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Eleições 2010

As eleições deste ano deram continuidade à construção do arcabouço democrático, que não se materializa apenas na eloquência da Constituição. Mais de 130 milhões compareceram às urnas, para exercer o direito de escolha entre os candidatos.

7/10/2010


Eleições 2010

Almir Pazzianotto Pinto*

As eleições deste ano deram continuidade à construção do arcabouço democrático, que não se materializa apenas na eloquência da Constituição. Mais de 130 milhões compareceram às urnas, para exercer o direito de escolha entre os candidatos. As ocorrências policiais estiveram dentro de limites razoáveis, indicando que compra aberta de votos, brutalidade e intolerância estão em vias de pertencer ao passado, graças, sobretudo, à vigilância da Justiça.

A Lei Maior prescreve, no art. 14, que a "soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos, e nos termos da lei...". São eleitores obrigatórios, conforme o dispositivo seguinte, os maiores de 18, e facultativos os analfabetos e maiores de 70 e de 16. O dispositivo encerra regra áurea do Estado democrático, que se assenta na autoridade suprema do povo para designar aqueles que, no executivo e legislativo, tomarão decisões em seu nome.

Duas questões controvertidas permanecem em pauta: o debate judicial sobre "fichas sujas", e o caso do humorista Tiririca. Aqueles que possuem vida pública manchada por condenação criminal, mas se viram reprovados pelos eleitores, deixaram de ser problema. Quanto aos eleitos, há que se aguardar o julgamento do STF. Espera-se que o Supremo decida logo, e em benefício da ética, com o expurgo de candidatos cujo passado está comprometido por delitos contra o erário, ou abuso de poder econômico. É vício antigo a compra e venda de votos. Não bastassem os demagogos e populistas, temos a desgraça de sofrer com os corruptos, que se elegem para transformar os poderes executivo e legislativo em casas de comércio, ou, para ser mais exato, em antros de prostituição.

Nesse cenário, o caso Tiririca mostra-se irrelevante. Afinal, o capital político representado por 1.353.331 votos não pode ser subestimado, ou subtraído, sem grave injúria à soberania popular, tal como se acha garantida no art. 14. A prerrogativa da escolha, entre nomes listados pelos partidos políticos, deve permanecer acima de secundária questão ligada à alfabetização de representante da última das camadas sociais.

Ademais, não lhe bastasse a caudalosa votação, em nome da isonomia de tratamento, vereadores, prefeitos, deputados estaduais, federais, senadores e suplentes, governadores e vices, e presidente da República, deveriam ser submetidos a prova semelhante àquela que se pretende impor ao cidadão Francisco Everardo Oliveira da Silva. Desconfiou-se que talvez não saiba ler e escrever corretamente, mas só depois de concluída a apuração.

Alguém duvida que numerosos políticos espalhados por 5.564 municípios, 27 Assembléias Legislativas, Câmara Distrital de Brasília, Câmara dos Deputados e Senado, são analfabetos, semi-analfabetos ou, o que me parece mais grave, venais e corruptos? Nas remotas localidades do interior exige-se o bacharelado para representação da comunidade? Os tiriricas são frutos da desigualdade econômica, da falência do sistema de educação, e do baixo nível de determinados programas de televisão. Como existem, e em considerável número, creio ser justo que alguns integrem o Congresso, para dar testemunho juramentado da crise que assola o Legislativo, e do fracasso da lei eleitoral, vulnerável às manobras de partidos inescrupulosos que se valem de baixos expedientes para a conquista de votos que lhes garantam cadeiras no Parlamento. Afinal, indago, se o caso Tiritica desperta tanto interesse, o que dizer dos suplentes em exercício no Senado, sem haverem recebido um único e solitário voto?

Lembro que o art. 17 da Constituição, desacompanhado da cláusula de barreira, estimula a criação de minúsculas legendas que tentarão sobreviver às custa de candidatos iletrados, mas capazes de atrair a atenção das massas.

A enganosa propaganda eleitoral gratuita demonstrou que Tiririca não é caso único de abestalhado, ou abestado. Como em eleições anteriores, apresentaram-se candidatos e candidatas de todos os tipos e gostos. Desde os reconhecidamente sérios, aos confessadamente avacalhados. As mensagens divulgadas por rádio e televisão se atropelavam, mais para confundir do que para esclarecer. Partidos de direita e centro-esquerda tentavam seduzir com promessas idênticas. As legendas extremistas imaginavam que angariariam votos propondo o fim da democracia, a extinção da propriedade privada, a eliminação da classe empresarial, e a implantação da ditadura. Foram fragorosamente derrotadas.

A cada eleição, nova lição. Ensina este pleito que a legislação eleitoral é indispensável, mas não é suficiente. O exercício da soberania popular através do sufrágio universal, e pelo voto direto e secreto, de igual valor para todos, como está na Lei constitucional, exige que o eleitorado tenha consciência da responsabilidade que sobre ele recai, quando da escolha daqueles que irão tomar decisões em seu nome, em matérias de relevante interesse para a Nação.

A partir desta semana terá início nova eleição. De José Serra, que milagrosamente foi beneficiado com a derradeira chance de se eleger presidente, espera-se definição precisa de projeto de governo. De Dilma Roussef a demonstração de que não é teleguiada ou terceirizada, mas está apta a caminhar com as próprias pernas. Ao povo, no exercício da soberania política, cabe a responsabilidade da escolha, pois, afinal, nova oportunidade de acerto só dentro de quatro anos.

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Ex-Ministro do Trabalho e ex-presidente do TST.





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