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O décimo primeiro Ministro

Poucos dias antes da eleição, reuniram-se os Ministros do Supremo em sessão pra lá de solene no intuito de definir a aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa, já para este certame, ou apenas para o próximo, em Recurso interposto contra decisão do TSE de conhecido candidato da capital.

18/10/2010


O décimo primeiro Ministro

Francisco de Assis Chagas de Mello e Silva*

Poucos dias antes da eleição, reuniram-se os Ministros do Supremo em sessão pra lá de solene no intuito de definir a aplicabilidade da Lei da "Ficha Limpa", já para este certame, ou apenas para o próximo, em Recurso interposto contra decisão do TSE de conhecido candidato da capital. A questão foi debatida com técnica e ardor. Havia os que defendiam a tese de que a exigência de lisura do candidato nada mais era do que um critério primário para o exercício de mandato popular. Compatibilizava-se, inclusive, com os preceitos pétreos da Constituição relativos à necessidade de reputação ilibada para o preenchimento de cargo público. Tratava-se de mero requisito, presumidamente óbvio, de vida pregressa imaculada, mas que se tornava agora explícito na lei. Na verdade, consistia em simples formalidade, tal qual a vedação de pé chato para o cumprimento do serviço militar obrigatório. A argumentação se sustentava por si mesma: parece natural preferir um soldado de pé chato nas fileiras do Exército do que um político corrupto representando os interesses da população no parlamento.

Entretanto, as razões para o voto contrário de metade dos Ministros eram substantivas e severas. A lei não poderia retroagir para subtrair direitos de candidatos, estivessem ou não com ficha suja. A norma constitucional não poderia ser ignorada para impor punições a candidatos que, legitimamente, desejassem disputar mandato político e antes não se encontravam sujeitos a tais impedimentos. Note-se que, ao contrário, os Ministros dissidentes do voto do Relator inferiram que a consequência da retroatividade da lei teria o condão de "punir" candidatos que, independentemente da vida pregressa rasurada, não estariam subordinados a esses rigores modernos da legislação. Enfim, a Constituição assegurava ao candidato o direito de ser votado neste pleito, pouco importando as ranhuras da sua vida pregressa e menos ainda importando o vozeio da sociedade. O juiz não olha para a janela para medir a reação popular e só então proferir o seu voto.

Muito bem. Todos os votos eram enunciados com vibração entusiástica além da técnica jurídica. Não se pode impedir que juízes se abstenham das emoções próprias de um debate apaixonante.

Mas, eis que, terminada a votação, o Presidente da casa, valeu-se do empate para decidir que decisão não houvera. Ora, a decisão fora clara, mas apenas não se viu promulgada. Não sendo derrubada por maioria a decisão do TSE é certo que esta prevalecera. Entretanto, o Presidente abriu os braços, escapuliu, gesticulou, olhou para o céu, tangenciou e, por fim, tergiversou e foi colher os votos dos Ministros para que estes agora se manifestassem acerca do que acontecera naquela sessão à luz do Regimento em face do empate.

Neste mesmo instante, o Tribunal perdeu a noção da sua majestade. Ali não mais estavam os Ministros que haviam alardeado os seus votos com tamanha percuciência. A magistratura cedera lugar para a advocacia. O cliente era o seu voto. Os Ministros novamente se dividiram, isto é, os mesmos que antes divergiram sobre a matéria do Recurso, passaram a dissentir sobre tema inteiramente distinto. Coincidência semelhante só se admite nos livros de Monteiro Lobato. A verdade tornou-se irrelevante. Importava apenas a prevalência do voto antes proferido. O Ministro Marco Aurélio de Mello tomou a palavra para manifestar comovente apreensão em face da situação aflitiva dos candidatos de ficha suja. Responsabilizou o Presidente da República que não nomeara no tempo devido o décimo primeiro Ministro. Talvez tenha sido a única vez em que o Presidente se viu censurado por deixar de nomear alguém em seu Governo de múltiplas nomeações.

No entanto, de repente, sem aviso, no meio do tumulto de tantas vozes, com natural nobreza, senta-se para proferir o seu voto o décimo primeiro Ministro, Friedrich Nietzsche. Em tom professoral, sentenciou:

"A verdade é indiferente ao homem. O pathos da verdade num mundo de mentira. O mundo da mentira reencontrado nos mais elevados cumes da filosofia. De onde vem, no inteiro universo, o pathos da verdade? Ele não aspira à verdade, mas à crença, à confiança em algo. O filósofo busca a verdade? Não, pois, nesse caso, esperar-se-ia dele mais segurança. A verdade é fria, a crença na verdade é poderosa."

Dito isto, com a mesma fidalguia que entrara, levantou-se e deixou recinto.

Em seguida, sem qualquer outra consideração, o Presidente, Ministro Cezar Peluso, sorriu e deu por encerrada a sessão.

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*Advogado do escritório Candido de Oliveira - Advogados









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