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Cobrança de juros durante a obra – Divergência instaurada no STJ

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao Recurso Especial nº 670.117, prestigiando o entendimento de que “as construtoras que negociam imóveis na planta não podem cobrar juros sobre as parcelas pagas pelo promitente comprador antes da entrega das chaves”.

27/9/2010


Cobrança de juros durante a obra – Divergência instaurada no STJ

Eduardo Coluccini Cordeiro*

A 4ª turma do STJ negou provimento ao Recurso Especial nº 670.117, prestigiando o entendimento de que "as construtoras que negociam imóveis na planta não podem cobrar juros sobre as parcelas pagas pelo promitente comprador antes da entrega das chaves".

O Eminente Ministro Luís Felipe Salomão, relator do recurso, já tinha proferido voto neste sentido quando ainda atuava como Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, e manteve seu posicionamento, no que foi acompanhado por toda a Turma.

O resultado anunciado abre espaço para oposição de embargos de divergência, pois a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 379.941, relatado pelo saudoso Ministro Menezes Direito, havia decidido anteriormente que "não é abusiva a cláusula do contrato de compra e venda de imóvel, que considera acréscimo no valor das prestações, desde a data da celebração, como condição para o pagamento parcelado". O referido acórdão contém a seguinte ementa:

"EMENTA. Contrato de compra e venda de imóvel. Pagamento parcelado. Juros legais da data da assinatura do contrato.

Não é abusiva a cláusula do contrato de compra e venda de imóvel que considera acréscimo no valor das prestações, desde a data da celebração, como condição para o pagamento parcelado.

Recurso especial não conhecido."

Em que pese o respeito que se tem por todos os Ministros integrantes da Quarta Turma, e também por aqueles que pensam diversamente, parece-nos mais acertada a posição até então adotada pela Terceira Turma, tão bem retratada no trecho do voto proferido pelo Ministro Menezes Direito, e a seguir transcrito:

"O especial aponta violação a diversos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, afirmando que a incidência de juros desde a assinatura do contrato é prática abusiva.

Sem razão alguma os recorrentes. Como está claro no Acórdão recorrido as rés fixaram o mesmo preço tanto para a compra com pagamento de uma só vez como para pagamento parcelado e previram, apenas, os juros legais nesta última, daí que não seria 'justo que, optando pela forma parcelada de pagamento do bem, o adquirente pagasse o mesmo preço se à vista fosse o pagamento, em verdadeira desvantagem, aí sim, àqueles que optaram por pagar o valor do bem de uma só vez'. Com razão o Acórdão recorrido quando afirma que 'não há que se falar que a cláusula contratual que prevê a incidência de juros para o pagamento parcelado do bem se trata de condição abusiva, ou leonina', sendo certo que não tem pertinência a alegação dos autores de que os juros somente deveriam ter sido cobrados quando da entrega da unidade, avalizando a sentença que asseverou que "equivocam-se os autores, quando aduzem que só nasce o contrato de mútuo quando da entrega da unidade. Não existe mútuo, mas pagamento, que, em regra, nos contratos de incorporação imobiliária, é feito na data da celebração, e não na da entrega da unidade.

Em conclusão: não é abusiva a cláusula do contrato de compra e venda de imóvel que considera acréscimo no valor das prestações, desde a data da celebração, como condição para o pagamento parcelado."

Ademais, a cobrança questionada possui amparo legal, pois o legislador cuidou de criar instrumentos que permitissem a democratização do acesso à moradia, considerando que a aquisição de bens imóveis importa elevado impacto financeiro para a maioria da população.

Na compra e venda a prestações de imóveis incorporados, como o capital empregado pelo incorporador (próprio ou de terceiros) tem um custo financeiro, o legislador previu a incidência de juros, fazendo-o inclusive para proteção dos consumidores, pois é vital que os negócios imobiliários tenham vitalidade, como meio de evitar o fracasso de incorporações.

A cobrança de juros em contrato de incorporação está expressamente prevista no artigo 1º da lei 4.864/65 (lei de estímulo à construção civil - clique aqui), que é claro ao estabelecer:

"Sem prejuízo das disposições da lei 4.591, de 16.12.1964 (clique aqui), os contratos que tiverem por objeto a venda ou a construção de habitações com pagamento a prazo poderão prever a correção monetária da dívida, com o conseqüente reajustamento das prestações mensais de amortização e juros (...)".

Nos incisos I e II, do artigo 1º, da lei de estímulo à construção civil, consideram-se passíveis dessa incidência os contratos ou promessas de venda que "tenham por objeto imóveis construídos ou terrenos, cuja construção esteja contratada, inclusive unidades autônomas e respectivas cotas ideais do terreno", ressalvando a lei que a parte do preço a ser paga em prestações deverá considerar "amortização e juros convencionados à taxa máxima fixada pelo Conselho Monetário Nacional".

Do referido texto legal extrai-se que a exigência de juros corresponde à natureza do contrato de incorporação a prazo e preço certo, no qual a venda é financiada e a obra é executada por conta e risco do incorporador.

