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Juros bancários e a política monetária do Banco Central

O pensamento econômico que norteou o século XX era de John Maynard Keynes com a sua importante obra Inflação e Deflação. Demonstrava com perspicácia econômica que “um país se enriquece não pelo simples ato negativo de indivíduos não gastarem todos os seus rendimentos em consumo corrente.

9/5/2005

Juros bancários e a política monetária do Banco Central


Celso Marcelo de Oliveira*

O pensamento econômico que norteou o século XX era de John Maynard Keynes com a sua importante obra Inflação e Deflação. Demonstrava com perspicácia econômica que “um país se enriquece não pelo simples ato negativo de indivíduos não gastarem todos os seus rendimentos em consumo corrente. Enriquece-se pelo ato positivo de usar essas poupanças para aumentar o estoque de capital do país. Não é o avaro que se torna rico, mas o que aplica seu dinheiro em investimento frutífero. O objetivo de concitar o povo a poupar destina-se a criar a capacidade de criar casas, estradas e assim por diante. Portanto, uma política destinada a tentar reduzir a taxa de juros pela suspensão de novos acréscimos ao estoque de capital e, pois, pela contenção das oportunidades e dos propósitos de aplicação de nossas poupanças é simplesmente suicida”.

Sintetizando o pensamento econômico de Keynes, somente o Estado teria a capacidade para conferir equilíbrio e estabilidade ao sistema econômico de uma nação, com uma política financeira para redução dos juros. Entretanto, na última semana tivemos três posições dos nossos principais governantes a respeito das elevadas taxas de juros praticadas pelos Bancos. O Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva criticou a elevação das taxas de juros do Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil e indagou da impossibilidade do Governo Federal em tabelar os juros. Por outro lado, o Vice-Presidente da República, José Alencar indagou que “As taxas de juros altas são instrumentos que inibem o investimento e o consumo” e para o Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Severino Cavalcanti “as micro e pequenas empresas não podem suportar essas taxas escorchantes que prejudicam o emprego no Brasil”.

Entendemos que o Governo Federal não deve cometer os erros do passado como ocorreu com o tabelamento dos juros, mas deveria em encontrar mecanismos de ordem jurídica, política e econômica, visando uma diminuição gradativa dos juros. Entretanto, se o Poder Executivo como o próprio Legislativo apenas fazem criticas a política econômica do Pais que governam e se declaram impotentes na questão dos juros, estamos diante de um quarto poder: o Poder Financeiro e Bancário, imune a qualquer tipo de intervenção do Estado. No ano passado, os Bancos detiveram as maiores lucratividades, como constam as informações do site www.feebpr.org.br/lucroban.htm que descrevemos abaixo:


Ano

Banco

Período

Lucro

2004

Itaú

2004

R$ 3,776 bilhões

Bradesco

2004

R$ 3,060 bilhões

Banco do Brasil

2004

R$ 3,024 bilhões

BC

2004

R$ 2,537 bilhões

Banespa

2004

R$ 1,750 bilhão

Caixa Econômica Fed.

2004

R$ 1,4 bilhão

Unibanco

2004

R$ 1,283 bilhão


Assim, na base do sistema que permite aos bancos obterem grandes lucros crescentes a cada ano está uma conjuntura econômica favorável, resume o secretário de acompanhamento econômico do Ministério da Fazenda, Elcio Takeshi. O ilustre Professor de Ciências Contábeis da Universidade de Brasília, Roberto Piscitelli indagou recentemente que "no caso de algumas grandes instituições, a receita com tarifas bancárias é superior à própria folha de pagamento dos salários".Uma pesquisa da ABM Consulting, realizada com seis grandes bancos brasileiros, revela que as receitas com serviços bancários, incluindo tarifas, cresceram de R$ 4,8 bilhões em 1995 para R$ 19,2 bilhões, até setembro de 2004, e já correspondem a 113,4% do valor gasto com a folha de pagamento dos bancos.

Em termos, as taxas de juros no Brasil, são as mais elevadas do mundo. Recentemente um estudo econômico confirmou que o Brasil é o campeão das taxas de juros no mundo, seguido da Turquia e do Egito. Com o aumento divulgado pelo Copom, a expectativa do juro real (Selic menos a inflação) para 2005 subiu de 11,8% para 14,4 %. A Turquia tem uma taxa de juros reais de 7,5% ao ano. O que acontece é que o Comitê de Política Monetária pretende alcançar uma meta inflacionária de 5,1% mas como as expectativas para 2005 não têm diminuído, a taxa de juros foi reajustada em abril para 19,50%. A taxa básica de juros brasileira é a taxa de juros que o governo paga pelos empréstimos que pega com os bancos vendendo títulos públicos e serve de referência para outras taxas de juros do País.

