% superior), tanto o ofertante inicial quanto o ofertante concorrente poderão, antes do leilão, aumentar suas ofertas por quaisquer valores e por quantas vezes quiserem.

3.6. Vedações e restrições; outros temas diversos

(i) para sanar dúvidas constantes do mercado sobre a fórmula de cálculo do 1/3 das ações em circulação para companhias que se tornaram abertas após a edição da Instrução 361 original nos casos de (a) OPA com aceitação maior de 1/3 e menor de 2/3 das ações em circulação, (b) OPA por aumento de participação e (c) OPA voluntária, a CVM estabeleceu que tal cálculo terá como base o número de ações em circulação no momento em que a companhia passou a ter suas ações negociadas em mercado regulamentado. A CVM poderá ainda, a pedido do controlador, realizar ajustes neste cálculo caso ocorra alteração significativa no número de ações em circulação desde tal data;

(ii) durante o período da OPA (cuja definição é abrangente), o ofertante e pessoas vinculadas não poderão: (a) alienar ações de mesma espécie e classe objeto da OPA; (b) adquirir ações de mesma espécie e classe em caso de OPA parcial; (c) realizar operações com derivativos referenciados na ação objeto da OPA.

(iii) caso, durante o período da OPA, o ofertante realize negócios envolvendo a mesma espécie e classe de ações objeto da OPA pagando um preço superior ao da OPA, deverá em 24 horas aumentar o preço da OPA para o maior preço praticado em tais negociações.

4. Vigência. A Nova 361 entrou em vigor na data de sua publicação (25/11/2010), não se aplicando apenas às OPAs que já tenham sido "divulgadas" ao mercado. A exceção certamente abrangeria OPA cujo edital já tenha sido publicado ou esteja sob análise da CVM (OPAs sujeitas a registro). Porém, certamente haverá margem para discussão sobre situações menos concretas – em que já houve, por exemplo, fato relevante anunciando intenção de OPA – seja voluntária, seja obrigatória que dependa da concretização de uma determinada operação.

5. Conclusão. A Nova 361 trouxe alterações significativas às regras de OPAs. Apesar de alguns pontos certamente ainda suscitarem dúvidas, e até desconfortos (como em qualquer exercício regulatório, por mais competente que seja), acreditamos que seu balanço é altamente positivo. Nesse contexto, vale ressaltar o crescente engajamento do mercado durante o período de consulta pública (desta e de outras normas), bem como a louvável abertura da CVM a boa parte dos pleitos e sugestões – isso tudo contribuiu enormemente para o desenvolvimento regulatório, em benefício geral do ambiente de negócios brasileiro.

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1 Em 9/12/2010, a CVM aprovou Termo de Compromisso para extinguir o Processo Administrativo Sancionador RJ 2010/2419 através de pagamento pela Vivendi S.A. do valor de R$ 150 milhões.

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*Associado da área Empresarial do escritório Pinheiro Neto Advogados

**Associado da área Empresarial do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2011. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS


 

 

 

 

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