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O projeto de novo Código de Processo Civil e sua crise de legitimidade

O Código de 1973, com toda a certeza, precisa de ajustes, mas com mais segurança pode-se dizer que não é o PL 166 a solução. E não a é porque carece de legitimidade, na medida em que parte do pressuposto errado para se estruturar e construir seus princípios.

13/12/2010


O projeto de novo Código de Processo Civil e sua crise de legitimidade

Marcos Augusto Leonardo Ribeiro*

No último dia 24 de novembro foi entregue à Comissão Especial do Senado o PL 166/2010 (clique aqui), que visa instituir um novo Código de Processo Civil.

O Projeto de Lei hoje já se encontra substituído pela Emenda nº 1 da Comissão Temporária da Reforma do CPC, após receber, apenas de 11 Senadores que participaram da Comissão, em pouco mais de 3 meses, 217 emendas. Esse número ganha relevância quando se observa que o nosso Código atual, datado de 1973 e dito como obsoleto em razão das sucessivas reformas que enfrentou, foi objeto de, até hoje, 65 leis.

Não se pretende desmerecer o árduo e dignificante trabalho iniciado pela ilustrada Comissão de Juristas que elaborou o projeto original e que prosseguiu pelas mãos do Senador Valter Pereira. Para mim, inclusive, é bastante claro que este importante múnus já cumpriu a sua principal missão, que era a de despertar a urgência e prioridade do debate nacional acerca da morosidade da justiça brasileira. Entretanto, se o principal mérito foi o de fomentar a discussão sobre o tema, o maior pecado foi justamente o de engessá-la. Como não é raro acontecer, a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.

O Código de 1973, com toda a certeza, precisa de ajustes, mas com mais segurança pode-se dizer que não é o PL 166 a solução. E não a é porque carece de legitimidade, na medida em que parte do pressuposto errado para se estruturar e construir seus princípios.

A justiça brasileira é morosa. Isso é um fato. Contudo, a sua principal e verdadeira causa (ineficiência administrativa da máquina estatal) apenas acaba por ficar mais longe de solucionada, na medida em que negada e acobertada pela proposta de reforma legislativa. Uma deficiência só passa a ser suprida após aceita, mas o que pretende a nova legislação é, partindo de falsas premissas, justamente investir de maiores poderes o juiz. Precisamente aquele que mais sofre com a escassez de pessoal, com o número assoberbado de processos, com a ausência de orçamento, de estrutura e de treinamento e capacitação de gestão.

Os avanços trazidos pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça – esses sim, embora com alguns pontos questionáveis, são inequívocos no sentido de se caminhar para eliminar o foco correto do problema e introduzir métodos de gestão administrativa ao Poder Judiciário e o principal deles é diagnosticar, por meio de elementos concretos e estatísticos, onde estão os principais entraves, colocando metas para serem superados.

Mas o que faz o PL 166 é andar na diametral contramão deste processo, pois praticamente torna dispensável o processo, ou pelo menos o devido e constitucional, e, na medida em que assim o faz, torna secundária a participação das próprias partes, de forma a recair exatamente naquele mais sobrecarregado e, portanto, passível de erro toda a responsabilidade, poder e competência para conduzir, praticamente sozinho, o processo, o seu julgamento e o respectivo cumprimento.

Ao negar a verdadeira causa do problema, o projeto de lei acaba por se enterrar ao se entregar "de bandeja" ao verdadeiro vilão. Que fique bem claro não ser culpa dos magistrados a atual situação de morosidade, mas esses são também reféns da ineficiência administrativa da máquina estatal judiciária.

Portanto, ao se permitir ao juiz ordenar medidas cautelares de ofício, alterar, a sua conveniência, os limites da lide e a dinâmica dos ônus probatórios, ao se extinguir a preclusão na fase de conhecimento e com ela praticamente pôr fim ao agravo de instrumento e ao se eliminar o efeito suspensivo como regra do recurso de apelação, entre outras inovações, está se normatizando a insegurança jurídica e se impondo ao magistrado e, principalmente, aos jurisdicionados que caberá ao juiz determinar e alterar as regras do jogo mesmo depois de já iniciado, declarar o vencedor e lhe entregar o prêmio; tudo antes da primeira oportunidade dos participantes se manifestarem.

Se hoje o processo é legitimado no contraditório e cada ato, culminando com a sentença, retira seu fundamento de validade do ato anterior, de forma a privilegiar o discurso e a argumentação para que as partes reconheçam e, por isso, atribuam legitimidade ao julgamento final, já com o novo Código a legitimidade do processo vem do próprio juiz e dos poderes lhe conferidos pela lei.

E é por isso que se diz que o maior pecado da Comissão está em se pretender encerrar prematuramente, com a entrega do novo código, esse debate, que, na verdade, está apenas desabrochando (vide o número de emendas apresentadas e as primeiras alterações ao anteprojeto acolhidas), não deve se prender às premissas e presunções subjetivas e abstratas que nortearam a elaboração do anteprojeto de lei e começa a ter maiores condições empíricas e estatísticas de abordar, por meio de reforma legislativa, apenas o que for necessário ao complemento das ações de combate às diversas causas da morosidade da justiça brasileira.

Vale dizer, suprimir o debate a esta altura em que apenas foi iniciado para se aprovar, em sua essência, um código feito previamente ao contraditório é retirar o seu fundamento de legitimidade dos verdadeiros interessados, os jurisdicionados, exatamente, aliás, como será a tônica do novo processo que se pretende instituir.

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*Advogado do contencioso e consultivo cível do escritório Martinelli Advocacia Empresarial

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