Não bastasse a referida lei autorizando a cobrança de juros durante a fase da construção, a lei nº 9.514/97 (clique aqui), que criou o sistema de financiamento imobiliário, autoriza, expressamente, no artigo 5º, inciso II, a livre estipulação de juros remuneratórios, estabelecendo o parágrafo 2º daquele artigo que:

"§ 2º As operações de comercialização de imóveis, com pagamento parcelado, de arrendamento mercantil de imóveis e de financiamento imobiliário em geral poderão ser pactuadas nas mesmas condições permitidas para as entidades autorizadas a operar no SFI."

À evidência, o disposto no artigo 5º, inciso II, e respectivo § 2º, aplica-se tanto a imóveis prontos e acabados, quanto àqueles em construção.

A questão da cobrança de juros, dentro dos limites legais, esbarra, ainda, na questão da liberdade contratual. O artigo 1º da Constituição Federal enumera os princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, que são a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Logo, a adoção do regime capitalista (livre iniciativa) constitui norma fundamental, correspondente à ideologia do sistema.

Para que a livre iniciativa possa existir é essencial que exista o contrato, cuja função social é permitir a circulação de riquezas, através de regras que atribuam certeza e segurança ao negócio. Sem a garantia do contrato e sua execução na forma pactuada as operações e transações econômicas inviabilizam-se e são desestimuladas, tornando inoperante a livre iniciativa.

A segurança e a certeza jurídica dos contratos implicam conhecer os limites e restrições que a lei impõe aos negócios e transações. Sem segurança jurídica e obediência ao princípio da legalidade, os negócios e os contratos ficam sujeitos ao conceito pessoal de justiça do julgador, a seu sentimento de piedade e a seu posicionamento ideológico, eventualmente contrário aos princípios fundamentais do ordenamento. Carlos Maximiliano já ensinava que todo direito escrito encerra uma parcela de injustiça, que cumpre tolerar, pois abandonar o ordenamento para procurar o ideal de justiça representa mal maior, ao trazer a insegurança jurídica.

A notícia veiculada pelo Superior Tribunal de Justiça faz menção, ainda, à portaria nº 3/2001, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (clique aqui), que considera abusiva a cláusula que prevê a cobrança de juros antes da entrega da unidade em contratos de "construção". De acordo com a tese, acolhida pela Quarta Turma do STJ, o consumidor capitalizaria o incorporador ao pagar juros durante a obra.

O escopo da Portaria em questão é evitar o enriquecimento sem causa nos casos em que, de fato, a edificação é levada adiante com os recursos dos adquirentes e só estes.

Ocorre, porém, que na maioria das vezes a mais expressiva parte do capital necessário à construção é adiantada pela própria incorporadora, que desembolsa vultosa quantia para aquisição do terreno e contrai empréstimo junto a bancos (sujeitando-se ao pagamento de juros), com a finalidade de levar adiante a obra. Nessa hipótese a incorporadora faz jus à remuneração deste capital, na forma dos arts. 1º, da Lei 4.864/64, e 5º, da Lei 9.514/97.

Não se pode perder de vista, também, que as Portarias editadas anualmente pela Secretaria de Direito Econômico servem apenas como orientação para órgãos de defesa do consumidor, não podendo criar direitos ou obrigações, já que não possuem efeito de lei. No caso, o entendimento administrativo da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, manifestado no item 14 da portaria 3/2001, decorre da aparente confusão entre o contrato de mútuo e o de compra e venda de unidade imobiliária em construção.

No mútuo, os juros são devidos após disponibilizar-se a importância mutuada, pois os acessórios remuneram o capital emprestado. Assim, antes de entregue o bem de vida ao mutuário seria injustificável a cobrança de juros.

Já na incorporação imobiliária, notadamente no regime de construção "a preço fechado" (artigo 55 da lei nº 4.591/64), o custeio da construção é feito com capital próprio da incorporadora e com recursos obtidos junto a agentes financeiros, hipótese em que são devidos juros ao banco durante a obra. Esse capital antecipado é despendido antes da entrega do bem ao adquirente, o que justifica, jurídica e economicamente, a incidência de juros remuneratórios.

A incorporadora obriga-se a construir e entregar a edificação independentemente da venda de todas as unidades, do efetivo e tempestivo recebimento das parcelas contratadas e do prazo de pagamento, que normalmente se estende após a entrega.

De se ressaltar que a antinomia entre, de um lado, uma lei e, de outro lado, uma norma de regulamentação, é um conflito apenas aparente, devendo prevalecer sempre a lei, por ser hierarquicamente superior. Afinal, como se sabe, por força do princípio da tripartição dos poderes, não é dado ao Poder Executivo baixar normas com caráter de lei, excetuadas apenas algumas raras hipóteses, não aplicáveis ao caso dos autos.

Feitas estas ponderações, constata-se que a discussão sobre o tema merece ser aprofundada no âmbito do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, até porque o entendimento jurisprudencial dominante nos tribunais estaduais autoriza a cobrança dos juros questionados, em consonância com a decisão anteriormente proferida pela Terceira Turma do STJ.

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*Sócio do escritório Ferreira Pinto e Cordeiro Advogados Associados

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