Assim sendo, as taxas de juros refletem não apenas o rigor da política monetária, em resposta às condições macroeconômicas consubstanciadas em taxas básicas elevadas, mas também os elevados spreads bancários praticados no País. O spread bancário é a contrapartida do agente financeiro pelo desempenho de suas funções próprias de intermediação financeira e de mobilização de recursos entre os agentes que realizam poupanças e aqueles que necessitam de crédito para suas operações. Em termos práticos, o spread constitui-se na diferença entre as taxas de empréstimos (ou taxas ativas) praticadas pelos bancos ou agentes financeiros junto aos tomadores de crédito e a taxa de captação, que é a taxa à qual os poupadores são remunerados. O spread bancário visa não só cobrir os custos das operações financeiras e, portanto, as despesas relativas à atividade de intermediação financeira, mas também proporcionar uma margem líquida para o intermediário financeiro compatível com os riscos inerentes à atividade.

Ressaltamos que o principal componente dos lucros obtidos pelas instituições financeiras com a concessão de créditos, encontra-se no alto spread bancário. Em dezembro de 2004, o spread bancário no Brasil foi de 27,3 pontos percentuais, segundo os dados colhidos no site do Banco Central do Brasil. É o maior do mundo, sendo quase duas vezes maior que o da Argentina (15,4%), três vezes o da Rússia (9,1%) e nove vezes o dos Estados Unidos (3,0%), segundo dados obtidos no site do Fundo Monetário Internacional.

Em avaliação do Professor Jandir Feitosa da Fundação Getúlio Vargas, vários fatores levam a um spread bancário tão elevado. Na taxa cobrada, o Banco embute, possivelmente, prestações atrasadas, inadimplência, risco de crédito em função do mercado, da conjuntura econômica, cunha fiscal e a própria expectativa de inflação. O Banco Central do Brasil em estudo sobre a composição do spread bancário, divide a composição em impostos diretos (19,10%), indiretos (8,24%), despesas administrativas (16,10%), inadimplência (19,10%) e a margem líquida ou o lucro de 37,45%. No recente estudo técnico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, em que concluiu que “os brasileiros pagam 73 bilhões de reais, por ano, em spread bancário”.

Por outro lado, a Associação Nacional dos Executivos de Finanças descreveu que o aumento na taxa básica de juros afetará pouco as operações de crédito no mercado. Essa elevação da taxa básica tem um resultado indireto muito maior, que é a elevação da rentabilidade dos títulos públicos. Ou seja, na medida que o Banco Central eleva a taxa Selic aumenta a rentabilidade dos bancos que destinam seus recursos para aplicações em títulos públicos, empurrando-os para operações de tesouraria, a fim de aumentar a sua rentabilidade. Este movimento de redução do volume de crédito no sistema, pressiona para cima as taxas de juros.

Assim temos que o objetivo da política monetária do Banco Central do Brasil é um aumento sistemático das taxas de juros para controlar a inflação. Desde 1999, quando o governo adotou o sistema de metas de inflação e o câmbio flutuante, a taxa de juros é o principal instrumento usado para conter a pressão de preços. O documento do Comitê de Política Monetária do Banco Central explica que a decisão de elevar a taxa básica de 19,25% para 19,5% ao ano foi tomada porque ainda existem focos localizados de pressão inflacionária no mercado interno. Além disso, informa a ata, o cenário internacional se deteriorou, com os preços do petróleo em níveis elevados e a possibilidade de permanência de condições voláteis nos mercados internacionais de capitais. Isso também poderia provocar alta de preços no Brasil. A ata explica que as expectativas de inflação para 2005 pioraram nas últimas semanas. De acordo com projeções do Banco Central, no nível em que indicadores como taxa de câmbio e juros estavam na véspera da última reunião do Copom, a meta de 5,1% para este ano não seria cumprida.

Entretanto, não podemos concordar com o objetivo da política econômica do Banco Central em conter a inflação com o aumento das taxas de juros. A redução da taxa de juros irá reduzir os encargos financeiros do Tesouro Nacional e o efeito estimulante da redução da taxa de juros real sobre o crescimento econômico iriá permitir a obtenção de uma redução simultânea do superávit primário e do endividamento público como proporção do PIB.

O professor Robert J. Barro da Harvard University em estudo elaborado para o Bank of England, comparando índices de inflação e crescimento de 100 países, dentre eles o Brasil, por mais de trinta anos, constatou que a inflação somente afeta o crescimento no caso de taxas muito altas: a relação não é significativa para taxas de inflação abaixo de 10% ao ano.

