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Dúvidas sobre os alimentos atrasados, à luz da Súmula nº 309 do STJ

Recentemente foi editada a Súmula nº 309 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, do seguinte teor: “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo” (grifei).

13/5/2005

Dúvidas sobre os alimentos atrasados, à luz da súmula nº 309 do Superior Tribunal de Justiça, e rediscussão sobre a pertinência das súmulas vinculantes

Fernando Henrique Pinto*

Recentemente foi editada a Súmula nº 309 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, do seguinte teor: “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo” (grifei).

A parte da súmula referente às prestações vincendas no curso da execução de alimentos reflete as disposições do art. 290 do Código de Processo Civil, segundo o qual “quando a obrigação consistir em prestações periódicas, considerar-se-ão elas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor; se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las, a sentença as incluirá na condenação, enquanto durar a obrigação”, e ainda do art. 19, § 1º, da própria Lei de Alimentos (Lei nº 5478, de 25/07/1968), dispondo que “o cumprimento, integral da pena de prisão não eximirá o devedor do pagamento das prestações alimentícias, vincendas ou vencidas e não pagas”.

Também não houve novidade quanto à restrição temporal às três prestações vencidas, o que, embora não decorra de qualquer disposição legal, reflete entendimento há muito pacificado na jurisprudência, no sentido de que, se o credor dos alimentos demora muito para cobrá-los, significa que sua necessidade não é tão urgente, e, conseqüentemente, não se justifica a decisão extrema e excepcional de prisão civil do devedor.

Mas é objeto dessa análise o marco temporal para a contagem retroativa das três prestações vencidas, fixado na súmula como sendo a “citação”.

Isso porque as próprias Terceiras e Quartas Turmas do E. Superior Tribunal de Justiça alternavam acórdãos, a maioria por unanimidade, no sentido da súmula recém editada, mas também considerando o ajuizamento da execução como tal marco.

Trata-se do embate entre duas correntes doutrinárias e jurisprudenciais.

A primeira entende que deve ser considerado o ajuizamento da ação, porque, havendo a favor do credor título executivo líquido, certo e exigível, com data certa de vencimento e valor definido, o devedor fica constituído em mora pelo simples inadimplemento, independentemente de qualquer notificação e da própria citação, consoante os expressos termos do art. 960 do Código Civil de 1919, repetido no art. 397 do Código Civil de 2002.

Diz tal corrente, ainda, que o credor, uma vez acionando o judiciário para a satisfação do seu crédito, de natureza alimentar e urgente, não pode ser penalizado pelo trâmite normal da máquina judiciária, muito menos por manobras dos devedores, tendentes a fugirem à citação.

A segunda corrente funda-se no caráter excepcional da prisão de natureza civil, e necessidade de conhecimento, pelo devedor, da demanda ajuizada contra ele.

Para aqueles que são ou eram adeptos da primeira corrente, contudo, ficou no mínimo a curiosidade de saber os motivos pelo qual o Egrégio Superior Tribunal de Justiça optou pelo segundo entendimento, pois no endereço de tal Corte na Internet não consta o inteiro teor das deliberações que levaram à edição da súmula 309, e também não consta, como referência legislativa, os citados artigos do Código Civil, atual e antigo.

Constam apenas os seguintes 10 precedentes: 1) RESP 57579/SP, 2) RESP 278734/RJ, 3) RHC 13443/SP, 4) HC 24282/RS, 5) RHC 13505/SP, 6) RHC 9784/SP, 7) RHC 10788/SP, 8) HC 16073/SP, 9) HC 23168/SP e 10) RHC 14451/RS.

Contudo analisando-se tais precedentes, um a um, as dúvidas aumentam, porque:

1) Consta da ementa do RESP 57579/SP: “alimentos vencidos desde seis meses antes da propositura da execução”. No voto não há tal menção explícita, mas no relatório pode-se constatar que a decisão do juiz de direito de primeira instância, mantida, considerou como marco a “propositura da execução”.

2) O RESP 278734/RJ e o RHC 13505/SP apenas trataram das prestações vincendas no curso da execução, sem especificar a partir de quando.

3) Na ementa e voto condutor do RHC 13443/SP consta que: “a jurisprudência da 2ª Seção é no sentido de que o devedor de alimentos, para se livrar da prisão civil, deve pagar as três últimas prestações vencidas à data do mandado de citação e as vincendas durante o processo”.

