Burocracia ofende a livre iniciativa no século XXI
André Crossetti Dutra*
Evidentemente que as empresas e os governos estão se adaptando a estas novidades e se de um lado há a possibilidade de compra e venda on-line, a aproximação a mercados distantes, também existe uma maior fiscalização tributária mediante a obrigação que os contribuintes possuem de informar todas as suas operações através de declarações eletrônicas.
Não haveria nada de anormal se não fosse dois fenômenos que nos fazem retroceder aos séculos XIX e XX que são as negativas de expedição de Certidão de Regularidade Fiscal (Certidão Negativa de Débitos ou Certidão Positiva com Efeitos de Negativa), documento indispensável ao normal andamento das atividades econômicas de inúmeros contribuintes, e agora a exigência contida na obtusa MP 507/10 (clique aqui), de que o representante de contribuinte deve exibir procuração específica, passada em cartório, sempre que necessitar de informações mesmo que se trate de advogado.
No primeiro caso, muitas vezes ocorrem equívocos no preenchimento de declarações que são entregues ao Fisco pelo contribuinte ou mesmo se verifica falhas da própria administração, não sendo expedida a Certidão de Regularidade Fiscal ficando a empresa privada deste indispensável documento.
Acontece que muitas vezes, mesmo sendo esclarecido que o contribuinte não tem qualquer responsabilidade pelo erro do "sistema de arrecadação fazendária", na verdade mesmo quando flagrante que foi a Administração Pública que falhou, este não é sanado, obrigando-se o contribuinte a interpor Medida Judicial para obter a Certidão de Regularidade Fiscal.
Exemplo simples deste fato ocorre quando realizada a penhora regular em processo de execução fiscal, de imóvel indicado pela Fazenda e esta não altera a fase processual em seu sistema de controle. Nesse caso, o contribuinte não irá obter a Certidão de Regularidade Fiscal, que está prevista e é direito seu, no artigo 206 do CTN (clique aqui), obrigando-se a sobrecarregar o Poder Judiciário para resguardar seu direito.
Nesse singelo exemplo há, ainda, o agravante de que o contribuinte se vê obrigado a dispender quantias muitas vezes elevadas para o pagamento das custas do processo.
Ainda no que diz respeito à Certidão de Regularidade Fiscal, vezes há que o erro é do contribuinte no preenchimento de declaração eletrônica, mas mesmo sendo reconhecido, não há como se fazer a retificação necessitando a abertura de um processo administrativo, muitas vezes demorado, ou mesmo, em casos extremos, a interposição de medida judicial.
Se não fosse isso suficiente, agora vem o Governo Federal exigir que o representante do contribuinte, que necessita ter acesso a seus dados sigilosos para sua defesa, tenha de apresentar procuração pública, com poderes específicos para poder acessar estes dados.
Ora, nada mais absurdo (sem sequer entrarmos nas questões formais que possibilitam a edição de uma medida provisória), pois a nova exigência legal afronta o direito de empresa e de profissão se considerarmos que diretores de empresas tem esse direito de representação decorrente do contrato social ou do estatuto. E se for representada por advogado, estes atos são disciplinados pelo Estatuto da Advocacia, que em hipótese alguma pode ser mitigado com a edição de Medidas Provisórias.
Na verdade, a exigência de Procuração Pública nesse caso, visa coibir excessos praticados por agentes públicos despidos de espírito republicano, que vazaram dados sigilosos de alguns contribuintes.
Mas, ainda que louvável a preocupação do Governo Federal, essas medidas não podem onerar ou dificultar o acesso de contribuintes, por pessoa devida e legalmente qualificada para lhe representar perante os órgãos públicos, a acessar dados seus, ainda que sigilosos.
Tanto num como noutro caso relatado neste artigo, a ação fazendária faz o direito tributário e empresarial no Brasil regredir um século ou mais, quando as restrições impostas pelo fisco como meio coercitivo de cobrança de tributos foram expelidos do mundo jurídico.
O STF editou duas súmulas lapidares que garantem e livre atividade econômica e que infelizmente ainda nos obrigamos a transcrever. São elas as Súmulas 70 e 547, que tem a seguinte redação:
"É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo."
"Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais."
O procedimento da Administração Fazendária em negar a expedição de Certidão de Regularidade Fiscal quando claramente o contribuinte tem direito ou, no caso da Fazenda Nacional, exigir procuração pública para o contribuinte obter dados na Receita, viola o direito de empresa, a liberdade e o princípio da livre iniciativa, princípios garantidos pela Constituição Federal.
Os contribuintes que estiverem sendo submetidos a um ou ambos abusos praticados pela Administração Pública podem reagir com a propositura de medidas judiciais, evitando o retrocesso a tempos anteriores à Carta Magna assinada pelo rei inglês João Sem Terra.
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*Advogado do escritório Piazzeta e Boeira Advocacia Empresarial
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