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O Supremo e os Juizados Especiais

A polêmica sobre a competência dos Juizados Especiais para processamento e julgamento das reclamações chega à Corte Suprema, através de REs e AIs. O chamamento do Supremo para interferir na "justiça do pobre" ocorre até mesmo por meio de MS e HC.

21/12/2010


O Supremo e os Juizados Especiais

Antonio Pessoa Cardoso*

A polêmica sobre a competência dos Juizados Especiais para processamento e julgamento das reclamações chega à Corte Suprema, através de REs e AIs. O chamamento do Supremo para interferir na "justiça do pobre" ocorre até mesmo por meio de MS e HC. Evidente que estes questionamentos são levados à Corte maior por pessoas que possuem boas condições econômicas para pagar advogado, porquanto o cliente do dia a dia do sistema satisfaz com as decisões locais. O debate envolve também o STJ, como vimos em artigo anterior.

O sistema informal deveria receber causas de pequeno valor, até quarenta salários mínimos, sem complexidade e do dia a dia do cidadão; todavia, ao invés disto, passou a julgar demandas acima do teto fixado e de complexidade comprovada. Assim deu-se o início nas Cortes Superiores acerca da competência dos juizados para processamento de reclamações; com isto, o STF traz para si a condição de dirimir os desentendimentos nas pequenas causas retardando na prestação jurisdicional para as grandes e complexas demandas.

Importa saber se cabe ao Supremo interferir nos processos decididos em última instância pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais, considerando o fato de que a lei 9.099/95 (clique aqui) contempla apenas o recurso inominado e os embargos de declaração.

O STF, inicialmente, dava-se por competente para processar e julgar HC contra decisão de Turma Recursal; alterou seu posicionamento para conferir competência aos TJs e aos TRFs; isto ocorreu, em 2006, no julgamento do HC 86.834-7, contra decisão de Turma Recursal do Juizado Especial da Comarca de Araçatuba/SP. Foi impetrado por Miguel Angelo Micas, delegado de polícia, que respondia a ação penal por crime de prevaricação; manifestou a Corte, por maioria, da seguinte forma:

"Decisão: O Tribunal, por maioria, vencidos os Senhores Ministros Sepúlbeda Pertence, Cármen Lúcia e Celso de Mello declinou da competência para o TJ/SP, nos termos do voto do Relator. Mantida a liminar até que seja reapreciado o feito pelo tribunal competente..." HC 86.834-7 – São Paulo.

O ministro Sepúlveda Pertence divergiu do entendimento da maioria, porque considera que as turmas recursais dos Juizados Especiais não se sujeitam à hierarquia funcional da Justiça, pois aquelas não se configuram como órgão de duplo grau de jurisdição, não podendo ser subordinadas aos respectivos TJs.

Esclareceu o ministro:

"As Turmas de recurso dos juizados especiais, com efeito, sob o prisma da hierarquia jurisdicional estão em aparente paradoxo em plano mais elevado que os Tribunais de segundo grau da União e dos Estados na medida em que, a exemplo dos Tribunais Superiores, sujeitam-se imediata e exclusivamente a jurisdição do STF, dada a competência deste, e só dele, de rever suas decisões mediante recurso extraordinário. De tudo resulta que também e apenas o STF detém competência para julgar o presente habeas corpus".

Esta decisão assegura que não compete ao STF processar e julgar originariamente pedido de HC impetrado contra decisão de Turma Recursal, em interpretação do art. 102, inciso I, alínea "i" da CF/88 (clique aqui).

Sempre entendi incabível MS contra decisão proferida nos Juizados Especiais. Todavia, a banalização do remédio heroico, usado como sucedâneo de recurso, já não comporta discussão. Difícil para o sistema é absorver a competência conferida aos Tribunais ou até mesmo às Cortes Superiores para processar e julgar o writ contra decisão dos Juizados; a entender-se o cabimento do MS seria mais adequado seu processamento no âmbito da própria Justiça Especial.