4) No HC 24282/RS constou na ementa e no v. acórdão que “é entendimento tranqüilo desta Corte ser cabível a prisão civil de devedor de pensão alimentícia quando a cobrança se refere às três últimas parcelas em atraso, anteriores à citação e as que lhe são subseqüentes”.

5) O RHC 9784/SP não faz menção explícita ao termo da contagem dos três meses de alimentos vencidos, mas entrevê que seria o próprio v. acórdão, pois determina que a partir do mesmo correrão as prestações vincendas.

6) Na ementa do RHC 10788/SP, decidido pela Quarta Turma por unanimidade, em 06/03/2001, consta que: “o processo de execução de prestação alimentar sob pena de prisão do devedor (art. 733 do CPC) deve compreender apenas as vencidas nos três meses anteriores ao ajuizamento do pedido, e as que se vencerem depois”. No mesmo sentido o conteúdo do voto condutor proferido, acrescentando ainda que este seria o “entendimento pacificado nas duas turmas de direito privado”.

7) Na ementa do HC 16073/SP, decidido pela 4ª Turma em 13/03/2001, por unanimidade, consta que “na execução de alimentos, prevista pelo artigo 733 do Código de Processo Civil, ilegítima se afigura a prisão civil do devedor fundada no inadimplemento de prestações pretéritas, assim consideradas as anteriores às três últimas prestações vencidas antes do ajuizamento da execução”. No mesmo sentido é o voto condutor, relatando que tal entendimento seria “assente nesta Corte” (STJ).

8) Quanto ao HC 23168/SP, em sua ementa consta que “a jurisprudência deste Tribunal firmou-se no sentido de que o devedor de alimentos, para livrar-se da prisão civil, deve pagar as três últimas prestações vencidas à data do mandado de citação e as vincendas durante o processo”.

Contudo, o conteúdo do voto, além de conter contradições sobre a matéria ora em análise, não reflete o que consta da ementa, como segue:

“(...).

A propósito, é de registrar-se que se entende por prestações pretéritas as anteriores às três últimas prestações vencidas ANTES DO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO. Nesse sentido, entre muitos outros, o RHC n. 11.717-SP(DJ 19/11/2001), assim ementado, no que interessa:

- "Na execução de alimentos, prevista pelo artigo 733 do Código de Processo Civil, ilegítima se afigura a prisão civil do devedor fundada no inadimplemento de prestações pretéritas, assim consideradas as anteriores às três últimas prestações vencidas antes do ajuizamento da execução".

Outra, aliás, NÃO é a posição da Terceira Turma, como se vê do RHC n. 11.556-MG (DJ 17/9/2001), relator o Ministro Menezes Direito, com esta ementa, no particular:

"A jurisprudência da 3ª Turma firmou-se no sentido de que o devedor de alimentos, para livrar-se da prisão civil, deve pagar as três últimas prestações vencidas À DATA DO MANDADO DE CITAÇÃO e as vincendas durante o processo".

Acrescente-se que, além da necessidade do pagamento das três últimas prestações em atraso quando do ajuizamento da execução, indispensável que o alimentante se mantenha-se em dia com sua obrigação; caso contrário, a prisão será de rigor. A respeito, a dispensar maiores acréscimos, confira-se o seguinte julgado, entre muitos outros:

"HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. ALIMENTOS. Se o credor por alimentos tarda em executá-los, a prisão civil só pode ser decretada se as prestações dos últimos três meses deixarem de ser pagas. Situação diferente, no entanto, é a das prestações que vencem APÓS O INÍCIO DA EXECUÇÃO. Nesse caso, o pagamento das três últimas prestações não livra o devedor da prisão civil. A não ser assim, a duração do processo faria por beneficiá-lo, que seria maior ou menor, conforme os obstáculos e incidentes por ele criados. Habeas Corpus deferido, em parte"(RHC n. 12.959-SP, DJ 4/12/2000, relator o Ministro Ari Pargendler).

3. Na espécie, da análise das cópias apresentadas, vê-se que a execução foi AJUIZADA em ABRIL/2001, objetivando a cobrança das parcelas em atraso referentes aos meses de julho/1999 até abril/2001. Nesse caso, o decreto prisional deve estar condicionado ao pagamento dos meses de fevereiro, março e ABRIL DE 2001, e todas as parcelas subseqüentes, na linha dos precedentes acima mencionados.

Além disso, no cálculo do quantum devido, deve ser considerado eventual valor descontado em folha de pagamento do paciente (fl. 40).

