O dilema do fornecedor em produzir prova impossível ou negativa nas ações de consumidor
Fernando de Britto Pereira*
Vale dizer: é necessária a comprovação da existência de um dano e da relação de causalidade que o ligue ao produto ou ao serviço disponibilizado.
A inteligência das normas contidas na regra processual em exame aponta no sentido de que a inversão do ônus da prova do CDC não pode nem deve incluir o fato constitutivo do direito do autor.
Essencial aquilatar o caráter verossímil das alegações autorais deduzidas, elemento fundamental ao transcurso equilibrado da relação jurídico-processual.
Verossimilhança essa sem a qual restará obstada, inclusive, a benesse da inversão ope iudicis do ônus probatório consagrada no artigo 6°, VIII, do CODECON.
De tal forma que, se assim não fosse, a mens legis no sentido da tentativa de equilibrar por meio do processo as desigualdades inatas a essa espécie de relação jurídica, estaria de todo comprometida.
Isso porque, ao se afastar da discussão a existência ou não de culpa na conduta do réu, quase sempre, impõe-se ao fornecedor o ônus de produzir prova impossível ou negativa, levando-se, dessa forma, a relação jurídica que se analisa ao nocivo efeito colateral do desequilíbrio no sentido inverso.
Nesse sentido, a lição do ilustre Ministro Antônio Herman V. Benjamin, Membro da Comissão de Juristas do CDC, fundador e primeiro presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON, na sua obra em co-autoria com os doutos professores Claudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa, ipsis litteris:
"A alteração sistemática da responsabilização, retirando-se o requisito de prova da culpa, não implica dizer que a vítima nada tenha de provar. Ao contrário, cabe-lhe comprovar o dano e o nexo de causalidade entre este e o produto ou serviço." ("Manual de Direito do Consumidor", 1ª ed. ano 2008, Editora Revista dos Tribunais, p. 123).
O CDC não adotou a responsabilidade civil fundada no risco integral, logo, a par e passo com a comprovação acerca da existência de um dano, indispensável demonstrar a relação de causalidade entre a lesão suportada e o bem colocado no mercado de consumo.
Tal exigência é onde encontram fundamento as excludentes de responsabilidade previstas nos artigos 12, § 3º e 14, § 3º da lei 8.078/90 (clique aqui), referindo-se, ambas, à necessária comprovação pelo réu de fato que signifique a quebra na cadeia causal como forma de se ver exonerado do dever de reparar.
Para que seja possível ao fornecedor se desincumbir do ônus processual que lhe pertence, o consumidor deverá, antes, preencher os requisitos impostos nas normas que lhe direciona o artigo 333, I do CPC, sob pena de afronta direta ao princípio constitucional da ampla defesa.
Ainda que o direito do consumidor seja um microssistema, submete-se aos princípios gerais do direito e aos macrossistemas naquilo que couber. Dessa forma, o Magistrado não pode deixar de desempenhar o seu papel no que se refere à subsunção da relação jurídica de consumo ao princípio que veda o enriquecimento sem causa.
O diploma consumerista é um divisor de águas na sociedade brasileira, verdadeira afirmação da cidadania consagrada pelo meio do ordenamento jurídico pátrio em homenagem à essência do direito, a maior das ciências sociais.
Por essa razão, há que ser manuseado com bom senso e cuidado, tal qual jóia rara.
O equilíbrio na aplicação dos institutos e princípios protetivos de ordem pública pelo intérprete deve ser observado de modo a que signifique decisiva contribuição para a sua evolução e perpetuação no tempo.
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*Advogado e integrante do escritório JR Folena de Oliveira Advogados
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