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Linguagem Jurídica

As línguas são códigos historicamente escritos pelos povos. As linguagens são a aplicações das regras codificadas pelas línguas. O português, o inglês e o latim são línguas.

26/4/2005

Linguagem Jurídica


Sérgio Roxo da Fonseca*

As línguas são códigos historicamente escritos pelos povos. As linguagens são a aplicações das regras codificadas pelas línguas. O português, o inglês e o latim são línguas. As expressões jurídicas, médicas e técnicas são resultados da criação de linguagens particulares.

As linguagens particulares são criadas para dar objetividade à insuperável ambigüidade da linguagem comum. Por isso que cientistas, médicos, juristas de todos os países valem-se do latim para expressar-se objetivamente. O latim é língua morta e portanto insuscetível de sofrer influências ideológicas.

Curioso assim é o debate instalado sobre a linguagem jurídica que se afirma tão empolada que chega a embaçar o conhecimento daqueles que através dela necessitam ver as coisas do homem e do mundo. Cito alguns exemplos, concessa vênia, como dizem os juristas chatos.

Nas ações acidentárias os peritos médicos ao constatar varizes atribuíam a doença à circunstância do trabalhador prestar serviços em posição ortostática perfeita sem deambulação constante, ou seja, de pé e parado. Quando não, ao diagnosticar sinusite, sustentavam que se tratava de doença resultante da prestação de serviços em ambiente com dispersão de aerodispersóides, ou seja, sujeito à poeira.

Na área do jornalismo a linguagem é rica em duplos significados, como, por exemplo, “release”, foca, barriga, etc. Os engenheiros até hoje não conseguiram me ensinar porque falam em “pé direito” quando muitas vezes estão apontando para o lado esquerdo da sala.

Estava em Portugal falando sobre acidentes do trabalho, quando um médico me perguntou qual era a “causa mortis” mais comuns na minha região. Morte súbita sem assistência médica, respondi, lembrando-me dos atestados de óbito que chegavam à minha mesa de promotor de Justiça. O português, tentando segurar o riso, coçou o queixo e perguntou-me: quer dizer que no Brasil já há morte súbita com assistência médica?

Até mesmo na “Internet” há expressões mais enroladas do que “lana caprina”. Num dias desses dias alguém me disse que muito embora tivesse “logado” o “speedy” o computador não havia dado sinal de vida. Pudera, disse outro, você não conseguiu deletar o Cérbero. Para mim Cérbero é o capeta com dez ou doze cabeças, ninguém sabe ao certo quantas, que toma conta da porta do inferno da mitologia grega. A informática foi buscar na antiga Grécia o nome para batizar um “software” que serve para abrir ou fechar a porta de determinados arquivos do computador tal como o outro abria e fechava as portas infernais. A “Internet” tem linguagem empolada?

As ciências e as técnicas criam linguagens artificiais para fugir da ambigüidade da linguagem comum. O médico quando diz “aedes egiptii” define objetivamente o que viu. Poderia dizer pernilongo, mas pernilongo é gênero e “aedes egiptii” é a sua espécie definidora.

O mesmo ocorre na área jurídica. O advogado quando pronuncia “emptio spei” não se refere a qualquer compra e venda, mas, sim, à compra da esperança, tal como ocorre no contrato de safra. Há momentos em que a ciência e a técnica exigem o máximo de objetividade na tentativa de fixar a insuperável ambigüidade das múltiplas linguagens humanas.

O Dr. Ademar Gomes da Silva, exemplo de jurista e juiz, contava que havia encontrado um atestado de óbito, no qual constava como “causa mortis”: reagiu à captura e não poli traumatismo craniano resultado das bordoadas que levou a óbito o infeliz que se negara a ir preso. A realidade estará mais bem definida pela linguagem médica ou pela linguagem vulgar ? Fico com a primeira hipótese. Ela unifica a mensagem técnica e confere mais segurança aos atos judiciais.
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*Advogado, professor da UNESP e Procurador de Justiça de São Paulo, aposentado





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