4. À vista do exposto, concedo parcialmente a ordem, para condicionar a suspensão da prisão à comprovação do pagamento das parcelas devidas nos meses de FEVEREIRO A ABRIL/2001 e todas as prestações subseqüentes, devendo ser considerado na fixação do quantum eventual valor descontado em folha de pagamento do paciente.

Nestes termos, fica cassada a liminar anteriormente concedida” (grifei).

Vê-se, portanto, que a ementa não reflete o comando do v. acórdão, que considerou devidas, sob pena de prisão, as três últimas parcelas anteriores à data em que “a execução foi ajuizada” (“abril/2001”).

9) Por fim, no precedente mais recente citado (RHC 14451/RS), decidido por unanimidade em 16/12/2003, pela Quarta Turma, consta que: “tratando-se de dívida atual, correspondente às três últimas prestações anteriores ao AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO, acrescidas das vincendas, admissível é a prisão civil do devedor (art. 733 do CPC)”. No mesmo sentido é o voto condutor do v. acórdão.

Em síntese, vê-se que, dos dez v. acórdãos citados pelo próprio STJ, como paradigmas para a elaboração da Súmula 309, dois não trataram do assunto ora em análise, um colocou como marco o próprio v. acórdão, apenas 02 (dois) referiram-se à citação, e 05 (cinco) aludiram ao ajuizamento da execução – lembrando-se que houve erro na elaboração da ementa do v. acórdão relativo ao HC 23168/SP.

Do ponto de vista prático, pode-se dizer que os operadores do direito que optarem pelo entendimento sumulado, deverão realizar a contagem retroativa das três prestações pretéritas da “data do mandado de citação”, e não da juntada aos autos do mandado ou carta (precatória ou não) de citação, como validamente poderiam argüir os executados, pela simples leitura da súmula.

Mas, diante do desconhecimento sobre o conteúdo da discussão da Colenda Segunda Seção, quando da elaboração da Súmula, a questão está em aberto, seja pela aparente incongruência dos termos da súmula à maioria de seus próprios precedentes citados, bem como também, e principalmente, porque nenhum dos acórdãos analisou a questão à luz da mora ex re, que remonta ao dies interpellat pro homine, relativa às prestações certas, com data certa de vencimento, conforme o disposto no art. 960 do Código Civil de 1919, repetido no art. 397 do Código Civil de 2002.

Tal discussão não tangencia o respeito devido ao entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, porque, em primeiro lugar, pode-se aventar até que possa ter havido erro na transcrição da súmula, tal como ocorreu na ementa do citado v. acórdão (HC 23168/SP).

Em segundo lugar, não será eventualmente a primeira vez que o STJ reformula entendimento sumulado, podendo-se citar, por exemplo, o cancelamento da Súmula nº 174, que agravava o roubo, por porte de arma, quando o agente portava um brinquedo simulacro de arma, bem como a substituição da Súmula nº 263, que declarava a desnaturação do contrato de arrendamento mercantil, quando o valor residual garantido (VRG) se mostra embutido nas parcelas, para simples compra e venda a prestação, substituição esta operada pela Súmula nº 293, em sentido diametralmente oposto, ou seja, que não haveria tal desnaturação, diante da mesma realidade.

A presente análise faz com que se retorne a discussão sobre súmula vinculante - recém implantada na Emenda Constitucional nº 45, chamada de “Reforma do Judiciário”, que inverte a ordem normal da produção jurisprudencial, e a pertinência da substituição de tal vinculação absoluta pela súmula impeditiva de recurso, pois esta última, na prática, teria o mesmo efeito almejado (já que é raro magistrados de instâncias inferiores julgarem contra entendimentos sumulados), mas não impediria que, em casos excepcionais como o presente, um entendimento sumulado eventualmente fosse revisto – já que, também na prática, aparenta ser difícil a revisão pelo próprio Tribunal Superior, sem a contribuição das instâncias inferiores, que estão mais próximas do jurisdicionado e da riqueza infinita dos fatos.

Por outro lado, na mesma discussão, poderia se pensar em estender ao Superior Tribunal de Justiça o poder de editar súmulas impeditivas de recurso, não se sabendo até hoje o motivo de somente o Supremo Tribunal Federal ter sido contemplado com o poder de editar súmulas vinculantes, se o Superior Tribunal de Justiça é a última instância constitucionalmente competente para interpretação da lei federal brasileira, que não envolva interpretação de norma constitucional.
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* Juiz de Direito Titular da 1ª Vara da Comarca de São Sebastião/SP






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