Sobre o MS existe choque de entendimentos entre as Cortes Superiores, pois enquanto o STF confere a competência aos Tribunais locais, o STJ editou Súmula 376 nos seguintes termos:

"Compete a Turma Recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de Juizado Especial"

Bem verdade que recentemente, o STJ passou a admitir a competência dos TJs para apreciar MS, quando envolver controle dos juizados em matéria de competência.

A condução de recursos para o STF ou até mesmo para o STJ fere princípios basilares do sistema informal: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, além do princípio constitucional da razoabilidade.

Não será morosidade infamante levar decisões de pequenas causas de Turmas Recursais dos Juizados Especiais de todo o Brasil para apreciação de uma Corte, composta somente por onze ministros e ainda mais situada num único local, na capital Federal?

O recebimento pelo STF, pelo STJ ou mesmo pelos tribunais locais de Mandados de Segurança, Reclamações, HC estão suspendendo o andamento de sentenças e decisões simples que se processam nos Juizados Especiais de todo o Brasil, porque terão de aguardar tempo dos ministros ou dos desembargadores, que se queixam de estarem atulhados de processos mais complexos.

Induvidosamente este procedimento viola os princípios acima anotados.

O volume de recursos no STF, (REs e AGIs) é grande; entre os anos de 2005 até setembro de 2010 tramitaram 79.944 recursos questionando decisões dos juizados, ou seja, 13.324 por ano, 1.110 por mês, 37 por dia.

Veja-se quão impressionante esses números que ganham maior significação quando se sabe que todas essas demandas deveriam ser definidas ao nível do próprio sistema informal, mas os ministros deixam de decidir causas relevantes que até implicam em direito coletivo para imiscuir em reclamações de pequena monta e quase sempre para atender a requerimentos de poderosos, pois o pequeno, destinatário maior dos Juizados Especiais, não têm como chegar ao STF.

Afinal os Juizados Especiais Cíveis e Criminais têm como única e última instância de recursos as Turmas Recursais, formadas por juízes de primeira instância. Assim quis a lei que a jurisprudência altera em prejuízo para o jurisdicionado que terá de esperar.

Aí está um dos motivos do desvirtuamento do sistema informal. É que o STF que devia dedicar-se às demandas constitucionais, causas de maiores relevâncias, passa a conhecer causas menores.

As maiores Cortes do país, STF e STJ interferem muito facilmente na "Justiça do povo" para dirimir desentendimentos originados do dia a dia, causas que deveriam esgotar-se nos próprios juizados, como, aliás, é seu objetivo maior. Este sempre foi o entendimento do STF, modificado recentemente, com substanciais prejuízos para os jurisdicionados, porquanto deixa inúmeras demandas complexas e que aguardam nas prateleiras movimentação para apreciar causas do dia a dia.

Os Juizados Especiais já atrasam suas decisões em virtude da interferência dos Tribunais Superiores e, além disto, recebem volume grande de demandas, sem correspondente estrutura, em face do aumento do teto de 20 para 40 salários mínimos, ou frente às causas que neles passaram a ser ajuizadas, de conformidade com a lei 9.099/95, art. 3º. E os legisladores não param de descobrir meios para mandar demandas para o sistema informal.

Na área cível, tem-se que a lei 9.099/95 foi a responsável pela ampliação de competência dos juizados; na vigência da lei 7.244/84 (clique aqui) o sistema apreciava somente causas de valor ate 20 salários mínimos. A partir de 1995, além de ampliar o teto para 40 salários mínimos, trouxe as denominadas ações de menor complexidade, art. 3º lei 9.099/95. Todavia, esse dispositivo mostrou-se, desde cedo, confuso e suportou interpretação variada.

Eventuais equívocos cometidos pelo sistema informal nunca necessitaram de manifestação da justiça comum que já anda assoberbada com o volume de processos, mas as Cortes Superiores inviabilizam e desvirtuam a eficácia dos Juizados Especiais quando suspendem o andamento de inúmeras reclamações, porque se julgam competentes para decidir causas de pequeno valor.

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*Desembargador do TJ/BA

 

 

 

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