Importante expor que a nossa contrariedade tem amparo também no estudo técnico de Mark R. Stone, "Greater Monetary Policy Transparency for the G3: Lessons from Full-Fledged Inflation Targeters", IMF Working Paper, www.imf.org, os “três principais bancos centrais do mundo, não se convenceram da conveniência de adotar o regime de metas para a inflação e preferem modelos mais discricionários, menos focados na busca de determinado objetivo para a inflação. O Federal Reserve não tem meta numérica para a inflação e o seu estatuto estabelece que a política monetária deve ser conduzida de maneira a promover "os objetivos de emprego máximo, preços estáveis e taxas de juro de longo prazo moderadas". O Banco Central Europeu tem a estabilidade de preços como objetivo primordial, mas a meta de inflação é definida de cerca de 2% no médio prazo. O Banco do Japão declara que continuará implementando medidas de estímulo monetário até que o índice de preços ao consumidor se estabilize ou aumente moderadamente”.

Novamente aduzimos que a política econômica do Ministério da Fazenda é de manter a alta das taxas de juros como instrumento para o controle de inflação e as decisões sobre os juros devem ser tomadas pelo Conselho de Política Monetária. Trata-se, em termos, de uma independência ou autonomia do Banco Central do Brasil para a fixação das taxas básicas de juros e de influir na paridade cambial. Recentes pesquisas econômicas tem posto cada vez mais em cheque o dogma da independência dos bancos centrais. O Professor Manfred Gärtner mostrou em estudo realizado que os custos do combate à inflação em termo de renda e redução do PIB são menores em paises onde o banco central é dependente do que em paises onde é independente.

Na visão da economista Maria Cristina Penido de Freitas em artigo publicado na Folha de São Paulo, sobre as “Implicações profundas e negativas sobre a autonomia do Banco Central onde indaga que “o regime de metas de inflação não é o único nem o melhor instrumento de política monetária. Nem sequer é o mais adequado em um país periférico como o Brasil, que não possui moeda internacionalmente conversível e apresenta enorme vulnerabilidade externa. A economia brasileira vive sujeita à volatilidade dos fluxos de capital, com impactos consideráveis sobre a taxa de câmbio, que contamina os preços controlados das concessionárias de serviços públicos e dos produtos comercializáveis, pressionando a inflação. A elevação dos juros dos juros não tem tido o efeito operado sobre a estabilidade dos preços, mas é sério obstáculo à retomada do crescimento e geração de empregos”. O economista Paulo Nogueira Batista Junior em artigo publicado na Folha de São Paulo com o título “Banco Central terceirizado”, manifestou-se contrário à autonomia do Banco Central em função do relacionamento com o sistema financeiro privado, pois “No Brasil, a questão da autonomia precisa ser abordada com cuidado especial. Nas suas relações com o sistema financeiro, o Banco Central é um exemplo do conhecido fenômeno da captura do regulador pelo regulado. Estabeleceu-se uma relação simbiótica, para não dizer promíscua, entre autoridades monetárias e instituições financeiras privadas, que leva freqüentemente a uma dissociação entre a ação do Banco Central com os interesses públicos. ”

Assim sendo, sobre a questão da limitação dos juros bancários, somente resta um pronunciamento do Poder Judiciário sobre o tema. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça composta pelos ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Antônio de Pádua Ribeiro, Barros Monteiro, Gomes de Barros, César Asfor Rocha, Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini, Nancy Andrighi e Castro Filho deve apreciar a primeira questão jurídica da aplicação da limitação imposta pelo novo Código Civil à taxa remuneratória em contratos bancários em 12% ao ano. A questão jurídica advém da decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul onde decidiu que os juros remuneratórios dos valores vencidos após 11 de janeiro de 2003 devem ser reduzidos, não podendo ultrapassar a taxa usada para pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (artigo 591 combinado com o artigo 406 do Código Civil Brasileiro).

Finalmente, para o alento dos nossos governantes, ressaltamos uma decisão importante do Banco Central da Venezuela que estabeleceu novos limites para todos os juros pagos e cobrados pelo sistema bancário, assim como impôs restrições às tarifas bancárias cobradas dos clientes. Todas as taxas de juros serão determinadas por meio do uso de diversas fórmulas, considerando-se a taxa básica de juros. O Banco Central da Venezuela decretou que os bancos estão proibidos de cobrar taxas por transações bancárias ou serviços relacionados a contas de poupança.

Conclusivamente, utilizamos novamente os argumentos de John Maynard Keynes onde e preciso dotar o Estado de políticas econômicas eficazes no tocante a regulação da taxa de juros, mantendo-a baixa o suficiente para inibir a demanda de moeda para fins especulativos e incrementando o consumo através de empréstimos públicos que fossem capazes de absorver os recursos ociosos no sistema econômico.
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*Consultor Empresarial, membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial, do Instituto Brasileiro de Direito Bancário, do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, do Instituto Brasileiro de Direito Societário e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário






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